O Modelo do Código Buzaid (1973), o Código Processual reformado (1994/2010) e o Novo CPC (Lei n. 13.105/2015)

AutorFernando Rubin
Ocupação do AutorAdvogado sócio do Escritório de Direito Social, especializado em saúde do trabalhador. Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica
Páginas23-33

Page 23

Evidentemente que foi sendo construída paulatinamente a concepção da necessidade de um Novo Código de Processo Civil para o Brasil.

Podemos identificar no início das reformas ao Código Buzaid, em 1994, o próprio grande marco inicial para a formação da Lei n. 13.105/2015, quando da incorporação ao processo civil pátrio da lógica da concessão das tutelas antecipadas de mérito, passando depois principalmente por reformas na estrutura recursal, a partir de 2001, e na concepção de modelo sincrético do cumprimento de sentença, a partir de 2005.

Seja como for, antes de tratarmos do período do Código Processual reformado (1994/2010), devemos examinar primeiramente o Modelo do Código Buzaid (1973), que passou a ser agora substituído.

O Código Buzaid (CPC/1973), reformando o modelo defasado de 1939, foi enaltecido desde o seu surgimento pela cientificidade de suas disposições. A partir dele, restou construído sistema coerente e racional, de acordo com a melhor doutrina e legislação alienígena - notadamente alemã e italiana - embebidas nas concepções do Processualismo4 (corrente científica que destacava a autonomia do direito processual na Europa), vigentes no Velho Continente do final do século XIX e início do século XX5.

Nesse diapasão, destaca Scarpinella Bueno que o Código de 1939 não espelhou o grau científico que o processo civil na Europa já havia alcançado, sendo, além disso, teórico demais, o que acarretava extrema complexidade na sua aplicação prática6. Acrescenta Humberto Theodoro Jr. que o Código de 1939 acumulava termos ambíguos aplicados indistintamente a institutos e fenômenos processuais heterogêneos, tornando

Page 24

imprecisas muitas de suas conceituações e preceitos7. Por fim, Moniz de Aragão, com menção a discurso do próprio Buzaid, completa o rol de críticas ao Código de 1939, apontando que o sistema processual pretérito mantinha uma série exaustiva de ações especiais (dos arts. 298 ao 807) e englobava, nesses quinhentos artigos (que compreendiam quase a metade do Código), processos de jurisdição contenciosa e voluntária, dispostos sem ordem, sem unidade, sem sistemática8.

Eis algumas das principais razões pelas quais se fazia importante a construção de um novel modelo processual, sendo, em 1964, entregue por Alfredo Buzaid o Anteprojeto do Código de Processo Civil - que viria, depois de muita discussão, a ser encaminhado ao Congresso Nacional em 1972, sendo sancionado no ano seguinte.

O Código Buzaid, efetivamente vigendo no Brasil desde 1974, restou dividido, em termos de esquema para tutela dos direitos, em processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar. A relativa autonomia dos títulos é evidente, cabendo destaque central ao processo de conhecimento, já que a execução e a própria medida cautelar mantinham vinculação direta com o resultado esperado daquele - tudo repercutindo na ordem lógica e cronológica seguida pelo Código. E dentro do processo de conhecimento, embora previsto o rito comum sumário (arts. 275/281)9, destacou-se o rito comum ordinário (art. 282 e ss.), especialmente projetado para prolação de sentença de mérito pelo Estado-juiz depois de cognição plena e exauriente - ultrapassadas, na sequência, a fase postulatória, saneadora e instrutória10.

A respeito dessa estrutura geral montada pelo Código Buzaid, é oportuna a investigação elaborada por Daniel Mitidiero, em que, ao qualificá-lo como "individualista, patrimonialista, dominado pela ideologia da liberdade e da segurança jurídica", explicita que o rito comum ordinário do processo de conhecimento só permite a decisão da causa posteriormente a amplo convencimento de certeza a respeito das alegações das partes; sendo que tal concepção formatada pelo Código, na sua parte central, presta tributo a uma das ideias centrais das codificações oitocentistas, qual seja, a certeza jurídica, imaginada a partir de expedientes processuais lineares e com possibilidade de amplo debate das questões envolvidas no processo11.

Dentre as características centrais do sistema de 1973, destaquemos por ora: o respeito ao princípio dispositivo; os limites à relatização da causa de pedir/pedido; e o reconhecimento de matérias decretáveis de ofício.

A própria posição do art. 2º do Código Buzaid revela a importância do princípio dispositivo para o sistema montado, vigente a partir da década de 1970. O Estado-juiz não inicia o processo, cuja atribuição é da parte (cidadão) que se sentiu lesado no âmbito dos seus direitos, e que deve trazer ao Poder Judiciário a sua pretensão (pedido), como também os correspondentes fundamentos de fato e de direito (causa de pedir)12.

