Mesa de debates 'E' - Tributos municipais

AutorAmérico Lacombe
Páginas248-268

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Presidente da Mesa (Prof. Américo Lacombe) - Muito boa tarde! Vamos dar início a mais uma Mesa, referente aos "Tributos Municipais". Tributos, esses, que fazem a receita de um dos entes da nossa Federação e que goza de autonomia peculiar no mundo inteiro. Não há país no mundo em que tenham os Municípios a autonomia que têm no Brasil.

Para começar, dou a palavra à Profa. Betina Treiger Grupenmacher, que vai falar sobre "Guerra Fiscal do ISS".

Guerra Fiscal do ISS

Profa. Betina Treiger Grupenmacher - Boa tarde a todos! Inicialmente eu gostaria de agradecer mais uma vez a grande oportunidade de estar aqui presente, e o faço ao IDEPE, na pessoa do Prof. Aires Barreto. Gostaria de manifestar a satisfação de estar compondo a Mesa ao lado de tão ilustres juristas, sobretudo de autoridades em matéria de direito fiscal. O que, de fato, aumenta minha responsabilidade.

Mas, como o tempo é curto, vou entrar diretamente no tema e falar um pouquinho sobre a guerra fiscal em matéria de ISS. Dizia ao Prof. Aires que me sinto presenteada esse ano com o tema do ISS, por-que realmente nutro uma paixão muito grande pelo direito municipal. Provavelmente por uma experiência de quase 15 anos no Conselho de Contribuintes do Município de Curitiba.

Nesses anos todos que eu integrei, como representante do contribuinte, o Conselho lá no Estado do Paraná, Conselho de Curitiba, algumas situações realmente me chamaram a atenção. E o tema da guerra fiscal, que não é um tema recente, é um tema que já existia sob a égide do Decreto-lei 406/1968, que eu imaginava que seria eliminado com a edição de uma nova legislação, acabou não só permanecendo com a edição da Lei Complementar 116/2003 mas, na verdade, sendo incrementado por algumas inconsistências internas no texto dessa lei complementar.

Quando se fala em "guerra fiscal" normalmente se está referindo uma situação que acontece fundamentalmente nos Estados Federativos e que envolve uma exacerbação de práticas dos entes federados no intuito de trazer para si o empreendimento privado que busca sempre obter maiores rendimentos com o menor custo -menor custo envolve, naturalmente, uma carga tributária menor, porque o custo está relacionado ao que se paga a título de tributos.

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Como fizemos uma opção para que os Municípios integrem o pacto federativo, no art. 1o da CF, podemos falar em guerra fiscal quando os Municípios estão - por assim dizer - se "digladiando" entre si no intuito de trazer para seu território empreendimentos privados, empresas prestadoras de serviços.

Estamos muito acostumados a ouvir falar em guerra fiscal no plano dos Estados, no que diz respeito aos tributos estaduais, mais propriamente no caso do ICMS. No Brasil, infelizmente ou felizmente, comentávamos há pouco que a guerra fiscal pode ser uma circunstância, vamos assim dizer, "pejorativa" até um certo ponto, mas pode ser uma coisa boa para o contribuinte, porque, na verdade, há uma disputa entre entes federados para que as empresas, prestadoras de serviços, se instalem nos seus Municípios; e, com isso eles oferecem uma tributação menor, um menor custo para o contribuinte.

Então, essa exacerbação de práticas administrativas em matéria de administração fazendária gera o que chamamos de "guerra fiscal". Em matéria de ISS podemos identificar nos sistemas duas circunstâncias em que acontece a chamada guerra fiscal. A primeira circunstância é a hipótese do planejamento tributário, que é permitido, vamos assim dizer, contemplado no art. 3o da Lei Complementar 116/2003, que reproduz literalmente a alínea "a" do art. 12 do Decreto-lei 406/1968. Outra hipótese que determina o surgimento da guerra fiscal é o conflito que existe entre o disposto nos arts. e da Lei Complementar 116/2003. O que a gente detecta a partir da leitura desses dispositivos é uma inconsistência interna do texto. Se, por um lado, o art. 3o contempla uma hipótese em que estabelece o local em que o ISS é devido, no art. 6° ele cria uma nova regra que até certo ponto infirma o que está disposto no art. 3o. E é o que vou procurar demonstrar a partir de agora.

Analisando a hipótese de um possível planejamento tributário, com base no art. 3o da Lei Complementar 116/2003, isso nos remete necessariamente ao critério ou aspecto espacial da hipótese de incidência ou da regra-matriz de incidência que refere ou que identifica o local em que se reputa ocorrido o fato jurídico tributário ou o fato imponível. Então, naturalmente, o tema da guerra fiscal está intrinsecamente ligado ao critério espacial ou ao aspecto espacial da regra-matriz de incidência ou da hipótese de incidência.

