Mecanismos de governança da interação entre as agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública no processo administrativo regulatório

AutorLeonardo Gomes Ribeiro Gonçalves
Páginas91-110

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1. Introdução

O presente capítulo tem o objetivo de descrever e apresentar uma compreensão dos problemas relativos à interação entre as agências reguladoras e outros entes e órgãos da administração pública, bem como oferecer alternativas para o tratamento de tais questões no contexto de uma proposta do anteprojeto de lei para regulamentar o processo administrativo nas agências reguladoras federais no Brasil.

Tal objetivo é relevante porque não há no Brasil, até o presente momento, um diploma normativo uniforme a normatizar como deve ser realizada a cooperação entre as agências reguladoras federais e os diversos entes e órgãos que compõem a estrutura da administração pública brasileira. Além disso, como amplamente reconhecido na doutrina e em diagnósticos recentes, a cooperação é uma necessidade num Estado regulador orientado, entre outros fins, pelos deveres constitucionais da segurança jurídica e eficiência.

Neste sentido, como será objeto de explanação, a proposta que ora se faz é a de se estabelecer a cooperação permanente entre as agências reguladoras federais e outros entes e órgãos da Administração Pública no âmbito dos processos administrativos regulatórios, mediante a utilização

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de convênios, acordos de cooperação, e ajustes congêneres, vistos estes como mecanismos de governança para: (i) auxiliar na delimitação das fronteiras e preservação das competências das agências, mediante o alinhamento de ações, coordenação e/ou diálogos institucionais com outros entes ou órgãos da administração pública federal; (ii) racionalizar as atividades das agências reguladoras; (iii) promover a transparência e simplificação das atividades e decisões das agências reguladoras; (iv) promover a segurança jurídica dos participantes dos processos regulatórios; (v) descentralizar as ações das agências reguladoras federais através de agências reguladoras estaduais, municipais e do Distrito Federal; (vi) fomentar a construção do Estado regulador brasileiro e da cultura da regulação, mediante ações interfederativas; e (vii) contribuir para o fortalecimento e a melhora regulatória de serviços públicos e atividades reguladas de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mediante a troca de experiências e melhores práticas.

Para a consecução dos seus objetivos, texto está dividido em cinco seções.

A primeira seção é a introdutória.

A segunda seção, intitulada "Aportes teóricos para a disciplina da cooperação interadministrativa no processo administrativo regulatório", é dedicada a detalhar o marco teórico deste trabalho, fornecendo uma nova perspectiva para a discussão do problema no Brasil. Pretende-se, a partir do reconhecimento doutrinário, utilizar Economia dos Custos de Transação para a resolução de problemas da burocracia pública relacionados à cooperação interadministrativa no âmbito do processo regulatório.

Neste sentido, a utilização de convênios, acordos de cooperação, e ajustes congêneres, vistos estes como mecanismos de governança das interações permanentes entre as agências reguladoras federais e outros entes e órgãos da Administração Pública, é capaz de tornar a atuação administrativa mais eficiente mediante a redução dos custos de transação entre tais entidades e órgãos, ao mesmo tempo em que promove a segurança jurídica para os demais participantes do processo de regulação, ao reduzir a incerteza decorrente de ações descoordenadas.

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entes e órgãos da Administração Pública no processo administrativo regulatório

A terceira e a quarta seções, intituladas "Mecanismos de governança da interação entre as agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública" e "A cooperação entre as agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública em contextos específicos" são destinadas a apresentar, a partir do referencial teórico e diagnósticos existentes, a proposta de regulamentação da interação entre as agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública, contida no anteprojeto de lei do processo administrativo nas agências reguladoras federais no Brasil.

A quinta seção apresentará as considerações finais.

2. Aportes teóricos para a disciplina da cooperação interadministrativa no processo regulatório brasileiro

Esta seção é dividida em duas subseções. Na primeira será apresentada a abordagem da doutrina no tocante à necessidade da cooperação entre agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública. Na segunda, serão expostos os aportes teóricos da análise econômica do direito, os quais, conforme se verá, indicam uma justificativa doutrinária para a utilização de convênios, termos de cooperação e ajustes congêneres como meios propícios para regular a interação cooperativa entre agências reguladoras e outros entes e órgãos da Administração Pública.

2.1. A cooperação interadministrativa no Estado regulador contemporâneo

A função reguladora é exercida mediante capacidades técnicas específicas para o setor regulado, com alta especialização e com demandas por coordenação entre os órgãos incumbidos de desenvolver o controle regulatório. No entender da doutrina do direito reflexivo1, de Gunter Teubner, a uma dada ação de um agente do sistema não corresponde necessariamente uma resposta certa e determinada do entorno.

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As ações são contingenciadas, por isso, Alexandre Aragão2 afirma que se impõe a necessidade de coordenação.

André-Jean Arnaud e Maria José Farinas Dulce, citados por Aragão3, observam que "não seria de todo realista levar em consideração, hoje, a racionalidade universalista, simplista", como, por exemplo, ocorre no modelo da administração hierarquizada, piramidal. Neste sentido, a racionalidade simplista, à qual também se refere Beck4, não seria apropriada, eis que o jurista depara-se cotidianamente com um plexo de normas e de atores criadores de múltiplas racionalidades, o que, de fato, exige do sistema jurídico o poder de imaginar uma ordenação da pluralidade sem reduzi-la à unidade5.

Marques Neto6observa que existe uma dificuldade de articulação entre políticas públicas e políticas regulatórias, ou seja, há uma tensão existente entre entes reguladores e governo no desempenho de suas responsabilidades atribuídas em lei. O autor comenta que há uma diferença entre o timing político do governo que comanda a Administração Pública central e a atividade das agências reguladoras independentes. Estas, no desempenho da política regulatória, podem, todavia, ser "instrumento de ponderação e de redimensionamento no tempo dos objetivos contidos numa política governamental".

No mesmo sentido, Guerra7trata da dicotomia entre escolhas regulatórias e escolhas políticas, isto é, a tensão entre "escolhas executivas, quando permeadas por questões políticas, (...) e a implantação do modelo de regulação descentralizada e independente". Guerra afirma que há entendimento de separação entre administração e governo, mas sem rigidez. Existe, segundo o autor, "um emaranhado que permite evitar, de um lado, um governo puramente político e, de outro, uma

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Administração tecnocrática"8.

A dificuldade de articulação entre as diversas instituições do Estado Democrático de Direito e as agências reguladoras é tratada por Pereira Neto et al.9, ao abordarem o tema da independência destas agências reguladoras sob uma perspectiva dinâmica. Segundo os autores, os órgãos reguladores devem ser compreendidos como "um dos polos de atuação dentro de um ambiente mais complexo, no qual o espaço regulatório é moldado pela interação entre os diversos atores institucionais e stakeholders"10.

Ainda segundo Pereira Neto et al., não basta o estudo da autonomia das agências reguladoras em abstrato, é necessária uma abordagem da qualidade da autonomia, o que se deve fazer a partir da exigência da "compreensão da interação entre agências e demais instituições do Estado Democrático de Direito"11.

Apesar do interesse de Pereira Neto et al. ser direcionado especialmente às relações entre as agências reguladoras e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o diálogo institucional abordado pelos autores revela-se como meio dinâmico de delimitação dos espaços de competência das agências reguladoras, aspecto este que coincide com o objeto do presente artigo, que é o de estabelecer, a partir dos problemas reais diagnosticados, mecanismos para a promoção da cooperação (isto é, diálogo) entre agências reguladoras federais e outros entes e órgãos da Administração Pública, no âmbito do processo administrativo regulatório.

Um dos meios apontados por Aragão para a cooperação no ambiente das agências reguladoras é a "celebração de convênios entre os diversos entes reguladores para tratar com harmonia os casos atinentes a mais de uma esfera regulatória"12.

E, conforme se verá adiante, além de uma justificação jurídica

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para a demanda por coordenação através de convênios, há uma...

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