Os docentes de Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação no Brasil: alguns resultados de estudo exploratório sobre as representações da profissão bibliotecária

AutorMaria Tereza Machado Teles Walter - Sofia Galvão Baptista
CargoDoutora em Ciência da informação e Documentação pela Universidade de Brasília - Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília
Páginas01-37

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Maria Tereza Machado Teles Walter

Doutora em Ciência da informação e Documentação pela Universidade de Brasília Analista judiciário - Apoio Especializado – Biblioteconomia no Supremo Tribunal Federal

terezaw@gmail.com

Sofia Galvão Baptista

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília

Professor associado e Coordenadora da pós graduação em Ciência da informação da Universidade de Brasília

sofiag@unb.br

1 Introdução

O propósito deste trabalho é apresentar parte dos dados da pesquisa de doutorado realizada com o objetivo de compreender o fenômeno da imagem profissional dos bibliotecários e suas representações, sob a ótica dos docentes. Tratouse de um estudo exploratório e o marco teórico foi fundamentado na Teoria das Representações Sociais, sob a perspectiva de Serge Moscovici.

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A coleta de dados foi efetuada por meio de entrevistas e buscouse verificar as representações dos docentes acerca dos seguintes pontos: • a inserção de questões sobre: ética, imagem profissional, valores, identidade e mercado de trabalho; • a existência de conexão e de encadeamento entre os conteúdos das diferentes disciplinas ministradas ao longo do curso; • a importância, ou não de passar ao discente a idéia de continuidade e de relação entre as disciplinas ou se elas são ministradas de forma estanque; • a visão dos professores em relação à profissão no tocante ao mercado, postura e influência deles na formação da imagem profissional dos bibliotecários.

O pressuposto que norteou a pesquisa foi de que a autoimagem profissional dos bibliotecários no Brasil é influenciada por diversos fatores que podem redundar em uma visão mais positiva ou mais negativa da profissão. Desse modo, o levantamento de dados buscou identificar que fatores contribuem para a construção positiva ou negativa da imagem, envolvendo questões relacionadas a salário, motivação na escolha do curso, avaliação do curso realizado, sexo, idade, influência do corpo docente, de outros profissionais, tipo de unidade de informação e atividades realizadas pelos bibliotecários, no caso do presente artigo, sob a ótica de professores.

2 Biblioteconomia no Brasil

Há vários estudos sobre o ensino de Biblioteconomia no Brasil, incluindo o de Población (1992, p. que reconhece quatro fases distintas:

Fase I (1915 – 1928) – formação de influência européia;

Fase II (1929 – 1969) – mudança da direção da influência européia para o pragmatismo americano;

Fase III (1970 – 1985) – ufanismo nacionalista caracterizado pelo crescimento quantitativo das escolas;

Fase IV (1986 – ) – estabilização do crescimento quantitativo das escolas e início do período de reflexão, objetivando a avaliação qualitativa do ensino ministrado a nível de graduação.

Esses cortes refletem, provavelmente, a evolução da formação profissional dos bibliotecários em relação às demandas e necessidades dos mercados e, na última década do século XX, decorrentes do uso das tecnologias de informação.

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A história da formação em Biblioteconomia no Brasil pode ser estudada em diversos textos, incluindo o de Castro (2002, p. 27-46), que abrange as décadas de 1950 e 1960, e que afirma que:

O ensino de Biblioteconomia no Brasil teve início em 1915, na Biblioteca Nacional (BN), sem qualquer planejamento curricular e sem perspectiva de atender necessidades alheias a essa instituição. As disciplinas eram oferecidas de maneira estanque e desarticuladas, sendo condizentes com a estrutura organizacional da BN. (CASTRO, 2002, p. 27)

Conforme constata o autor (2002, p. 27), o objetivo desse curso era formar pessoal para a própria Biblioteca Nacional e estruturouse do mesmo modo que eram subdivididas as suas Seções, cujas disciplinas eram ministradas por professores que repassavam suas experiências. Nesse sentido, para essa concepção de profissional, o que se buscava era o que Castro denominou de “eruditoguardião”. Já em São Paulo, na década de 1920, os cursos iniciados tiveram um cunho mais técnico, visão que prevaleceria como modelo adotado nacionalmente, conforme o ele. (CASTRO, 2002, p. 29). Mas, esse conflito entre a erudição e a ênfase em aspectos técnicos no processo de formação dos bibliotecários parece ter perdurado no tempo paralelamente à necessidade de lutar pelo reconhecimento legal da profissão (SOUZA, 1990, p. 92-98).