Confirma o art. 262 do Código Buzaid que o processo civil começa por iniciativa da parte, acrescentando, no entanto, que o feito desenvolve-se por impulso oficial, ou seja, a parte requer a prestação jurisdicional (princípio dispositivo em sentido próprio ou material) e depois de proposta a demanda cabe ao Estado-juiz conduzir o processo para a rápida solução do litígio, inclusive propondo de ofício a produção de prova que entende necessária para dirimir a controvérsia13 - situação que não exclui, por óbvio, que as partes participem diretamente na condução do feito, requerendo ao juízo os impulsionamentos nos termos que, no entender de cada litigante, sejam mais apropriados (princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual)14.

Page 25

Da passagem supra, percebe-se que não há espaço no Código Buzaid para relativizações do princípio dispositivo, quando se refere ao ato vital de propositura da demanda, com a devida limitação pela parte da causa de pedir e pedido15 - eis a razão pela qual se defende que o princípio dispositivo em sentido próprio ou material representa o grande limitador para o agir do Estado-juiz no processo16. Quanto ao princípio dispositivo em sentido impróprio ou processual, já houve acompanhamento pelo Código Buzaid, do contemporâneo pensamento mundial17, no sentido de que o impulsionamento do feito não deve ser deixado a cargo exclusivo das partes18, a fim de que iniquidades e demoras injustificadas se perpetuem no transcorrer do iter19.

No entanto, se uma das marcas do Código Buzaid, no seu tradicional rito comum ordinário do processo de conhecimento, é a rigidez quanto à aplicação do princípio dispositivo em sentido próprio ou material, outra virtude flagrante de rigidez no procedimento vem insculpida no art. 264, ao impossibilitar a alteração da causa de pedir/pedido depois do saneamento do feito20. A parte final do dispositivo, ao deixar claro que "em nenhuma hipótese" será permitida a alteração dos limites da lide depois do despacho saneador, inviabiliza, nesse estágio, a relativização da causa de pedir/pedido mesmo que o Estado-juiz e o próprio réu estejam de acordo com a medida.

Já quanto às matérias reconhecíveis de ofício, outra importante base do Código Buzaid, em ainda incipiente posição, já se admite que o julgador, sem intervenção direta das partes, mas com parcimônia, tome determinadas medidas oficiosas, desde que devidamente catalogadas. Trata-se de matérias específicas apontadas expressamente pelo Código como de interesse "suprapartes", em que se admite então que o julgador possa sobre elas se manifestar de plano, sem requerimento específico dos litigantes - como a temática probatória, de acordo com a primeira parte do art. 130. Assim também, cabe menção ao art. 267, § 3º, ao autorizar que o juízo conheça de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, as condições da ação e os pressupostos processuais21; ao art. 245, parágrafo único ao apontar que as nulidades absolutas não estão sujeitas às penas preclusivas22; e, mais recentemente (a partir de 2006), cabe registro ao art. 219, § 5º23, ao anunciar que o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição24.

O Código Buzaid, observando dentro do possível os avanços científicos do processo civil moderno, vinha estruturado com uma fase ampla de conhecimento, com apêndices autônomos importantes (execução e cautelar); preocupava-se com a consagração do princípio do devido processo legal (ao prever fases bem nítidas e duradouras - postulatória, saneadora e instrutória), previa com rigidez a forma de impulsionamento inicial do Judiciário (sempre a cargo da parte/cidadão - princípio dispositivo em sentido próprio ou material), bem como previa com rigidez a impossibilidade de qualquer um dos atores processuais (partes e Estado-juiz) modificar a causa de pedir e pedido a partir do saneamento do feito, sendo, no entanto, embrionariamente admitida maior participação ativa do juiz no controle do processo, sendo previstas hipóteses legais de reconhecimento de ofício em matérias elencadas como de ordem pública (temática probatória, condições e pressupostos, nulidade, e, mais recentemente, prescrição).

Em matéria recursal, a preocupação do Código Buzaid com a certeza da decisão a ser pronunciada leva a formação de sistema com uma gama enorme de medidas recursais, seja diante da sentença, seja diante

Page 26

das decisões interlocutórias. Assim, se, em virtude da extensão do rito comum ordinário do processo de conhecimento, há ampla investigação da matéria sub judice para a prolação da esperada legítima decisão final; por outro lado, em virtude específica do sistema recursal, há também ampla possibilidade de a parte levar às superiores instâncias a sua irresignação quanto ao teor desta decisão de mérito, bem como quanto ao teor das anteriores que, direta ou indiretamente, tratam de afetá-la25.

Sobre o sistema recursal, consubstanciado no CPC de 1973, o art. 496 aponta oito tipos recursais cabíveis: apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. Deve ser registrado, ainda, que o recurso de agravo admite, no âmbito do atual CPC, três formas de interposição, que remetem o mesmo às seguintes denominações: agravo de instrumento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT