Demissão em massa de trabalhadores e prévia negociação coletiva: estudo dogmático nas perspectivas analítica, empírica e normativa

AutorRoberto Carneiro Filho
Ocupação do AutorMestre em Direito das Relações Sociais (subárea de concentração: Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Páginas90-100

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Ver nota 1

1. Introdução

O presente ensaio é uma síntese da dissertação de Mestrado defendida perante banca examinadora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em outubro de 2010, sob a orientação da Professora Dra. Carla Romar.

Assim sendo, pode-se afirmar que o referido trabalho acadêmico conferidor do grau de Mestre a este autor foi elaborado sob as bases de profunda reflexão nascida dos ensinamentos passados pelo Professor Dr. Renato Rua de Almeida aos alunos do Mestrado.

Desde o início do ano de 2007 frequentando os bancos acadêmicos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, este autor vem agora sintetizar o conhecimento acumulado ao longo dos anos, dando especial importância ao tema demissão coletiva de trabalhadores e a necessidade de prévia negociação coletiva.

Ante o exposto, tem-se como certo que a abordagem feita neste ensaio encontra forte vínculo com a linha de pesquisa desenvolvida no programa de Mestrado em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pelo Professor Dr. Renato Rua de Almeida, segundo o qual o Direito do Trabalho exige na pós-modernidade uma releitura, tendo-se como parâmetro a efetividade das negociações coletivas de trabalho e a eficácia diagonal (para alguns a eficácia é horizontal) dos direitos fundamentais.

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2. Estudo dogmático da teoria dos direitos fundamentais A eficácia diagonal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares

Nos termos do que dispõe o art. 1º., inciso III, da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil e princípio fundamental intocável.

Verificando-se nosso ordenamento jurídico, indubitavelmente, a dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República, enquanto razão de existir e de ser do Estado Democrático de Direito, está colocada no centro de toda a esfera de valores formadores de nosso sistema democrático e da unidade constitucional.

Nessa linha de raciocínio, podemos verificar que nas relações sociais a dignidade humana enquanto valor máximo do sistema serve de ponto de equilíbrio diante dos conflitos de interesses que porventura vierem a surgir.

Como já profetizaram algumas encíclicas papais, a empresa não pode visar tão somente o lucro, e o trabalho não deve objetivar apenas o salário direto (pecuniário), pois o ser humano deve ser elevado à posição de maior importância do que a obtenção de ganho pecuniário. Assim, a dignidade humana deve ser apontada como valor máximo frente a todos os demais valores constitucionais, deve prevalecer diante do lucro, da livre iniciativa e da liberdade de trabalho.

Veja-se que no âmbito das relações laborais o poder diretivo, enquanto poder potestativo ou direito-função (dependendo da corrente doutrinária adotada) encontra limites no respeito à dignidade humana do trabalhador. Portanto, ainda que seja admissível a limitação dos direitos da personalidade do trabalhador nos limites do razoável pelo poder diretivo, não se pode admitir que a limitação a tais direitos da personalidade desrespeite a dignidade humana.

Eis as razões pelas quais a negociação coletiva esbarra em um núcleo duro, inegociável, que são as limitações impostas por nosso ordenamento para a norma-tização coletiva, quais sejam, as normas de segurança e medicina do trabalho e os direitos sociais trabalhistas fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados.

A proteção jurídica da dignidade humana nas relações coletivas laborais insere-se dentro da perspectiva da eficácia diagonal dos direitos fundamentais.

Ora, em nossa ordem jurídica a proteção aos direitos fundamentais ocorre não apenas verticalmente, ou seja, não apenas protegendo-se os direitos fundamentais da pessoa humana frente ao poder estatal. A proteção jurídica da dignidade humana em nosso sistema também ocorre diagonalmente, no âmbito das relações entre particulares, de um particular frente a outro, inclusive nas relações coletivas de trabalho.

A negociação coletiva nos moldes que propõe a presente obra, como mecanismo para a busca de soluções para problemas trabalhistas decorrentes de crises empresariais,

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a fim de que sejam evitadas demissões em massa, deve ter como parâmetro principal o respeito à dignidade humana dos trabalhadores.

O direito pós-moderno, seguindo as necessidades da sociedade pós-moderna, valoriza a tutela da dignidade humana como objetivo a ser perseguido "prima facie" pelo Estado Democrático de Direito e pela comunidade internacional.

Enfim, o presente ensaio não se afasta da tendência da pós-modernidade, por isso sustenta que a utilização da negociação coletiva como mecanismo que busca evitar demissões coletivas, mesmo que mediante a "flexibilização circunstancial" da proteção estatal dos direitos sociais, tem por fim maior a tutela da dignidade humana.

3. Estudo normativo: o direito positivo brasileiro e a regulamentação da demissão em massa de trabalhadores

Em nosso ordenamento, a dispensa em massa não encontra regulamentação específica.

Classicamente, entende-se que o procedimento de dispensa coletiva no Brasil é o mesmo da dispensa individual sem justa causa, tratando-se, na verdade, de uma soma de dispensas individuais sem justa causa.

Porém, o pensamento clássico vem sendo reformulado pelos princípios e pelas novas diretrizes que regem o contratualismo brasileiro na atualidade.

Assim, com respaldo nas lições do Prof. Dr. Renato Rua de Almeida2, mostra-se mais acertado o entendimento de que o procedimento de dispensa em massa em nosso ordenamento encontra limites nos deveres contratuais anexos, não se revelando como uma somatória pura e simples de dispensas individuais imotivadas.

Além do mais, Rua de Almeida sustenta a necessidade de observância dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, com respeito ao dever de boa-fé objetiva, quando da necessidade de proceder à dispensa coletiva3.

Prossegue o acima referido doutrinador lecionando que a eficácia dos direitos fundamentais nas dispensas coletivas, diante da ausência de regulamentação específica, pode ser atingida "pela exigência do cumprimento pelo empregador, nas despedidas em massa, dos valores da boa-fé objetiva e dos seus deveres anexos, previstos nos mencionados arts. 187 e 422 do Código Civil de 2002"4.

Com efeito, mostra-se justa a afirmação de que o direito do empregador de dispensar coletivamente não pode ser observado como um direito potestativo ilimitado, apesar da inexistência de regulamentação específica em nosso ordenamento.

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Mascaro leciona sobre a inexistência de regras específicas para dispensa coletiva no Brasil: "Nosso direito voltou-se para as dispensas individuais, e nesse sentido é que se dirige a sua construção legal, doutrinária e jurisprudencial, apesar da realidade mais rica e expansiva das relações de trabalho. A lei prevê dispensas com ou sem justa causa (CLT, art. 482), dispensas indiretas (art. 483), dispensas com culpa recíproca (art. 484), prevendo as respectivas reparações, mas há duas formas de dispensa que merecem uma referência especial, porque não estão previstas em nossa legislação, uma criada empiricamente e outra não amplamente acolhida em outros países, a demissão voluntária e a dispensa coletiva, ambas apresentando interessantes aspectos doutrinários à luz do tema que está sendo examinado"5.

Por tais lições, vê-se a superação do pensamento clássico, aquele que sustentava em nosso ordenamento, diante da ausência de regulamentação específica, que as dispensas coletivas inseriam-se no poder...

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