Outro estudo sobre o ensino de Biblioteconomia no Brasil é o de Souza (1990), que se distingue de outros, pois, além de mapear o ensino no século XX, contextualiza cada período com aspectos relacionados à política, à educação e à economia, para finalmente analisar a Biblioteconomia. Um comentário de Souza (1990, p. 33) acerca do modo pelo qual as bibliotecas brasileiras se desenvolveram, com o olhar voltado para a elite sócioeconômica, fornece, de algum modo, uma certa dimensão de sua ótica em relação à formação dos bibliotecários no Brasil:

Um aspecto interessante, e assim o Brasil permaneceu coerente com a tradição portuguesa, foi que esse acúmulo de contribuições do século XIX veio a dar base ao primado da técnica. Desse modo, o século XX iniciouse na Biblioteconomia com uma série de iniciativas visando alcançar esse objetivo, que vem sendo o tradicional na história da Biblioteconomia brasileira deste século: primeiro as normas, depois o acervo e, por último o usuário.

Adiante, ele aponta que o maior interesse da classe era garantir o status profissional representado por uma profissão universitária, cuja concentração era em disciplinas como catalogação, classificação, referência, bibliografia organização de bibliotecas e história do livro e das bibliotecas, mas que não se preocupava com os estudos de usuários.

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Esta mesma crítica é feita por Fonseca (1992, p. 103) quando, comentando o famoso texto de Ortega y Gasset sobre a missão dos bibliotecários1, considera que: Infelizmente a hipertrofia dos processos técnicos fez dos bibliotecários contemporâneos uma nova espécie de mandarins, tão empenhados na discussão de filigranas catalográficas que nem se lembram do nobre objetivo da profissão, admiravelmente definido pelo preceito servus servorum scientiae2.

Acrescentese a esse quadro, ainda, a discussão relatada por Castro (2000, p. 142-150) acerca da incorporação da Documentação nos currículos de Biblioteconomia e de que modo esse entendimento permeou a criação e desenvolvimento dos vários cursos no país, que foi diferente do ocorrido em outros países, mas que certamente foram significativos no processo de formação dos bibliotecários no Brasil. Então, em relação à formação profissional, Mueller (1989) e Urra (2001), com algumas variações, descrevem os aspectos relativos a essa questão que abrangem os conhecimentos específicos, as habilidades e as atitudes necessárias para o trabalho, conceitos que estão inseridos no constructo competência3. Nesse contexto, são apresentadas as funções requeridas para o bibliotecário que incluiriam: a preservação, a educação, o suporte à pesquisa e a pesquisa na e para a área. (MUELLER, 1989)

Mais recentemente, os textos que estudam os bibliotecários incluíram aspectos que se referem à relação dessa categoria com outros perfis, além da maior ênfase no que genericamente se denomina de profissional da informação. Para Feather (1994, p. 141) os bibliotecários são os arquétipos dos profissionais da informação, embora diga que seja freqüente que os últimos sejam considerados e tratados como sendo mais modernos e avançados que os “tradicionais bibliotecários”. Já Marchiori (1996) aborda a interface das diferentes formações, especialmente bibliotecários, arquivistas, jornalistas e egressos dos cursos de processamento de dados, como partes atuantes e integrantes do grupo profissional que poderia receber a denominação de profissional da informação. UngernSternberg (2002) acrescenta outro olhar para a questão da formação profissional, ao identificar a premência de adaptação de bibliotecários e profissionais da informação às novas relações com usuários não presenciais, a um contexto de mídias cada vez mais diferenciadas e acessíveis globalmente, além de serem capazes de se adaptarem a mudanças.

Essa interligação, conexão e superposição de diversas áreas tem sido a tônica dos estudos acerca dos bibliotecários, em cujo mundo competitivo e ágil devem atuar. Apesar de o conceito de

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profissional da informação não ter se consolidado no sentido de uma definição aceita e utilizada por todos os autores, o que se depreende é que os bibliotecários integram esse grupo, mas não são considerados os líderes dessa categoria. Ao contrário, sua posição é frágil em todos os sentidos em que os temas: formação, perfis e mercados na área de informação são abordados.

Com relação especificamente à formação dos bibliotecários no Brasil, os estudos costumam ser mais localizados e abrangem aspectos bastante amplos como as competências, constructo, conforme dito anteriormente, que abrange os conhecimentos, as habilidades e as atitudes que os profissionais devem possuir.

A formação profissional é, assim, o primeiro passo na construção da imagem profissional que o indivíduo desenvolverá e, portanto, o papel da Escola e dos professores é fundamental para esse processo. Quanto se conseguirá efetivamente formar pessoal que responda, de fato, às necessidades sociais e que seja aberto e apto a adquirir novos conhecimentos e competências é uma tarefa complexa e que também inclui outros pontos como a legislação profissional, o código de ética e as pressões mercadológicas. Isso sem mencionar, ainda, as tecnologias de informação e de comunicação que alteraram de forma inequívoca o mundo da informação.

A evolução da Biblioteconomia no Brasil é também tratada em texto de Souza (2002, p. 1) que mostra a mudança havida entre a...

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