Liberalismo, republicanismo e os graus de liberdade na democracia brasileira: uma análise a partir de decisões judiciais

AutorLucas Kaiser Costa
CargoDoutorando em Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Mestre em Direito. Professor da Graduação da Faculdade Multivix. E-mail: lucas-kaiser@hotmail.com.
Páginas211-241

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Lucas Kaiser Costa1

Recebido em 25.3.2016

Aprovado em 10.4.2016

Resumo: O modelo liberal e o modelo republicano, a partir das contribuições de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau, consubstanciam-se como verdadeiros expoentes do pensamento político moderno. Assim, não obstante com o advento dos Estados Modernos as duas tradições terem se vinculado harmoniosamente ao Estado Liberal e ao Estado Social, respectivamente, tem-se que a partir da superação desses Estados, ambos os modelos conjugaram-se ao sistema democrático de governo, nos Estados democráticos, de modo que a noção de liberdade precisou ser repensada, tendo em vista a permissividade de níveis de liberdade, inerentes ao cotejo desses pensamentos e da própria democracia, bem como ante a própria concepção ideológica intrínseca a cada um desses marcos. Neste sentido, o presente artigo tem por escopo contribuir com esse debate, investigando quais são as implicações acerca da opção por um modelo liberal ou por um modelo republicano, no bojo de um Estado pretensamente democrático, esgarçando, ainda, as características atinentes a cada um deles, a partir da análise de decisões judiciais dos tribunais brasileiros. Nesta perspectiva, tem-se que a consequência da adoção de uma ou outra tradição é justamente a variação do grau de liberdade existente no próprio Estado e que se reflete aos cidadãos, o que permite que se repense o modelo democrático, perquirindo-se a democracia que se pretende.

Abstract: Liberalism and republicanism, based on the contributions of John Locke and Jean-Jacques Rousseau, are true exponents of modern political thought. Thus, even with the advent of Modern States the two traditions they linked to the Liberal State and the Welfare State, respectively, from overcoming these states, both models were linked to the democratic system of government, in democratic States, so the conception of freedom needed to be rethought, because the permittivity levels of freedom inherent in the combination of these thoughts and of democracy itself, and the ideological conception own intrinsic to each of these models. In this sense, the scope of this article is to contribute to this debate by investigating what are the implications on the choice of a liberal model or a republican model, in a democratic State, examining the characteristics pertaining to each of them, from the analysis of judgments of Brazilian courts. In this perspective, it has to be the consequence of the adoption of one or another tradition is precisely the variation of the degree of freedom in the state itself and that is reflected citizens, allowing to rethink democratic model itself, inquiring to democracy intended.

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Palavras-chave: Liberalismo; Republicanismo; Democracia; Liberdade.

Keywords: Liberalism; Republicanism; Democracy; Freedom.

Introdução

O sistema democrático de governo, notadamente a partir de suas adaptações à e na contemporaneidade – desde sua gestação na Grécia –, foi imprescindível para a construção da modernidade, sobretudo no que diz respeito a sua colaboração com a consolidação dos Estados modernos, a partir da Revolução Francesa, no ano de 1789.

Neste mesmo sentido, a datar, justamente, do estabelecimento dos Estados modernos, iniciou-se o constitucionalismo moderno, ou seja, deu-se início ao processo de elaboração das Constituições nacionais que, em última instância, serviu como forma de limitação do poder desse mesmo Estado que acabara de construir-se, através da promoção de direitos e garantias, tanto para os cidadãos que viveriam sob sua égide, como para o próprio Estado.

A importância do constitucionalismo é, deste modo, imensurável, na medida em que serviu – e serve – propriamente como freio democrático, ou seja, como forma de conter a democracia, uma vez que se presta a limitar o poder, impedindo, por exemplo, uma “tirania da massa” (RIBEIRO, 2000).

E isso porque, a democracia na modernidade pode assumir várias facetas, vale dizer, existem diversos regimes democráticos possíveis, cada um deles enquadrando-se e adequando-se a uma determinada realidade política, social, econômica e cultural.

Todavia, não obstante a existência de uma pluralidade de modelos democráticos2, dois deles consubstanciam-se como verdadeiro “marco das tradições do pensamento político moderno” (CATTONI, 2006, p. 77), quais sejam, o modelo republicano e o modelo liberal.

Imperioso destacar, contudo, que ambos os modelos não são, por si só, democráticos, mas, ao contrário independem de qualquer vinculação à democracia. O que se quer dizer, então, é que republicanismo e liberalismo não são tradições nascidas a partir ou no bojo do sistema democrático, mas apenas adéquam-se a ele.

