Neoliberalism and neo-developmentism: Construction and deconstruction of citizenship in Brazil/Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo: Construcao e desconstrucao da cidadania no Brasil.

AutorMulatinho, Juliana Pessoa
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

No fim da decada de 1970 e no inicio da decada de 1980, com a liberalizacao da economia chinesa, liderada por Deng Xiaoping, a eleicao de Margareth Thatcher, em 1979, na Gra-Bretanha, e a de Ronald Reagan, nos EUA, em 1980, as transformacoes propugnadas pelas teses neoliberais avancaram pelo mundo (HARVEY, 2008). A partir dai, quase todos os Estados do mundo adotaram algumas (ou varias) praticas neoliberais. Na America latina, em que pese ascensao de Pinochet ao poder no Chile em 1973, e a partir de 1980 que a maioria dos lideres eleitos na regiao estao imbuidos do ideario neoliberal, fazendo com que a agenda politica passe a girar em torno do Consenso de Washington (CASTELO, 2012).

Apesar desse contexto global, em 1988, o projeto estatal consagrado na Constituicao revela uma concepcao protecionista de Estado, proprietario de monopolios e interventor, indo ao encontro da tradicao desenvolvimentista brasileira. Alem disso, levando-se em conta um conceito de cidadania enquanto simples aquisicao de direitos, a Constituicao brasileira de 1988 logrou completar sua construcao, elencando amplos direitos politicos, sociais e civis. No entanto, em 1995, o governo recem-eleito, ainda em seu primeiro ano de mandato ja acena com um programa de reformas--com a edicao do Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estado (BRASIL, 1995) delineou-se uma transformacao estatal que, desde o inicio, ia ao encontro do ideario neoliberal. Ainda em 1995, atraves da Emenda Constitucional numero 5, que logo foi seguida por outras emendas, inicia-se uma serie de transformacoes do Estado brasileiro, especialmente no que tange a administracao publica e aos monopolios estatais. Essas transformacoes, que nao contaram com nenhum tipo de participacao popular expressa, representaram mais um elemento de insercao do pais em um projeto neoliberal global que privilegia a livre competicao no mercado.

E sabido que o direito e um instrumento de manutencao do status quo --embora eventualmente possa ser utilizado como ferramenta atraves da qual atores politicos logrem influenciar transformacoes sociais (BELLO, 2013). Dessa forma, pode-se perceber que o texto original da Constituicao de 1988 representava, em alguma medida, uma tentativa de utilizacao do direito a partir da inversao de seu movimento dialetico tradicional ao desenhar um Estado que tendia a protecao de interesses nacionais e consagrava uma cidadania que incluia amplas garantias sociais. No entanto, logo apos a promulgacao do texto, os interesses cristalizados em torno das ideias neoliberais, ja entao dominantes em grande parte do globo, vao gerar uma dinamica de reformas constitucionais de modo que o direito constitucional no Brasil vai recuperar o seu uso tradicional, consolidando formalmente um Estado com instrumentos tipicos do neoliberalismo.

Nesse passo, essa onda de reformas constitucionais que se deu no Brasil durante a decada de 1990 representa o arcabouco juridico para a insercao nacional na logica do neoliberalismo, que ja entao se tornava hegemonica no mundo. Ja no primeiro governo do periodo democratico, com o presidente Collor, o pais ira assinar um acordo sobre divida externa com o FMI que incluia o compromisso de adesao a essa logica. Essa insercao deu-se de forma ainda mais ostensiva durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, nos anos entre 1995 e 2002, e, suspostamente, foi superada pela ascensao ao poder do Partido dos Trabalhadores, a partir de 2003, que vem defendendo o neodesenvolvimentismo como sua ideologia. Paralelamente a essa transformacao estatal, percebe-se a uma serie de reformais constitucionais e legais que mitigam os direitos sociais concedidos no texto original da carta constitucional ou restringem sua ampliacao. Considerando que a formacao da cidadania brasileira e historicamente apoiada na concessao de direitos a partir do Estado, sendo, por isso, considerada "estadocentrica" (BELLO, 2013), parece logico afirmar que o esvaziamento dos direitos sociais, que se realiza tanto por meio de reformas legais, como atraves de mudancas sociais que retiram a relevancia desses direitos, influencia em sua efetivacao.

Assim, tendo em vista essa suposta evolucao do Estado com praticas neoliberais, cuja nocao sera examinada a partir das teses de Harvey (2013) para um Estado com perfil neodesenvolvimentista, questiona-se de que modo a cidadania brasileira vem sendo exercida nesses contextos e de que forma o Estado brasileiro vem ou nao aprisionando a pratica cidada, em contraposicao ao modelo mais amplo de cidadania que parecia emergir a partir da redemocratizacao.

