Agências executivas: a organização administrativa entre o casuísmo e a padronização

AutorProf. Paulo Modesto
CargoProfessor de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Salvador (UNIFACS)
Páginas1-17

Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Salvador (UNIFACS). Coordenador do Curso de Especialização em Direito Público da UNIFACS. Membro do Ministério Público da Bahia, do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) e do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB). Conselheiro Técnico da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP). Vice-Presidente do Instituto de Direito Administrativo da Bahia (IDAB). E-mail: paulomodesto@yahoo.com

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I Conceito de agência executiva

Tratar de agência reguladora e agência executiva é tratar de formas de autarquias especiais. 1A expressão autarquia especial é imprecisa no direito brasileiro. A rigor, como as autarquias são constituídas por lei específica, toda autarquia deveria ser considerada especial. A expressão autarquia especial, porém, tem uso dogmático menos rigoroso. Ela foi empregada, pela primeira vez, na Lei nº. 5.540, de 28.11.1968, para ressaltar o fato da universidade pública apresentar um grau de autonomia administrativa superior àquele reconhecido às demais entidades autárquicas.2 Page 2

No entanto, nunca houve um padrão comum para as autarquias especiais e, mais ainda, qualquer espécie de uniformização no interior das diversas variações tipológicas de autarquia. É assim também com as agências reguladoras. As agências reguladoras são definidas como autarquias especiais porque o legislador lhes conferiu, desde o momento da constituição, um conjunto de garantias em face da Administração Direta suficientes para caracterizar uma particular ampliação da autonomia decisória, administrativa ou financeira dessas entidades em relação às demais autarquias existentes. Porém, não há um padrão obrigatório para as agências reguladoras, como não há para as autarquias em geral, adotando o legislador um critério casuístico na definição do grau de independência de cada agência reguladora.

Não há nisso especial novidade. Como as entidades da administração indireta no Brasil são criadas por lei específica ou têm a sua criação autorizada por lei específica3, permanece, em última instância, em mãos do legislador a definição do grau de autonomia decisória dos entes da administração indireta em relação à administração direta, respeitados, obviamente, os limites constitucionais. O legislador é, na matéria, quase na totalidade dos casos, explicitamente casuístico. Excepcionalmente, a Constituição Federal recusa ao legislador o casuísmo em matéria de organização administrativa, exigindo que a lei observe parâmetros uniformes definidos em lei complementar (ex. áreas de atuação das fundações governamentais4) ou até fixados em lei ordinária (ex. exigência do estatuto jurídico comum das empresas públicas e sociedades de economia mista5). O que merece registro é o caráter rígido Page 3 desse dilema entre a padronização e o casuísmo em matéria organizacional, resumindo-se a questão, em geral, na seguinte alternativa: ou (a) as normas são específicas de uma entidade e são definidas de modo exclusivo, estável e singular; ou (b) as normas são fixadas de um modo geral, abrangendo todos os entes de mesma espécie, ao menos em face de determinada relação jurídica, fixando determinado esquema de padronização.

Considerando esses elementos, ao menos do ponto de vista organizacional, a grande novidade a estudar não é a conformação das agências reguladoras, mas sim a compostura peculiar das agências executivas. Tentarei demonstrar que o modelo pensado para as agências executivas, ainda em boa parte não implementado, pode romper com o dilema organizacional referido acima, oferecendo uma terceira saída para conjugar flexibilidade administrativa e padronização organizacional. Esse enfoque jurídico-organizacional, porém, não tem recebido maior atenção na doutrina.

A tradição brasileira de uma administração pública autoritária fez com que a preocupação dos administrativistas se concentrasse no estudo das "formas de expressão" da função administrativa (por exemplo, ato administrativo, contrato administrativo) e nas garantias dos administrados (princípios jurídicos condicionantes da administração e o tema do controle administrativo) com vistas a precisar os limites e os condicionamentos do agir da Administração. A estruturação do aparato administrativo, a organização da Administração no seu sentido subjetivo ou orgânico, recebeu muito menor atenção. Existem, evidentemente, exceções, como o clássico trabalho sobre autarquias do Prof. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO6. Mas são exceções que apenas evidenciam a lacuna bibliográfica existente. O problema organizatório é tratado de forma mais superficial também pela dificuldade de encontrar traços típicos ou uniformes na matéria, uma vez que as organizações apresentam perfis específicos, singulares, em razão da exigência de lei específica para constituição ou autorização da constituição das entidades públicas. Em cada lei específica fixam-se traços diferenciais que dificultam o tratamento geral do tema.

