Marxism and the Regional Issue: Elements for Analysis/O Marxismo e a Questao Regional: Elementos para Analise.

AutorMedeiros, Evelyne

Introducao

Formacoes sociais como a brasileira compoem uma dinamica historica que, no capitalismo, tomam contornos distintos. Dentre estes, aquele ja descrito por Marx e Engels (1998, p.11-12), em 1848, plenamente manifestado nos dias atuais: "No lugar da tradicional auto-suficiencia e do isolamento das nacoes surge uma circulacao universal, uma interdependencia geral entre os paises. E isso tanto na producao material quanto na intelectual". Trata-se da condicao de existencia e desenvolvimento do modo de producao capitalista: a universalizacao, a expansao mundial do capital como tendencia, o que tornou possivel a burguesia criar um mundo a sua imagem e semelhanca. Sobre isso, recorremos as palavras do proprio Marx (2008, p.264):

Em todas as formas de sociedade se encontra uma producao determinada, superior a todas as demais, e cuja situacao aponta sua posicao e sua influencia sobre as outras. E uma iluminacao universal em que atuam todas as cores, e as quais modifica em sua particularidade. E um eter especial, que determina o peso especifico de todas as coisas as quais poe em relevo. Diante de tais afirmacoes que, historicamente, sao ratificadas pela realidade, para Fernandes (1998, p.111-112), Marx e Engels, desde o Manifesto Comunista, ja identificaram a tendencia de intensificacao de fluxos globais do comercio como aspecto da expansao global do capitalismo, processo constitutivo do mundo moderno. Referemse a uma caracteristica indispensavel do "novo modo de producao" que, "pela primeira vez na historia, integrou todo o planeta em um unico mercado, subordinando, subvertendo e suplantando variadas formas de cultura e de sociedade preexistentes.". Dai o papel da colonizacao no processo de expansao e consolidacao capitalista como expressao de uma "nova ordem que e a do mundo moderno", tal como sinalizou Prado Jr. (2008). E, portanto, na universalizacao dessa nova ordem que tambem se constituem formacoes sociohistoricas regionais, particulares, a exemplo daquelas localizadas na America Latina.

Diante de tais constatacoes, o presente texto tem como objetivo apresentar alguns aspectos centrais que o legado do pensamento de Karl Marx (1818-1883) e da tradicao marxista nos deixaram para analisar as desigualdades regionais e, consequentemente, a chamada questao regional como componente participe do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo e do seu padrao de reproducao social, ontem e hoje.

  1. O desigual e o combinado no desenvolvimento capitalista

    E necessario entender a universalizacao do capital na esteira da contradicao presente na propria lei do valor, demandando tambem a concentracao e a centralizacao da riqueza, propriedade, populacao e do poder por parte da burguesia, mediante a formacao de Estados nacionais unificados, resultando e viabilizando a fase imperialista e monopolica do capitalismo.

    Sobre isso, vale ressaltar que o desenvolvimento capitalista, especialmente na sua fase imperialista, e constituido pela capacidade do trabalho socialmente combinada sob a forma do trabalhador coletivo, forma fundamental do modo de producao capitalista, valorizando o valor atraves do aumento da produtividade com a divisao social do trabalho, insercao de tecnicas e diminuicao do tempo socialmente necessario em uma combinacao de extracao de mais-valia relativa e absoluta. Nesse sentido, diante da subsuncao real do trabalho ao capital, a cooperacao dos assalariados passa a depender da amplitude da concentracao dos meios de producao em maos dos capitalistas, do dominio e da "magnitude do capital que cada capitalista dispoe dos meios de subsistencia de numerosos trabalhadores". Agora, certo montante minimo e "condicao necessaria para a conversao de muitos processos isolados e independentes num processo de trabalho social, combinado [...]. O comando do capitalista no campo da producao torna-se entao tao necessario quanto o comando de um general no campo de batalha" (MARX, 2008, p.383-388).

    A reproducao das relacoes sociais que viabilizam esse padrao de acumulacao dase contraditoriamente sob determinadas (re)configuracoes de tempo e espaco tendo como expressao o aprofundamento da "questao social" e, consequentemente, o acirramento dos conflitos por intermedio das classes sociais, na tentativa incessante de se reproduzirem objetiva e subjetivamente.

    Assim, e importante ressaltar, para evitarmos analises lineares da historia, que a forma de producao dominante exerce (e exerceu) sua hegemonia nos territorios a partir de formas regionais, particulares--inclusive nas formacoes sociais onde subsistem, por exemplo, relacoes pre-capitalistas--como uma "luz universal" que transforma as outras "cores", tal como sinalizam as contribuicoes de Lenin "sobre a variada combinacao de estruturas economico-sociais nas distintas formacoes sociais nacionais geradas no rastro da expansao global do capitalismo" (FERNANDES, 1998, p.117-118). Dai o nivel de complexificacao do desenvolvimento capitalista nas diferentes sociedades, atuando como uma "unidade na diversidade", se propagando sobre uma realidade heterogenea, que cresce e se difunde "em um ambiente geografico variado que abarca grande diversidade" (HARVEY, 2013, p.526).

