A gênese do mandado de segurança - The genesis of the writ of mandamus

AutorLuiz Henrique Boselli de Souza
CargoMestre e doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas197-207

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A gênese do mandado de segurança

A GÊNESE DO MANDADO DE SEGURANÇA

THE GENESIS OF THE WRIT OF MANDAMUS

Luiz Henrique Boselli de Souza*

Resumo: as raízes do mandado de segurança estão diretamente relacionadas a um meio rápido, eficaz, amplamente acessível, constitucionalmente assegurado, criado como defesa contra as ilegalidades do Poder Público e, pois, indispensável ao Estado de Direito e à defesa dos direitos fundamentais. Essa natureza não pode ser desvirtuada ou limitada por qualquer regulamentação infraconstitucional.

Palavras-chave: Mandado de segurança. Origem. Direitos fundamentais. Garantia. Lei n. 12.016/2009.

Abstract: the writ of mandamus is a quickly, efficiently, accessible, and constitutionally assured instrument that was created as a defense against illegalities of public power. It is fundamental for the law state and for the protection of basic rights. The nature of this instrument can not be distorted or restricted by any infra constitutional regulation.

Keywords: Writ of mandamus. Origin. Fundamental rights. Assurance. Law n. 12,016/2009.

Em tempos de substituição da lei que disciplina o mandado de segurança, mediante a revogação da Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, pela Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009, torna se extremamente pertinente relembrar a gênese e o significado, para o Direito brasileiro, desse remédio constitucional, o que servirá, inclusive, de subsídio para a análise da constitucionalidade de alguns dispositivos da lei recentemente publicada.

A origem do mandado de segurança está intrinsecamente relacionada com a história da defesa dos direitos fundamentais em juízo, e, também, com o que ficou conhecido como Doutrina Brasileira do Habeas Corpus (HC), no período da Primeira República.

Em nossa atual Constituição, o habeas corpus coloca se ao lado do mandado de segurança, do mandado de injunção, do habeas data, da

* Mestre e doutorando em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo

(USP); especialista em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp) e em Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo (ESMP SP).

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ação popular e da ação civil pública, para formar o rol dos remédios constitucionais ou writs. Esse termo, como ressalta Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1999, p. 85), “lembra que na origem eram ordens escritas, em latim, expedidas pelos tribunais reais. Com efeito, writ tem a mesma raiz do verbo to write (escrever)”.

Essas ações constitucionais são espécies de garantias ativas, ou seja, instrumentos jurídicos para defenderem se e implementarem se os demais direitos. Direitos sem garantias tornam se fórmulas vazias, faltando lhes o veículo para a efetividade. Essa distinção já era sabiamente feita por Ruy Barbosa, ao tempo da Primeira República.

Ocorre que a Constituição de 1891, documento de notórias influências liberais, e que trazia em seu bojo uma Declaração de Direitos na qual eram enunciados direitos eminentemente individuais, continha apenas uma espécie de garantia ativa ou writ: o habeas corpus.

Em razão disso, o tempo e a prática judiciária evidenciaram a carência de instrumentos para defesa de inúmeros direitos. A consequência foi uma reinterpretação do instituto do habeas corpus decorrente dos esforços doutrinários e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), dando origem à Doutrina Brasileira do Habeas Corpus, que conferiu, em nossa terra, maior extensão ao antigo instrumento processual inglês. Segundo alguns, a maior do mundo.

A razão disso estava na redação original do art. 72, § 22, da Constituição de 1891, que dizia: “Dar se á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Como se pode notar, o referido dispositivo não fazia nenhuma remissão ao direito de ir e vir nem à liberdade de locomoção. Também não falava em prisão, constrangimento corporal ou liberdade física propriamente dita. Somando se a isso a presença das expressões coação

, ilegalidade e abuso de poder, construiu se a tese da utilização desse writ em todas essas hipóteses, independentemente da presença de constrangimento físico direto.

A Doutrina Brasileira do Habeas Corpus encontrou em Ruy

Barbosa ardoroso defensor. Segundo ele,

não se fala em prisão, não se fala em constrangimentos corporais. Fala se amplamente, indeterminadamente, absolutamente, em coação e violência; de modo que, onde quer que surja, onde quer que se manifeste a violência ou a coação, por um desses meios, aí está estabelecido o caso constitucional do habeas corpus (BRASIL, 1915).

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Ruy defendia a utilização do habeas corpus em todas as hipóteses. Para ele, não se tratava de mera interpretação do Texto Constitucional. Antes, o legislador constituinte havia, de fato, agido intencionalmente, dando ao instituto do habeas corpus conotação ampla, tornando o instrumento de defesa contra todos os abusos e ilegalidades.

O habeas corpus já estava previsto no Código Criminal de 1830 e no Código de Processo Criminal de 1832. Tais textos, porém, faziam menção expressa à prisão e ao constrangimento físico. Por isso, defendia Ruy Barbosa,

a questão está resolvida pelo confronto da letra das instituições republicanas com a letra das instituições imperiais. Se a Constituição de 1891 pretendesse manter no Brasil o habeas corpus com os mesmos limites dessa garantia durante o Império, a Constituição de 1891 teria procedido em relação ao habeas corpus como procedeu relativamente à instituição do júri. A respeito do júri diz formalmente o texto constitucional: É mantida a instituição do júri.

E completa Ruy:

o habeas corpus hoje não está circunscrito aos casos de constrangimento corporal; o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade (BRASIL, 1915).

Como exemplo, o HC n. 3.536 do STF, de 6 de maio de 1914, em que Ruy Barbosa é, ao mesmo tempo, impetrante e paciente. Insurge se o então Senador pelo Estado da Bahia contra o Chefe de Polícia, o qual impediu a publicação, no jornal denominado O Imparcial, de discurso por ele proferido no Senado Federal contra ato do Governo da União, que, infringindo preceitos constitucionais, prorrogou por seis meses o estado de sítio.

Assim decidiu o Supremo...

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