Tutela Jurisdicional Efetiva: Artigo 461, §5º, do código de processo civil e o contempt of court

AutorFlávia da Cunha e Castro
CargoGraduada em Direito pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
Páginas107-112

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1 Introdução
1. 1 A Lei 8 952/94 e a Tutela Específica das Obrigações de Fazer e não Fazer

Durante muito tempo entendeu-se à vontade do homem como limite intransponível ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer. A vontade humana era intangível.

Hoje, contudo, está integrada em nossa cultura a idéia de que a tutela específica não fere a dignidade humana. Pelo contrário, vai ao encontro dela. A alteração ilegítima da vontade é que não merece a proteção do direito (ALVIM, 1995).

Deve-se pensar, atualmente, em termos de "efetividade do processo", no sentido de "encontro do resultado devido ao autor" (MARINONI, 2001, p. 61).

A recente reforma do Código de Processo Civil, inspirada na efetividade do processo, não poderia deixar de se mostrar sensível à insuficiência de meios adequados a proporcionar tutela executiva a todos os direitos merecedores desta.

Conforme Guerra (1999, p. 61), essa insuficiência, própria de sistemas, como o brasileiro, regidos pelo princípio da tipicidade dos meios executivos, "revelase uma lacuna grave e intolerável na perspectiva do direito fundamental à tutela efetiva [...]".

Tal direito não poderia deixar de ser pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos.

Nesta seara, a Lei 8.952/94 introduziu no Código de Processo Civil Brasileiro a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer através da nova redação dada ao artigo 461.

A tutela específica corresponde a um conjunto de providências coativas ou sub-rogatórias que o juiz aplica de ofício ou a requerimento do autor para tornar efetiva a satisfação da obrigação de fazer ou não fazer. Há no caput do novo artigo 461 e em seus seis parágrafos prescrições importantes em defesa da efetividade do processo.

Em regra, o juiz está obrigado a conceder a tutela específica da obrigação; deverá, ainda, ao condenar o réu ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, determinar providências concretas que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (caput). A conversão em perdas e danos somente se dará: se for requerida pelo autor, ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente, e tal providência será dada sem prejuízo da multa.

Admite-se a antecipação de tutela, sob a forma de liminar. A medida liminar e a sentença final podem ser reforçadas com a imposição de multa diária ao réu (astreintes), providência que o juiz é autorizado a tomar independentemente de pedido do autor, podendo, inclusive de ofício, modificar o seu valor ou periodicidade, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.

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Logo, o que se percebe é que o legislador, no novo texto dado ao artigo 461, visou assegurar ao credor um julgamento que lhe propiciasse, na medida do possível, a prestação in natura, e ainda, no âmbito do processo de conhecimento, obter medidas de tutela diferenciada, que, diante das particularidades do caso concreto pudessem reforçar a exeqüibilidade da prestação específica e, se necessário, abreviar o acesso à satisfação do direito material.

Ora, a pretensão à adequada tutela jurisdicional é pretensão não simplesmente a uma sentença, mas a uma sentença que em caso de procedência realize a ação de direito material.

Antes da reforma processual de 1994, aquele que dizia ter direito a uma prestação de dar, fazer ou não fazer, se não estivesse munido de um título executivo extrajudicial, além de ajuizar ação de conhecimento para obter um provimento condenatório, teria de proceder à instauração de um processo de execução, a fim de ver satisfeito o conteúdo da sentença que lhe foi favorável. O sistema processual, até essa época, era baseado na dicotomia processo de conhecimento - processo de execução.

Com a reforma, admitiu-se, portanto, a ação sincrética: uma ação com duas fases, a saber, uma fase de conhecimento e uma fase de satisfação.

Ora, antes se exigia petição inicial para inaugurar a ação de execução; agora não, o próprio juiz da causa dá continuidade, passando de uma fase para outra; não há novo recolhimento de custas, não é necessário novo mandato para o advogado patrocinador da causa, etc. Não haverá citação, pois não é um novo processo. Não haverá oportunidade de defesa. A fase de defesa foi reservada à fase de conhecimento. Não cabem embargos. Contudo, há uma sentença. Será um processo com duas sentenças: uma que inaugura a fase de satisfação e outra que a encerra.

O processo sincrético reaproxima o direito material do direito processual, sem, contudo, aglutiná-los. O que se unifica são as três espécies clássicas de processo, para que o direito material seja atendido de forma mais efetiva, bem como a admissão das tutelas mandamental e executiva lato sensu.

O § 5º, do artigo 461, do Código de Processo Civil, confere ao juiz poderes para, em caráter subsidiário e complementar à lei, fixar os meios executivos mais adequados aos direitos a serem tutelados in executivis. Verifica-se, portanto, que o dispositivo legal, supramencionado, funciona como verdadeira norma de encerramento do sistema de tutela executiva, da mesma maneira que o é, com relação à tutela cautelar, o artigo 798, do mesmo diploma legal (GUERRA, 1999).

Na realidade, entendido como norma de encerramento, o referido dispositivo legal permite ao juiz providenciar, adequadamente, para que nenhum direito consagrado em título executivo, e, por isso mesmo, considerado merecedor de tutela executiva, fique sem uma satisfação integral, dentro dos limites práticos e juridicamente possíveis (GUERRA, 1999).

O rol de medidas previstas é meramente exemplificativo. Assim, o direito brasileiro passa a constituir-se em sistema misto de tutela executiva, ou seja, um sistema onde convivem meios executivos típicos, com aqueles que podem, atipicamente, ser determinados pelo juiz.

Ora, as medidas para a obtenção do cumprimento pelo próprio réu, a que o parágrafo 5º, do artigo 461, alude, pressupõe eficácia mandamental. A ordem, portanto, é da essência dessa decisão.

Será provimento prevalentemente mandamental na medida em que veicular propriamente uma ordem, de modo que, se for desobedecido, além de ensejar a incidência da multa e o manejo de mecanismos subrogatórios ou o ressarcimento, também tiver a aptidão de caracterizar a conduta do desobediente como afronta à autoridade estatal (TALAMINI, 2003).

Nas palavras de Silva (1998, p.334), "o juiz ordena e não simplesmente condena". Trata-se de outorga de poderes de imperium ao juiz.

Marinoni (1998) explica que a mandamentalidade não está na ordem, ou no mandado, mas na ordem conjugada à força que se empresta à sentença, admitindo-se o uso de medidas de coerção para forçar o devedor a adimplir. Só há sentido na ordem quando a ela se empresta força...

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