    Mesmo que o movimento ampliado do capital tendencialmente aponte para a destruicao das fronteiras regionais e demais barreiras territoriais ao desenvolvimento das forcas produtivas e outras necessidades materiais e espirituais de expansao capitalista, encontra, no seu proprio modo de ser, barreiras que demandam a producao de novas formas de diferenciacao geografica. Nesse sentido, Lowy (1995, p.73-74) sinaliza a magnitude da contribuicao dada por Leon Trotsky a perspectiva marxista atraves da sua "teoria do desenvolvimento desigual e combinado", "uma tentativa de [...] dar conta da logica das contradicoes economicas e sociais dos paises de capitalismo periferico ou dominados pelo imperialismo".

    A desigualdade do ritmo, que e a lei mais geral do processus historico, evidencia-se com maior e complexidade nos destinos dos paises atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardataria ve-se na contingencia de avancar aos saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominacao apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximacao das diversas etapas, combinacao das fases diferenciadas, amalgama das formas arcaicas com as mais modernas. (TROTSKY, 1977, p.25).

    Alguns autores fazem referencia as economias desses paises como aquelas que se conformam a partir de uma maior presenca da combinacao de elementos do "moderno" e do "arcaico" ou "atraso". Todavia, e importante observar que em muitos momentos de constituicao do capitalismo, inclusive na Inglaterra, onde se conformou, segundo Marx (1984), em sua forma classica, do processo de acumulacao primitiva (ou originaria) do capital aos desdobramentos das tendencias e contradicoes que compoem a Lei Geral da Acumulacao Capitalista, (re)incidiram formas de existencia retrogradas, mais caracteristicas de outros modos de producao. A fome, a baixa expectativa de vida, habitacoes completamente insalubres e miseraveis para uma parcela crescente da populacao, em meio a producao tambem crescente de riquezas, passam a ser fenomenos comuns da nova era. Afinal, "todo capitalista tem interesse absoluto em extrair determinado quantum de trabalho de um numero menor de trabalhadores, em vez de extrai-lo de modo tao barato ou ate mesmo mais barato de um numero maior de trabalhadores" (MARX, 1984, p.203). Dai a presenca ainda marcante do trabalho forcado, acompanhado por legislacoes excessivamente punitivas para uma sociedade regida pelo lema da "liberdade", que foi se configurando ao passar do tempo em formas analogas ao trabalho escravo. Eis a irremediavel relacao polarizada entre pobreza e riqueza nos marcos da sociabilidade capitalista, mesmo nos ditos paises "desenvolvidos".

    Essas formas tem sua origem no processo de acumulacao originaria capitalista, periodo em que "o povo do campo, tendo sua base fundiaria expropriada a forca e dela sendo expulso e transformado em vagabundos, foi enquadrado por leis grotescas e terroristas numa disciplina necessaria ao sistema de trabalho assalariado, por meio do acoite, do ferro em brasa e da tortura". (MARX, 1984, p.277). Ou seja, liberdade e escravizacao; legalidade e ilegalidade; barbarie e civilizacao; cidadania e violacao de direitos; contrato social e golpes violentos; consolidacao e dissolucao da democracia; o velho e o novo sao face da mesma moeda, sendo a violencia "parteira de toda velha sociedade que esta prenhe de uma nova. Ela mesma e uma potencia economica". Dessa forma, se o dinheiro "[...] 'vem ao mundo com manchas naturais de sangue sobre uma de suas faces', entao o capital nasce escorrendo por todos os poros sangue e sujeito da cabeca aos pes" (MARX, 1984, p.286-292).

    Para Lukacs (2008, p. 96), isso remete tambem a relacao historica entre modernizacao e colonialismo em que a libertacao das colonias nao fez desaparecer o "traco da velha exploracao e opressao; mas, na verdade, a politica que se apresenta como nova [...] nao e mais do que, em sua real substancia, o prosseguimento com novos meios tecnicos da velha politica colonialista". Sobre isso, vejamos o que Marx (1984, p.285) nos diz:

    A descoberta das terras do ouro e da prata, na America, o exterminio, a escravizacao e o enfurnamento da populacao nativa nas minas, o comeco da conquista e pilhagem das indias Orientais, a transformacao da Africa em um cercado para caca comercial as peles negras marcam a aurora da era de producao capitalista. Esses processos idilicos sao momentos fundamentais da acumulacao primitiva. Nessa perspectiva, Williams (2012, p.32-33) situa a relacao entre capitalismo e escravizacao como demanda necessaria em um determinado periodo de desenvolvimento capitalista, exemplificando as colonias inglesas e o papel economico da escravidao negra e do trafico...

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