Jusfilosofia, globalização e teoria crítica

AutorLuiz Fernando Coelho
Páginas79-96
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– V –
JUSFILOSOFIA, GLOBALIZAÇÃO E TEORIA CRÍTICA
Reflexões para um debate*
Sumário: 1. Introdução. 2. A dialética da legitimação e a
vocação democrática. 3. Libertação e democracia na América
Latina. 4. O caminho da teoria crítica do direito.
1. Introdução
Na abertura deste seminário sobre o “conteúdo das constituições
filosóficas do Mercosul”, proponho como hipótese de trabalho duas teses
nucleares: a decadência e fim da tradição filosófica e a falência do
paradigma democrático de organização política da sociedade. Em
confronto com essas teses, que se ajustam ao contexto característico da
pós-modernidade, fica delimitado o objetivo destas reflexões como o
de oferecer subsídios para o debate que se aproxima: as possíveis e
necessárias reformas político-institucionais em face do surgimento de
novas formas de organização social, estreitamente relacionadas com o
fenômeno da integração ibero-americana, aspecto específico do
fenômeno da globalização.
Quanto ao primeiro aspecto, o que ocorre na filosofia
contemporânea é a sua exaustão enquanto gênero culturalmente relevante,
*Conferência proferida nas Jornadas "LA FILOSOFÍA DEL DERECHO EN EL MERCOSUR", na
Universidade de Rosário, Argentina, em 30 de maio de 1997.
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pois, não fora o desenvolvimento de um pensamento crítico-episte-
mológico, poder-se-ia presenciar a concretização do que tem sido chamado
de “morte da filosofia”, e, por via de consequência, da filosofia do direito.
A tese do fim da filosofia afirma que, em face da derrocada dos
fascismos e autoritarismos, bem como do fim da utopia comunista, a
evolução ideológica da humanidade teria chegado a seu ponto final com
a generalizada adesão da sociedade contemporânea ocidental ao
liberalismo econômico e à democracia liberal. Tal consenso parece ainda
mais evidente em face das recentes conversões às teses neoliberais por
parte de setores tradicionalmente voltados para o esquerdismo político:
refiro-me especialmente à atual política brasileira, chamada de
“neorrealismo” por seus defensores, à guinada para a direita da versão
atual do neotrabalhismo inglês, que ousou arquivar algumas das mais
importantes propostas do partido que sucedeu aos conservadores no
poder, e à conversão recentemente ocorrida na reunião de Marbella, no
Chile, onde os líderes políticos e intelectuais da esquerda acadêmica
parecem envergonhar-se de sua velha postura socialista ao postularem a
reforma do capitalismo, visando a torná-lo mais democrático.
Essa decadência ou “desuso” da filosofia clássica é também
caracterizada por alguns momentos decisivos da tradição do pensamento
marxista ocidental, onde não há lugar para as questões nucleares da
velha philosophia peremnis, além do quê, tais questões já foram
decantadas pela experiência latino-americana; isto significa que a hora
histórica no atual momento da pós-modernidade vem sendo acertada
conforme os ponteiros da vivência dos problemas particulares aos países
da América Latina, os quais têm em comum a experiência de povos
marginalizados, constituídos em sua maioria por cidadãos excluídos do
desenvolvimento econômico, inobstante estarem ubicados dentro da
civilização dita capitalista, neoliberal, democrática e cristã.
Trata-se de um desmonte do gênero de educação filosófica que já
o existencialismo francês se encarregara de demolir; desmonte que ocorre
em articulação com a análise do estado de desintegração dos povos ibero-
americanos, ubicados na periferia do capitalismo; quanto a isso, trata-se
de considerar as controvertidas e frequentemente indesejáveis implicações

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