O que não é Filosofia

AutorJosé Antonio Tobias
Páginas75-89

Page 75

3. 1 Filosofia não é Lógica
3.1. 1 Noção de Lógica

Tratando-se de saber o que não é Filosofia, especialmente num livro ou numa aula de Filosofia do Direito, ainda mais no Brasil, a primeira lição a se expor deve ser sobre a Lógica, que é a maior devoradora da Filosofia e, como consequência, da Filosofia do Direito.

De um lado, existe a Lógica natural, empírica e espontânea, própria de toda pessoa, adquirida através da vida de modo inconsciente, e, de outro lado, a Lógica científica, obtida através da crítica, dos livros e das aulas dos professores, própria só de quem estudou e usou a reflexão.

A Lógica, natural ou científica, põe ordem nas operações da razão. É útil notar-se que a razão é a própria inteligência enquanto de uma verdade conhecida passa para outra desconhecida; a inteligência de modo intuitivo apanha as ideias, enquanto que a razão raciocina sobre elas. A inteligência, por assim dizer, é um ponto; a razão é o movimento de um ponto a outro. Na realidade, é uma só faculdade com duas operações e com dois nomes distintos. A operação pela qual a inteligência – que então se chama razão – passa de uma verdade para a outra recebe o nome de raciocínio. Exemplo:

As duas primeiras frases, chamadas premissas, constituem o antecedente; a conclusão, a terceira frase, é o consequente. A consequência está no nexo entre o antecedente e o consequente. No raciocínio

Page 76

acima, de uma verdade: “Todo paulista é brasileiro”, mediante a engrenagem do mesmo raciocínio, passou a razão e esta outra verdade: “Logo, Mário é brasileiro”.

O coração, o centro da Lógica, é a operação própria da razão pela qual o homem passa de uma coisa conhecida para outra, desconhecida. E, como tal operação se chama raciocínio, este é propriamente o centro de toda a Lógica.

O raciocínio, como mostra o exemplo acima, compõe-se de pelo menos três juízos (frases), que, por sua vez, são formados, cada um, de pelo menos duas ideias (sujeito e predicado), unidas pelo verbo. Em qualquer raciocínio, existe o que chamam de matéria: é o antecedente e o consequente. A forma está no nexo que une o antecedente ao consequente: é a consequência. Assim, no seguinte exemplo:

Todo homem é criminoso.

Ora, Ruy Barbosa é homem.

Logo, Ruy Barbosa é criminoso.

Pela forma este raciocínio é correto; há perfeitamente o devido nexo entre o antecedente e o consequente. Todavia, a conclusão é errada, porque parte de sua matéria, a primeira premissa, é errada, não é verdadeira. Concluindo: apesar de correto, este raciocínio é falso, é errado, não é verdadeiro.

3.1. 2 Partes da Lógica

Divide-se, pois, a Lógica como o raciocínio, em duas partes, conforme se refira à forma ou à matéria do raciocínio. A primeira parte, chamada Lógica Formal, ou Pequena Lógica, ou Lógica Menor, refere-se à forma do raciocínio. Só olha se existe ou não o necessário nexo entre o antecedente e o consequente, se é correto ou não o raciocínio. Tratará ela do raciocínio e de sua expressão verbal, a argumentação, em suas duas formas: indução e dedução. Também estudará como consequência do raciocínio, de que é subdivisão, tanto o juízo (frase) e sua expressão verbal, a proposição, quanto a raiz do raciocínio, a ideia e sua manifestação exterior, o termo.

Page 77

A segunda parte, a Lógica Material, ou Grande Lógica, ou Lógica Maior, estuda a matéria do raciocínio, isto é, o conteúdo, a verdade do antecedente e do consequente. A Lógica Material, aplicará a Lógica Formal, para saber se o raciocínio é correto ou não; mas seu objeto específico é ver se o raciocínio é verdadeiro ou não.

A verdade, que se obtém pela demonstração propriamente dita, gera a certeza; a demonstração, em sentido estrito, é o raciocínio produtor da verdade. O provável, que se consegue pela demonstração imperfeita, dá a opinião. O raciocínio falso, chamado sofisma, causa o erro. O caminho, constituído por várias demonstrações, concatenadas entre si, forma o método. O resultado ordenado do método demonstrativo é a ciência28. Após tratar do método e da ciência em geral, a Lógica Material considera o método das diversas ciências.

Uma comparação para exemplificar as relações da Lógica Formal com a Lógica Material: a Lógica Formal está para a Lógica Material como um liquidificador vazio está para o mesmo liquidificador com frutas. Se, por hipótese, não houver frutas (verdade), o liquidificador, isto é, a razão humana, funcionará corretamente apesar disso, porque haverá nexo entre o antecedente e o consequente: é a Lógica Formal. Contudo, suposto o liquidificador funcionando bem (Lógica Formal), se houver fruta pura (matéria verdadeira), o liquidificador, isto é, a razão humana não só funcionará corretamente, mas ainda produzirá vita-mina pura, isto é, verdade: é parte do objeto da Lógica Material. Se houver vitamina inferior (premissas não bem sólidas), o liquidificador funcionará corretamente, como antes, mas a produção será inferior (demonstração imperfeita) e a vitamina também será inferior (opinião): outra parte da Lógica Material. Se, ao contrário, só houver frutas podres (premissas falsas), o liquidificador pode funcionar corretamente, contudo o ato de produzir será mau (sofisma) e a produção falsa (erro): é outra parte da Lógica Material.

Page 78

A comparação também mostra que a Lógica Formal considera a forma do raciocínio, isto é, o nexo entre o antecedente e o consequente; mostra se o raciocínio é correto, e apenas isso. A Lógica Material, pelo contrário, considera a matéria do raciocínio, isto é, se as premissas e a conclusão são verdadeiras ou falsas; se a razão raciocina de modo verdadeiro ou falso. Naturalmente, para ser verdadeiro, há de ser antes correto. Por isso, a Lógica Material aplica a Lógica Formal, tendo contudo formalidade própria: verdadeiro ou falso. Tanto assim é que, em vez de Lógica Material,

alguns tratados modernos preferem o nome de Lógica Aplicada, mas este nome poderia trazer equívoco e dar a entender que a parte da Lógica assim designada não faz senão ‘aplicar’ as verdades estabelecidas na Pequena Lógica (Lógica Formal), enquanto que, na realidade, ela é disciplina particular, considerando um aspecto das coisas lógicas que a Pequena Lógica não considera29.

Eis, pois, em resumo, a Lógica:

Page 79

A Lógica é a ciência que induz regras e ensina o uso das mesmas para o homem atingir a verdade; enquanto aplica as regras aos casos, torna-se também arte, isto é, um conjunto de regras ou preceitos que ensina a fazer com perfeição alguma coisa. Em resumo, a Lógica é a ciência (ou a arte) da ordem nas operações da razão para que o homem, facilmente e sem erro, atinja a verdade.

3.1. 3 Um pouco de Ontologia

a. Ente de razão e ente lógico

Digo duas frases: “A laranja é doce. Desde o início dos séculos, o homem aproveita o benefício das frutas”.

Nestas duas frases usei nove ideias, que são: 1.º: laranja; 2.º: existência (verbo ser); 3.º: doçura; 4.º: início; 5.º: séculos; 6.º: homem; 7.º: proveito (do verbo aproveitar); 8.º: benefício; 9.º: frutas.

A ideia (lógica) de homem, por exemplo, assim como todas as ideias que são usadas na Lógica, só lidam com qualidades comuns e jamais com qualidades individuais; só lidam com essências, sem as qualidades...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT