Meio ambiente do trabalho: apontamentos sobre responsabilidade preventiva e sua extensão

AutorFábio Aurélio da Silva Alcure/Juliana Patrícia Sato
CargoProcurador do Trabalho lotado na Procuradoria do Trabalho no Município de Maringá - PRT 9ª Região/Bacharel em Direito. Ex-estagiária da Procuradoria do Trabalho no Município de Maringá
Páginas175-201

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A Constituição da República, ao tratar do direito fundamental ao meio ambiente protegido, dispõe que "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida" e que é dever do Poder Público e da coletividade "defendê--lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (art. 225, caput).

Ao assim dispor, a Constituição deixa clara a corresponsabilidade de todos os envolvidos pela proteção ao meio ambiente, visando à sua defesa

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e preservação, na linha do princípio maior do Direito Ambiental, que é o princípio da prevenção.

Não há mais dúvidas, na atualidade, de que o conceito de meio ambiente, tal como constitucionalmente fixado, engloba a noção de meio ambiente do trabalho, o que, inclusive, é afirmado expressamente no texto da Carta Maior em momento diverso (art. 200, VIII)1.

Consagrando a primazia do princípio da prevenção na seara do Direito Ambiental do Trabalho, o art. 7e, inciso XXII, da Constituição Federal prevê como direito fundamental dos trabalhadores "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança".

Anterior ao texto constitucional, a Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, embora não trate expressamente do fenômeno do meio ambiente do trabalho, fixa conceitos e princípios plenamente aplicáveis a essa dimensão específica do meio ambiente.

Neste sentido, merecem transcrição os seguintes excertos do estatuto legal:

Art. 2- A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...]

Art. 3e Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I — meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II — degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III — poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

  1. prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; [...]

    IV — poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental [...].

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    Se, portanto, o fenômeno do meio ambiente do trabalho pode e deve ser visualizado a partir das mesmas categorias básicas inerentes à concepção global de meio ambiente — que poderiam ser resumidas nos próprios conceitos de meio ambiente e poluição/poluidor e no enfoque preventivo (preservacionista) de análise e atuação no tema—, parece claro também que a responsabilidade pela proteção do meio ambiente do trabalho deve ser a mais ampla possível, entendimento que é confirmado por meio de uma análise racional do ordenamento jurídico vigente.

    Em relação ao meio ambiente lato sensu, essa responsabilidade é de todos, conforme a própria dicção do art. 225, caput, da Constituição Federal. Está consagrado constitucionalmente o princípio da participação, "no sentido de que a defesa e a preservação do meio ambiente são deveres tanto do Poder Público como da coletividade"2.

    No que diz respeito ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade por seu equilíbrio ecológico não teria, a princípio, tamanha amplitude. Caberia então verificar, à luz da legislação vigente, qual a extensão dessa responsabilidade, ou, em outras palavras, quem teria responsabilidade pela preservação do meio ambiente do trabalho.

    Embora se pudesse discorrer sobre a responsabilidade pela reparação de danos — analisada a posteriori, após a ocorrência da lesão —, o que interessa ao presente estudo é, sobretudo, a análise da responsabilidade pelo cumprimento de legislação, de caráter preventivo, que não deve ser olvidada.

    Por óbvio, que os princípios ambientais constitucionais da prevenção e da participação devem inspirar a análise da responsabilidade pela preservação do meio ambiente do trabalho, mas é preciso reconhecer também uma certa especificidade do meio ambiente do trabalho e, em um segundo momento, procurar na legislação de saúde e segurança do trabalhador um norte para essa reflexão.

    Diversos dispositivos legais e regulamentares (na seara da legislação de saúde e segurança no trabalho) consagram o entendimento de que a responsabilidade pela saúde e segurança dos trabalhadores não se limita à pessoa do seu empregador. Asimples leitura de alguns desses dispositivos permite vislumbrar a opção por uma atuação preventiva e conjunta/compartilhada na proteção do meio ambiente do trabalho e na garantia da saúde e segurança dos trabalhadores.

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    Neste sentido, a importante Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho, que dispõe sobre a segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente do trabalho, estabelece, em seu art. 17, o dever de colaboração, na aplicação das medidas previstas em seu texto, entre todas as empresas que venham a desenvolver simultaneamente suas atividades em um mesmo local3.

