Leitura Necessaria em Tempos Dificeis.

AutorFilho, Jose Carlos Moreira da Silva
CargoResena de libro

Leitura Necessaria em Tempos Dificeis (1)

BIAGINI, Hugo E.; PEYCHAUX, Diego Fernandez. O neuroliberalismo e a etica do mais forte. Traducao de Antonio Sidekum. Nova Petropolis: Nova Harmonia, 2016. 246p. ISBN: 978-85-89379-99-1.

Aideia central apresentada pelo neologismo "neuroliberalismo", proposto pelos autores deste livro excepcional, e a de que o poder, a desigualdade, a opressao e a injustica praticados pelo atual estagio do capitalismo global convivem com a ausencia do seu ocultamento sem maiores problemas. Isto e, nao sao mais necessarias as utopias emancipatorias tecidas pelo liberalismo, por mais hipocritas que possam ser. Nem mesmo a democracia se torna necessaria, passando a ser apenas algo eventualmente tolerado, que podera ser afastado por imperativos economicos. Diante desse quadro surge prontamente a seguinte indagacao: como e possivel sustentar-se tal nivel de cinismo sem que haja a revolta da grande maioria por ele subjugada? Responder a este enigma e um dos propositos centrais desta obra.

O neuroliberalismo indica a absoluta introjecao individual do modelo de sociedade esculpido pelo mercado, no qual os elos comunitarios sao vistos como abstracoes ou vapores inconsistentes. A liberdade e descrita e concebida a partir de uma terceirizacao radical a cada individuo de todas as consequencias relacionadas ao seu proprio bem-estar. Sabe-se de antemao que nao sobrara bem-estar suficiente para todas as pessoas (ao contrario do que apregoava um dos limites estabelecidos por John Locke para o exercicio do direito de propriedade, por mais irreal e contraditorio que tal limite possa revelar no conjunto da sua obra (2)), que o mundo fatalmente resultara em pessoas exitosas e pessoas fracassadas, que o "fracasso" pode inclusive significar a morte de criancas por inanicao, a miseria de milhoes e o exterminio de outros milhoes. Mas mesmo sabendo-se disto, as pessoas continuam agindo como se nao houvesse outra alternativa, como se tal nivel de "fracasso" fosse inevitavel e inerente a propria condicao da sociedade humana, como se qualquer outra possibilidade fosse, alem de irreal, potencialmente pior. Assim, para essa fantasia fatalista o modelo do mercado e a alternativa menos pior, a que melhor conseguiria distribuir o maximo de bem-estar possivel e qualquer outra alternativa nao passaria de um delirio com cores autoritarias.

O neuroliberalismo e a inoculacao ideologica produzida pelo neoliberalismo em todos os espacos de convivencia social. A opressao capitalista nao esta mais concentrada nas fabricas e nos presidios, ela se torna difusa, deslocando-se dos lugares totais, e tornando-se onipresente. Cada um deve se tornar o empresario de si mesmo, explicam os autores aludindo ao conceito de "capital humano", a politica da lugar a "cidadania gerencial", a preocupacao de ser um "bom trabalhador", manter o emprego, ascender profissionalmente, ser mais atento do que os outros, viver em constante estado paranoico tentando prever as crises e oportunidades futuras, ocupa todos os espacos e momentos da vida, na empresa, na familia, no lazer, nas ruas. Erige-se uma "etica gladiatoria", apta a transformar qualquer trabalhador que saiba vencer na arena do mercado em dirigente de alguma megacorporacao, embora se saiba desde ja que tal Olimpo esta destinado a poucos.

O neuroliberalismo apega-se a uma fantasia cinica, pois mesmo diante de tantas evidencias quanto a desigualdade, miseria e mortes provocadas por um modelo de sociedade calcado em valores egoistas, individualistas, hostis a solidariedade, ao combate a injustica social e a priorizacao do respeito e efetivacao dos direitos humanos, continua-se assumindo que tal modelo e o mais apto para prover o bem-estar de todos.

A tal carga de cinismo, devemos acrescentar o medo de ser...

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