O art. 3o da Lei Complementar 116 diz o seguinte: "O serviço se considera prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, ou, na falta de estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local".

Faremos, então, algumas considerações em relação a isso. O art. 3o diz que o tributo é devido no estabelecimento do prestador. Se não houver estabelecimento no local da prestação dos serviços, ou se não houver estabelecimento prestador, o tributo será devido no domicílio do prestador. Como, sob a égide do Decreto-lei 406, havia dúvida sobre o que é "estabelecimento prestador", o legislador complementar estabeleceu, no art. 4o da Lei Complementar 116, o que é "estabelecimento do prestador", e diz que: "Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolve as atividades de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato, ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas".

Verificamos, assim, que o propósito do legislador complementar foi o de ampliar ao máximo todas as possibilidades de alcançar a tributação por via do ISS - ou seja, qualquer unidade caracteriza "estabelecimento prestador". O que o art. 4° está dizendo é que a unidade da empresa que

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estiver constituída juridicamente no local, ou seja, que tiver o alvará de funcionamento, e, especialmente, tiver um estabelecimento físico naquele local da prestação, pode pagar o ISS naquele local. Ao mesmo tempo, a lei complementar disse que - voltando, aqui, um pouquinho - o tributo é devido no estabelecimento do prestador ou, na falta de estabelecimento, no local do domicílio do prestador. No meu entendimento, tanto o art. 12 do Decreto-lei 406 como o art. 3° da Lei Complementar 116 são absolutamente dispensáveis. Por quê? Porque eles determinam qual é o critério espacial ou o aspecto espacial da hipótese de incidência, e dizem que é o local onde aconteceu o fato, este ou aquele. Não precisamos que a lei interprete a Constituição para nós. Nós podemos interpretar a Constituição e extrair do arquétipo constitucional do tributo, no dizer do Prof. Roque Carrazza, que o critério espacial ou o aspecto espacial da regra-matriz de incidência é o local em que se reputa ocorrido o fato imponível. Mais que isso, o local onde se ultima a prestação do serviço. Temos inúmeros serviços que começam a acontecer no território de um Município e terminam no território de outro - como, por exemplo, os serviços de Informática. O que é relevante é o local onde se ultima o serviço. É isso que eu, pessoalmente, interpreto relativamente ao arquétipo constitucional do tributo.

Daí por que afirmar que, na minha concepção, o art. 3o era totalmente dispensável; o tributo é devido onde o fato foi ultimado, onde se ultimou o fato gerador, o fato imponível, onde incidiu a norma, nasceu a relação jurídica - e, portanto, o direito subjetivo do Município de exigir o dever jurídico do prestador de efetuar o pagamento.

Ao mesmo tempo em que o art. 3° diz que o tributo é devido no estabelecimento do prestador, estabelece que, se no local onde for prestado o serviço não houver estabelecimento prestador - aí vem a regra que é a regra problemática -, o tributo será recolhido no domicílio do prestador; ou seja, se um prestador de serviços se dirigir a um Município e lá efetuar sua prestação de serviço e este mesmo prestador não possuir nesse Município uma unidade jurídica constituída, o ISS relativo àquele serviço será devido no seu domicílio. Por que eu falei em "planejamento tributário"? Naturalmente, essa é uma regra que propicia um planejamento tributário. O que as empresas fazem? Estabelecem seu domicílio em Município de menor impacto tributário. Município que tem alíquotas menores. Município com alíquotas de 2, de 3, de 4%, porque em geral as Capitais têm alíquotas de 5%. Então, essa regra propicia uma hipótese de planejamento tributário. E estou frisando "planejamento tributário" porque nessa experiência que eu falei de tantos anos em que eu estive no Conselho de Contribuintes do Município de Curitiba o que atestei é que as empresas não usam isso como planejamento tributário, o fazem para praticar evasão fiscal, mesmo. Então, o que elas fazem? Pedem o alvará num Município determinado, onde há uma alíquota baixa, mas não se dão ao trabalho de ter um estabelecimento físico, uma folha de salários com ao menos um funcionário e um telefone - porque uma empresa que presta serviços tem de fazer um conta-to; que não tenha computador, mas que tenha telefone. Em grande parte dos casos levados ao Conselho, durante 15 anos, eu fiz diligências especialmente naqueles em que os valores envolvidos eram muito altos, e não localizei essas empresas, fisicamente falando. É fato que o art. 3o, além de todos os problemas que traz e de todas as suas...

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