    Embora verse especificamente sobre segurança e saúde na construção, a Convenção n. 167 da OIT — promulgada no Brasil pelo Decreto n. 6.271 /2007 — possui dispositivo cujo teor também é de grande relevância, permitindo vislumbrar com clareza qual a linha de pensamento que vem predominando no âmbito daquele organismo internacional:

    Art. 8a

    1. Quando dois ou mais empregadores estiverem realizando atividades simultaneamente na mesma obra:

    (a) a coordenação das medidas prescritas em matéria de segurança e saúde e, na medida em que for compatível com a legislação nacional, a responsabilidade de zelar pelo cumprimento efetivo de tais medidas recairá sobre o empreiteiro principal ou sobre outra pessoa ou organismo que estiver exercendo controle efetivo ou tiver a principal responsabilidade pelo conjunto de atividades na obra [...]

    As Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, que disciplinam com detalhamento a questão da saúde e segurança no trabalho nas mais diferentes situações, também apontam para a mesma direção, estendendo a todos os envolvidos a responsabilidade pela preservação do meio ambiente do trabalho. A título ilustrativo, vale citar o disposto nos itens "5.47" a "5.50", da NR-5, e "9.6.1", da NR-9:

    5.48. A contratante e as contratadas, que atuem num mesmo estabelecimento, deverão implementar, de forma integrada, medidas de prevenção de acidentes e doenças do trabalho, decorrentes da presente NR, de forma a garantir o mesmo nível de proteção em matéria de segurança e saúde a todos os trabalhadores do estabelecimento.

    5.50. A empresa contratante adotará as providências necessárias para acompanhar o cumprimento pelas empresas contratadas que atuam no seu estabelecimento, das medidas de segurança e saúde no trabalho.

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    9.6.1 Sempre que vários empregadores realizem simultaneamente atividades no mesmo local de trabalho terão o dever de executar ações integradas para aplicar as medidas previstas no PPRA visando a proteção de todos os trabalhadores expostos aos riscos ambientais gerados.

    Importante destacar, contudo, que, no que diz respeito à responsabilidade pela proteção/preservação do meio ambiente do trabalho, são responsáveis não só aqueles que atuem em um mesmo estabelecimento ou somente quem exerça atividade empresarial — como uma leitura apressada e isolada dos dispositivos acima citados pode dar a entender—, mas também outros possíveis envolvidos com o meio ambiente do trabalho específico que se busca tutelar.

    Há outros institutos e normas previstos na legislação vigente que embasam essa tendência expansionista da responsabilidade jurídica — de forma a permitir a efetiva responsabilização de outros envolvidos com o meio ambiente do trabalho, que não exclusivamente o empregador—, dos quais cabe destacar com maior ênfase os institutos da função social da propriedade e do contrato.

    Com relação à função social da propriedade, interessante notar que, no único momento em que trata de forma descritiva do instituto — ao prever, no seu art. 186, os requisitos para o cumprimento da função social da propriedade rural —, a Constituição da República elenca 4 (quatro) requisitos, sendo que 3 (três) deles dizem respeito à "preservação do meio ambiente", à "observância das disposições que regulam as relações de trabalho" e à "exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores".

    Em relação à propriedade urbana, parece igualmente claro que não cumpre sua função social uma propriedade na qual o meio ambiente do trabalho não esteja sendo devidamente protegido, com a manutenção de condições que colocam em risco a saúde e a segurança dos trabalhadores em atividade no local.

    O conceito de função social da propriedade pode ser visualizado também sob o prisma da função social da empresa, que deve desempenhar suas atividades dentro dos limites do ordenamento jurídico, sem lesar interesses outros, principalmente, o interesse social.

    O conceito de função social da empresa, desdobramento do princípio da função social da propriedade, traz consigo, de forma inerente, a ideia de que o lucro empresarial não pode se dar à custa do prejuízo social. Ainda, em termos gerais, poder-se-ia dizer então que, pelos simples fato de auferir benefícios de um trabalho realizado, o empresário já teria um certo nível de responsabilidade pelas condições de prestação desse serviço.

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    A respeito da função social da empresa, a seguinte explanação doutrinária:

    Assim, sob a ótica jurídica, falar da função social da empresa é falar da propriedade privada dos meios de produção e de uma gama cada vez maior de bens corpóreos e incorpóreos (bens de capital) que excedem a mera destinação e...

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