O mito da multidão: uma breve história da parada gay de São Paulo

AutorRonaldo Trindade
Páginas73-97
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Niterói, v.11, n.2, p. 73-97, 1. sem. 2011
O MITO DA MULTIDÃO: UMA BREVE HISTÓRIA
DA PARADA GAY DE SÃO PAULO
Ronaldo Trindade
Universidade Nove de Julho
E-mail: ronaldotrindade@gmail.com
Resumo: Tentei mapear ao longo desse artigo, por meio dessa breve histó-
ria da Parada Gay de São Paulo, alguns saberes que se produziram sobre a
homossexualidade. Por meio do que se dizia, quem dizia, e o que acontecia,
salientei importantes coalisões e alianças nas quais certas fronteiras foram
cindidas. O Mito de Stonewall, também foi recorrentemente acionado entre
nós, porém aqui ele remeteu a diferentes arranjos. Ao invés de afirmar um
grupo identitário monolítico, que toma a orientação sexual por condição
de pertença, conduziu a um coletivo mais amplo e coligações mais pode-
rosas que, nas palavras de Donna Haraway, espelham o “reconhecimento
crescente de outra resposta: aquela que se dá por meio da coalizão, a afini-
dade em vez da identidade”. (Haraway, 1985: 149-181). Não fala de totalida-
des, mas de ligações parciais.
Palavras-chave: Parada Gay; Stonewall; Movimentos Sociais.
Abstract: I tried to map throughout this article, through this brief history
of the Gay Parade in São Paulo, which produced some knowledge about
homosexuality. Through what was said, who said, and what happened, I
pointed out important coalitions and alliances within certain boundaries
which were spun off. The Myth of Stonewall was also repeatedly driven be-
tween us, but here he referred to different arrangements. Instead of assert-
ing a monolithic identity group that makes sexual orientation a condition
of membership, led to a wider collective and more powerful coalitions that,
in the words of Donna Haraway, reflect the “growing recognition of another
response: one that gives through the coalition affinity instead of the iden-
tity”. (Haraway, 1985). Do not talk about wholes, but partial connections.
Key words: Gay Parade; Stonewall; Social Movements.
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Este artigo é uma breve narrativa da Parada Gay de São Paulo. Meu
argumento aqui é o de que a Parada Gay evidencia deslocamentos impor-
tantes nas formas políticas a que estiveram atreladas as ações ativistas rela-
cionadas com a sexualidade desde o seu surgimento.
A gênese da política gay poderia ser contada dessa forma: na noite
de 28 de junho de 1969, um acontecimento paradigmático teve lugar na
cidade de Nova York, nos Estados Unidos da América. O bar Stonewall Inn,
frequentado majoritariamente por homossexuais, que ficava na região co-
nhecida como o “gueto homossexual” da cidade, foi invadido por forças
policiais decididas a reprimir a concentração de gays e lésbicas no local.
Mas, nessa noite, a polícia enfrentou a reação dos frequentadores, que em-
preenderam uma batalha que duraria um final de semana inteiro. Com a
eclosão desse conflito, outras questões políticas foram sendo desencadea-
das e alguns dos habituais frequentadores passaram a se organizar politi-
camente através da Frente de Libertação Gay, e o dia 28 de junho foi então
proclamado como Dia do Orgulho Gay (Fry & Macrae, 1985: 96-7).
Em uma obra bastante explicativa desse período, John D’Emillio
(1983) historicizou a emergência do movimento dos direitos homossexu-
ais nos anos posteriores a Stonewall. No mundo euroestadunidense, esse
movimento eclodiu no bojo das lutas por direitos civis de operários, ne-
gros, mulheres e foi impulsionado pelos novos valores da juventude que
questionavam velhas estruturas de poder e desafiavam modelos de com-
portamento. Quando do seu surgimento, aliou-se ao movimento feminista
que, mais do que desafiar a dominação masculina, salientava as questões
até então tidas como privadas, como de relevante importância política,
como era o caso da sexualidade. Esses movimentos não apenas reformu-
laram velhas formas de organização política como também produziram
revisões teórico-metodológicas de conceitos-chave para a modernidade,
colocando em cheque categorias como, por exemplo, humano e indiví-
duo que estavam por trás das noções essencializadas de identidade. As
novas configurações, fossem elas políticas ou teóricas, formavam o pano
de fundo sobre o qual se construíram inicialmente no mundo euroestadu-
nidense, e mais tarde, nas periferias do ocidente, novas formas de ativismo
então ligadas à homossexualidade. Emergindo como categoria política,
afirmava-se como uma nova forma de identidade social e não mais como
um desvio ou uma patologia.
Os ruídos do Stonewall alçaram voos mais longos e se insinuaram
também entre os homossexuais latino-americanos. Analisando as trans-

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