Nanotecnologia e meio ambiente do trabalho: sobre a tutela jusfundamental do trabalhador em horizontes de incerteza

AutorGuilherme Guimarães Feliciano
Páginas130-135

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Guilherme Guimarães Feliciano2

Brevíssima introdução aos nanofenômenos conceitos e aplicações

Qualquer debate científico sobre temas novidadeiros e momentosos como este que sugeri – a nanotecnologia e seus impactos no meio ambiente do trabalho – deve começar por um esquadrinhamento cuidadoso dos conceitos por onde se aventurará o estudioso. Assim, interessa saber, preliminarmente, o que é a nanotecnologia.

A nanotecnologia diz com a pesquisa e a tecnologia em nível atômico, molecular e macromolecular, em um escala de aproximadamente 1-100 nanômetros, para a produção de conhecimentos fundamentais dos fenômenos e dos materiais em nanoescala, possibilitando a criação e o uso de estruturas, dispositivos e sistemas com novas propriedades e funções graças a estes tamanhos.

Para quem gosta de ficção hollywoodiana, falar de nanotecnologia remete sempre ao filme “Viagem Insólita”, que exibia uma mininave dirigida por piloto miniaturizado viajando pelo corpo humano e fazendo interferências no funcionamento do organismo do hospedeiro3. A nanotecnologia tem a ver com isto. A rigor, conviria dizer: é isto (com a diferença de que o ser humano não acompanha fisicamente a nave). Mas o seu engenho e a sua ciência, sim. A nanotecnologia diz com a construção de “máquinas” diminutas, tão pequenas que são invisíveis ao microscópio comum, e que podem não só promover interferências em organismos biológicos (inclusive seres humanos), mas também realizar uma série de tarefas complexas e racionalmente predispostas, antes cientificamente impensáveis.

O termo “nanotecnologia” foi criado em 1974, como nome genérico para varias técnicas que envolvem o uso de partículas medidas em “nanômetros” (unidade que é um bilhão de vezes menor que um metro). A maioria dos objetos produzidos nesta escala é 70 mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo; e já estão por aí, em cosméticos, remédios, bolas de tênis, cera para carros, protetores solares, IPods, materiais sintéticos para diversos usos industriais, comerciais e médicos etc.

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Nanotecnologia, bioética e saúde humana a polêmica do uso disseminado

A novidade, por óbvio, atrai defensores e detratores. Defensores destacam as infinitas possibilidades que se abrem, pela nanotecnologia, para o desenvolvimento de novos tratamentos para doenças como o câncer, o Mal de Alzheimer e o diabetes; a possibilidade de se desenvolverem dispositivos nanotecnológicos que possam recuperar a visão dos cegos e a audição dos surdos (mediante aparelhos que possam funcionar como olhos e ouvidos biônicos); a perspectiva de se criar material sintético capaz de se autorregenerar (com imensas aplicações no campo dos transportes viários, p. ex.); e outros tantos horizontes. Na ecologia, a própria poluição ambiental poderá ser combatida com nanoestruturas que capturem os poluentes e os transformem em subs-tâncias inofensivas.

Os detratores, por sua vez, lidam com as incertezas. Há ainda reduzidas pesquisas sobre os impactos destes materiais na saúde de seres humanos e nos ecossistemas de entorno. Mas algumas preocupantes observações têm sido feitas. Observou-se, por exemplo, que cobaias animais apresentaram depósitos de partículas nanotecnológicas no fígado, com potencial prejuízo às suas funções plenas; e, como se sabe, essas estruturas podem facilmente ingressar nas cadeias alimentares e contaminar os seres vivos. No meio ambiente do trabalho, o risco de contaminação é ainda mais imediato; e assim se diz não apenas de operários e tarefeiros, que manipulam o material nanotecnológico, mas até mesmo os pesquisadores e cientistas que conduzem os experimentos.

A esse respeito, em meados de 2012, destacou MARLENE BRAZ, então presidente da seção regional da Sociedade Brasileira de Bioética no Rio de Janeiro, que “eles [os cientistas] usam máscaras cirúrgicas e luvas comuns, mas estes equipamentos de proteção tradicionais não são eficientes, porque as nanopartículas são tão pequenas que penetram até mesmo na pele”4. E, porque o meio ambiente humano é uma “Gestalt”, a impactação no meio ambiente do trabalho contamina outras manifestações do meio ambiente humano, como, na espécie, o meio ambiente natural. É o que diz a mesma pesquisadora: “Ao final do expediente, estes profissionais lavam as mãos e vão para casa. Esta água, que está contaminada, vai para o esgoto comum”, com efeitos inauditos nos ecossistemas alcançados.

Nesse encalço, como apontam PYRRHO e SCHRAMM5,

A toxicidade das nanopartículas e dos mate-riais nanoestruturados depende de uma interação complexa de fatores como tamanho, concentração, tempo de exposição, estado de saúde e características individuais do organismo exposto. No entanto, seria um erro afirmar que os mecanismos de toxicidade das nanopartículas são plenamente conhecidos. Isso se dá porque aquilo que faz a nanotecnologia parecer tão promissora – o comportamento diverso das nanopartículas em relação às formas brutas do mesmo material – é também aquilo que torna seus potenciais efeitos sobre a saúde e sobre o meio ambiente imprevisíveis.

Noutras palavras: suas virtudes são seus vícios.

A nanotecnologia hoje: abordagens jurídicas possíveis nanotecnologia e meio ambiente do trabalho

Nos dias de hoje, nanomateriais são encontrados em diversos campos: industriais, de serviços ou manufaturas, com aplicações úteis nas indústrias cosmética e de alimentos, biotecnologia, medicina, engenharia, energia, entre outros. Em virtude de seu tamanho, os nanomateriais possuem propriedades únicas, mas ainda pouco estudadas quanto às características dos produtos feitos ou dos processos de fabricação envolvidos, além dos tipos de materiais usados e dos resíduos tóxicos utilizados na fabricação desses produtos, por exemplo. Daqui que, na perspectiva ambiental (e labor-ambiental), ainda há diversas dúvidas e inquietudes acerca das possíveis impactações.

O que nos leva, nos lindes do Direito Ambiental do Trabalho, à primeira advertência: a ausência de absoluta certeza científica...

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