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Isso ocorre porque, a partir da modernidade, reduziram-se todas às possibilidades às democráticas, vale dizer, o modelo democrático consagrou-se como o ápice da organização política e a forma de governo por excelência, como se toda e qualquer outra fosse ruim de antemão; só é bom se for democrático.

Deste modo, não se deve confundir, por exemplo, democracia republicana com republicanismo – ou, seguindo o mesmo raciocínio, democracia liberal com liberalismo –, embora a primeira extraia se fundamento ideológico da tradição do segundo.

Noutras palavras, a democracia republicana retira o arcabouço teórico que a fundamenta das ideias do republicanismo, embora este possa fundamentar também, por exemplo, formas monárquicas de governo. Quer dizer, seguindo este exemplo, é possível que republicanismo e liberalismo3 estejam presentes no sistema político de uma monarquia.

E a possibilidade de opção pelo republicanismo ou pelo liberalismo, a partir do modelo democrático brasileiro, é justamente o que move a presente pesquisa, vale dizer, notadamente no sentido de se perquirir quais são as implicações dessa escolha.

E isso porque, conforme se verá pormenorizadamente no subtópico “3” – infra –, o Estado brasileiro, além de uma democracia deliberativa4, conforme estabelece Barzotto (2005, p. 36), é também uma democracia republicana, bem como, adota um modelo marcadamente liberal5, de modo que a convivência entre ambos os modelos e a manifestação de um ou outro em cada caso concreto esgarça problemas que serão enfrentados no decorrer deste trabalho.

Assim, no presente estudo propõe-se a análise dos temas referentes ao republicanismo, ao liberalismo, e à democracia, bem como outros temas correlatos como a liberdade e o constitucionalismo, na tentativa de se analisar as implicações acerca da opção por um modelo liberal ou republicano no bojo de um Estado democrático – ou, ao menos, pretensamente democrático –, como o brasileiro.

Nesta perspectiva, como forma de problematizar o presente estudo, serão realizados questionamentos introdutórios, gestados a partir de uma temática central que servirá de fiocondutor, estabelecendo-se, ainda, diálogo entre autores que abordam as sobreditas temáticas.

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Deste modo, o objetivo geral deste estudo – que pode ser considerado como fiocondutor e que se pretende, em última análise, verificar – é o seguinte: Quais as consequências/implicações da adoção/opção por um modelo liberal ou republicano num Estado pretensamente democrático?

Este é, portanto, o objetivo geral da pesquisa, a que se pretende contribuir com o debate. Cumpre ressaltar, em tempo, que a construção teórica deste estudo será realizada a partir da análise de decisões judiciais dos tribunais brasileiros; antes, porém, como pano de fundo que servirá de base à compreensão deste trabalho, será realizado breve exame acerca dos pensamentos de John Locke e Jean-Jacques Rousseau, teóricos que se destacaram na idealização e análise do liberalismo e do republicanismo, respectivamente.

Após, como forma de auxiliar que se chegue a algumas considerações acerca do objetivo geral proposto, será estabelecido um diálogo entre as duas correntes do pensamento político analisadas e suas relações com o modelo democrático segundo Hans Kelsen, cotejando-se, ainda, com os graus de liberdade possíveis inerentes à própria democracia.

Desta feita, como objetivos específicos pretende-se: primeiramente, examinar as construções do pensamento de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau; num segundo momento, analisar decisões dos tribunais brasileiros e suas variações jurisprudenciais conforme se tem como base um modelo republicano ou liberal, discutindo-se a teoria que embasa os mesmos; e, finalmente, perquirir a relação entre os graus de liberdade inerentes ao modelo democrático, conforme estabelecido por Hans Kelsen (1993), com as tradições republicana e liberal.

Propõe-se o desenvolvimento do presente estudo através de uma pesquisa jurisprudencial qualitativa, examinando-se algumas decisões dos tribunais brasileiros, cotejando-as com as perspectivas republicana e liberal, bem como, através de um fôlego teórico, vale dizer, partir-se-á do exame a partir dos referenciais teóricos propostos, bem como suas análises teóricas, propondo-se um diálogo e uma contraposição de ideias, ampliando-se o debate e os argumentos para o discurso, visando a construção dialética e provisória de um novo saber ou uma nova concepção do tema proposto, sem a pretensão de esgotá-lo.

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O contratualismo de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau

Conforme restou claro no tópico supra, não se pretende, neste momento inicial, abordar as temáticas principais do estudo, vale dizer, liberalismo e republicanismo – o que será feito no tópico seguinte –, mas tão-somente apresentar as construções teóricas dos pensamentos de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau, sem a pretensão de esgotar o tema, apenas...

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