Dessa forma, o objetivo desse trabalho e mostrar as consequencias dessa mudanca de configuracao estatal para a cidadania brasileira, procurando ressaltar de que forma a cidadania insurgente em 1988, quando a redemocratizacao brasileira foi acompanhada de intensa participacao popular que parecia configurar em uma verdadeira cidadania social, foi esvaziada da conflitividade, sempre inerente a propria ideia de cidadania (BALIBAR, 2013), desembocando em uma concepcao restritiva da ideia de cidadania. Em outras palavras, o que se pretende investigar e de que forma esse fenomeno, que pode ser denominado como confluencia perversa (DAGNINO, 2004), afetou o processo de configuracao da cidadania brasileira. Para tanto, empreende-se uma analise bibliografica do conceito de neoliberalismo (HARVEY, 2013), de forma a evidenciar de que forma o neoliberalismo representa uma limitacao a existencia da propria cidadania social (BALIBAR, 2013) que parecia emergir no Brasil a partir do processo constituinte de 1988. Alem disso, utilizando a analise da cidadania com indicador, pretende-se aproximar o conceito de neoliberalismo e neodesenvolvimentismo destacando suas similaridades.

Partindo da transformacao do Estado brasileiro que supera um paradigma desenvolvimentista previsto no texto constitucional original, para assumir uma feicao neoliberal, legitimando atraves de reformas constitucionais, apresenta-se como hipotese a continuidade ideologica entre a pratica estatal neoliberal e neodesenvolvimentista a partir da ressignificacao da ideia de cidadania social, que, para os fins desse trabalho, e analisada como parametro indicador dessa persistencia.

A metodologia escolhida por imposicao do proprio objeto sera a utilizacao de uma pesquisa teorica, assim entendida aquela que nao se confunde com a mera especulacao abstrata, mas, pelo contrario, ocupa-se de compreender a realidade--no caso, a conformacao do Estado brasileiro e seus efeitos sobre a cidadania--atraves de categorias intelectuais (DEMO, 1982). Para tanto, utilizou-se tecnica de revisao bibliografica, evidenciando, sobretudo, os conceitos de cidadania (BALIBAR, 2013), neoliberalismo (HARVEY, 2013), confluencia perversa (DAGNINO, 2004) e neodesenvolvimentismo (PFEIFER, 2014). Alem disso, foi utilizada tambem a analise legislativa para exame das transformacoes constitucionais atinentes ao objeto.

Assim, a investigacao ira iniciar-se com uma digressao sobre a relacao entre democracia e cidadania, a partir das ideias de Balibar (2013) e Wood (2003) com objetivo de oferecer sustentabilidade teorica a analise empreendida no item subsequente, em que sera vista a disputa do significado da cidadania que se instaurou a partir da confluencia perversa entre a cidadania nascente com a redemocratizacao e o influxo neoliberal (DAGNINO, 2004).

Em seguida, para demonstrar a adequacao juridica do Estado brasileiro as ideias neoliberais sera analisado o ciclo de emendas constitucionais da decada de 1990, tendo em vista que se relacionam diretamente a assuntos centrais desse ideario, quais sejam monopolios, nacionalismo, gestao da administracao publica e direitos sociais, no caso, previdencia social. Essa analise e necessaria para demonstrar o uso do Direito, especialmente na esfera constitucional, para legitimar a insercao do pais no contexto neoliberal.

Finalmente, chega-se a analise do modelo defendido pelo atual governo, o neodesenvimentismo, ocasiao na qual essa categoria, apos devidamente examinada sera aproximada do ideario neoliberal. Aqui o conceito de cidadania sera utilizado como ferramenta para demonstrar atraves da analise da disputa de sentido acerca ideia da cidadania social na atualidade--a semelhanca dos modelos neoliberal e neodesenvolvimentista. Para tanto, sera examinada a concepcao de politicas sociais neodesenvolvimentistas e a forma como elas contribuem para o esvaziamento do exercicio da cidadania no Brasil.

1. Cidadania e democracia: uma relacao paradoxal

A relacao entre cidadania e democracia nada tem de natural, pelo contrario, foi historicamente construida, dessa forma nao ha coincidencia entre os termos, mas, ao reverso, a democracia "vuele problematica la institucion de la cidadania" (BALIBAR, 2013, p. 8). A partir disso, Balibar (2013) busca demonstrar uma relacao dialetica entre cidadania e democracia, na qual a cidadania e um motor que movimenta a propria instituicao politica. Assim, nesse autor, a cidadania democratica e sempre a expressao de um conflito permanente. Por outro lado, em um contexto capitalista, a democracia emerge sempre como um projeto limitado, no qual a igualdade formal dos direitos, incluido aqui o gozo passivo de direitos, convive com a desigualdade material (WOOD, 2003).

No seculo XX, a incorporacao dos direitos sociais a cidadania traz toda uma serie de novas contradicoes, que se fazem sentir, ainda que de formas diferentes, em todas as partes do mundo, em que o capitalismo contribui para aprofundar desigualdades (BALIBAR, 2013). Essas contradicoes serao vislumbradas no Brasil a partir da Constituicao de 1988, que consagra no pais justamente essa incorporacao de direitos sociais. Cumpre, por outro lado, esclarecer primeiro que a cidadania social "representa uma abordagem tematica da justica social pelo vies das desigualdades e pelos mecanismos de seguridade social, revelando toda uma tradicao de lutas e...

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