A novidade das agências executivas é que elas introduzem no direito brasileiro um mecanismo flexível de modificar o regime de autonomia ou independência de autarquias e fundações públicas mediante um simples ato administrativo de qualificação. O ato não é inovador da ordem jurídica ou Page 4 equivalente à lei, mas ele funciona como mecanismo de enquadramento da entidade em um regime jurídico padrão especial, abstratamente previsto em lei, elemento diferencial em relação à tradição de nossa administração pública.

Na verdade, a denominação agência executiva designa um título jurídico que pode ser atribuído a autarquias e a fundações públicas. A expressão não traduz uma nova forma de pessoa jurídica pública. Nem é uma qualidade original de qualquer entidade da administração indireta. Dizer de alguma entidade que ela é agência executiva equivale a dizer que a entidade recebeu e mantém o título de agência executiva. Trata-se de uma qualificação decidida no âmbito da Administração Pública e não pelo Poder Legislativo. O ato de qualificação é ato administrativo, expedido no uso de competência discricionária, que pode ser concedido, suspenso e revogado. Cabe ao Poder Legislativo fixar em normas gerais, abstratamente, as situações jurídicas mais favoráveis para as entidades qualificadas como agências executivas. É a lógica do instituto, que será aprofundada adiante.

II Agências executivas na União

Na União, o título de agência executiva é conferido mediante decreto do Presidente da República (art. 51, §1º, da Lei n. 9.649, de 27 de maio de 1998, c/c art. 1º, §2º, do Decreto n. 2.487, de 2 de fevereiro de 1998). O decreto de qualificação deve ser específico, isto é, relativo a apenas uma entidade determinada.

A qualificação, embora discricionária, é ato condicionado ao cumprimento de dois requisitos enunciados na lei:

  1. ter a entidade apresentado um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento;

  2. ter a entidade celebrado um contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor.7

Essas exigências estão relacionadas ao controle administrativo, mas foram previstas na Lei 9.649/98 em linguagem estranha ao direito, típica de administradores. Page 5

Como já referi em outra oportunidade8, "contrato de gestão" é uma expressão que admite usos conceituais variados. Aplicada às entidades da administração indireta, bem como a órgãos da administração direta, não informa qualquer espécie de relação contratual, mas um simples acordo de gestão, um fato jurídico institucional, apto a deslocar a entidade ou o órgão para o campo de incidência de norma legal especial. É dizer: a lei pode tratar diferentemente entidades e órgãos que assinem "contratos de gestão". A assinatura do "contrato", nestes casos, permite que a entidade ingresse no domínio específico dessas normas especiais, antecipadamente elaboradas pelo legislador, cumprindo o contrato o papel de uma técnica de diferenciação do regime jurídico de órgãos e entidades públicas, sem embargo de constituir igualmente técnica de controle administrativo. O contrato de gestão interadministrativo (expressão que utilizo para diferenciar esse tipo de contrato de gestão dos contratos celebrados com entidades privadas) não é fonte imediata de diretos ou obrigações inovadoras, nem pode significar um mecanismo de alforria do regime da legalidade, mas pode ensejar, por este mecanismo de deslocamento do campo de incidência de normas, uma "ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira" de entidades e órgãos públicos (CF, art. 37, §8o). Na verdade, além de técnica de diferenciação de entidades e órgãos, conforme a modelos legais, o contrato de gestão funciona também como mecanismo de detalhamento e programação do controle administrativo, a partir da fixação detalhada de objetivos e metas, elementos essenciais para conter ou diminuir a discricionariedade da própria supervisão administrativa.

A apresentação de um "plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento", previsto pela lei, é exigência reveladora da preocupação do legislador com a modificação do modo de funcionamento da entidade e com a especificação de suas maiores dificuldades operacionais. Segundo os administradores, plano estratégico é o esquema fundamental e com perspectiva de longo prazo dos trabalhos (projetos e atividades) a serem desenvolvidos para alcançar metas...

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