Jurisdição e competência da justiça do trabalho

AutorFrancisco Meton Marques De Lima/Francisco Péricles Rodrigues Marques De Lima
Ocupação do AutorMestre em Direito e Desenvolvimento pela UFC. Doutor em Direito Constitucional pela UFMG/Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará
Páginas320-333

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1. Competência da justiça do trabalho

Jurisdição (juris + dictio) é o poder de dizer a justiça. Competência é a limitação da jurisdição.

O art. 114 da CF/88, com a redação dada pela EC n. 45/04, estabelece a competência da Justiça do Trabalho sob quatro formas: a) uma genérica (inciso I — dissídios oriundos da relação de trabalho); b) outra discriminada (incisos II a VIII); c) outra genérica dependente de lei (inciso IX); d) outra para dissídios coletivos e de greve (§§ 2º e 3º).

Daí o fenômeno da ampliação da competência da Justiça do Trabalho para julgar todas as questões cuja matriz seja a relação de trabalho, questões sindicais, ações constitucionais, ações decorrentes da fiscalização do trabalho, da greve, dissídio coletivo mitigado, contribuições sociais decorrentes das sentenças que proferir e outras, nos termos da lei.

1.1. Competência material — A competência da Justiça do Trabalho foi fixada com base na causa petendi, que é a relação de trabalho, em seu sentido mais largo, cf. art. 114, com a redação que lhe deu a EC n. 45/2004. A competência em razão da pessoa só se averigua para efeito de competência funcional dos órgãos da Justiça do Trabalho e não de jurisdição. A Justiça do Trabalho getuliana encerrou uma era, a do emprego; a que emergiu da EC n. 45 inaugura outra era, a do trabalho de todo gênero.

A competência material encontra-se discriminada nos arts. 114, CF, 652 da CLT e em outros instrumentos legais. Vejamo-la a partir do art. 114 da CF:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II — as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III — as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

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IV — os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V — os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI — as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII — as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII — a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX — outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

§ 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (Grifamos).

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

Tudo o que foi incluído no art. 114 merece comentário, o que se fará sucintamente.

Inciso Iaqui o constituinte derivado procedeu a duas grandes inovações:

  1. mudou o eixo da competência material da Justiça do Trabalho da relação de emprego para a relação de trabalho;

  2. ampliou os polos nos dissídios — antes eram os trabalhadores e os empregadores, e agora poderão figurar nos polos ativo e passivo os trabalhadores de qualquer natureza e os tomadores de serviço, empresa contra empresa, trabalhador e sindicato, sindicato contra sindicato, empresa contra órgão público fiscalizador e muitas outras hipóteses. Esta ampliação dos polos da ação constitui, na verdade, a maior alteração competencial.

A expressão “relação de trabalho”, inserida pela EC n. 45/2004 alberga as lides oriundas da relação de emprego e das relações de trabalho que não formam vínculo empregatício, como o avulso, o autônomo, o eventual, o liberal68 (corretor, advogado, médico, dentista, representante comercial), o trabalho societário (cooperado contra cooperativa ou cooperado contra o tomador do serviço; do sócio de algumas espécies de sociedade contra a sociedade; do mandatário etc.), outros prestadores de serviço, como diaristas, faxineiras, boias-frias, biscateiros, terceirizados, estagiários, voluntários, pequenos empreiteiros, meeiros, parceiros etc., quer o litígio seja entre o trabalhador e quem o contratou, quer entre o trabalhador e o beneficiário da força de trabalho em geral, inclusive tomador de serviço.

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Por estarem muito assemelhados aos trabalhadores individuais, dentro da ideia de parassubordinação, os prestadores de serviços que sejam empresas unipessoais, que prestam serviço predominantemente pessoal, também terão seus litígios com os tomadores de serviço dirimidos pela Justiça do Trabalho. Dentre estes, os litígios entre o Transportador Autônomo de Cargas e a Empresa de Transporte de Cargas, apesar de o art. 5º da Lei n.
11.442/07 dispor que são da competência da Justiça Comum. O respectivo Projeto de Lei fora gestado antes da EC n. 45/04. Logo, terá sido um cochilo do legislador, produzindo um preceito inconstitucional, por afronta direta ao Inciso I do art. 114 da CF69

Em consequência, cabem na expressão oriundas da relação de trabalho as ações possessórias, de despejo, os interditos de greve (Súm. Vin. n. 23 do STF), de depósito etc., que tenham na origem da causa petendi uma relação de trabalho. Dalazen, com razão, inclui aí as lides interobreiros, como as que se dão entre os aliados em contrato de equipe, e as interpatronais, como as ocorrentes entre a prestadora do serviço e a empresa cliente ou entre o sucessor trabalhista e o sucedido (2005, p, 10). Só se excluem as ações de natureza penal.

Essa providência está harmônica com a nova ordem trabalhista, que caminha para a substituição do emprego por outras formas de relações de trabalho, no Brasil assumindo proporções superiores às relações de emprego formal, mormente em virtude do projeto de flexibilização da legislação do trabalho. Assim, as outras formas de relações laborais gozarão de um mínimo de proteção trabalhista, pelo menos o acesso aos órgãos da Justiça do Trabalho e às facilidades da jurisdição especial.

Trata-se, por um lado, de uma medida tendente à inclusão social do trabalhador que se encontra em condição precarizada, e, por outro lado, de centralizar em um órgão julgador todos os litígios que tenham por causa a relação de trabalho de todas as naturezas, dos mais altos escalões das sociedades comerciais até os humildes diaristas.

Servidor público — juntamente com a PEC da Reforma do Judiciário, o Senado Federal aprovou outra PEC em que excluiu do texto do inciso I a competência da Justiça do Trabalho em relação aos servidores públicos não celetistas, devolvendo essa parte para reexame da Câmara dos Deputados. Contudo, antes disso, na noite do dia 27.1.2005, o Min. Nelson Jobim (Presidente do STF), acolhendo parcialmente requerimento da Associação dos Juízes Federais, em controle concentrado de constitucionalidade, deferiu liminar, declarando parcialmente inconstitucional o inciso I do art. 114, sem redução de texto, excluindo da competência da Justiça do Trabalho os litígios dos servidores admitidos sob regime administrativo (ADI n. 3.395).

Cumpre frisar que, em relação ao serviço público, ou o contrato é administrativo ou trabalhista. O primeiro é necessariamente formal; o outro, nem sempre. Não existe

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alternativa. Portanto, por força do art. 442 da CLT, é celetista o contrato de trabalho com órgão da Administração Pública que não se revestir de uma das formas previstas na Constituição. E a competência para solucionar esse conflito é da Vara do Trabalho.

No entanto, o STF, nos autos da ADI-MC n. 2.135-DF, declarou a inconstitucionali-dade da EC n. 19/98, quanto à extinção do Regime Jurídico Único do Servidor Público. Como consequência, instala-se na Excelsa Corte a tendência a interpretar que só há regime jurídico único administrativo, e nunca celetista.

Cumpre registrar que, mesmo antes da EC n. 19/98, a interpretação consolidada era de que o regime único poderia ser administrativo ou trabalhista, conforme preferisse a unidade federada. A se consolidar a interpretação que o Excelso STF vem sinalizando, equivalerá a ressuscitar o manto protetor da impunidade aos gestores públicos que abusam da contratação sem concurso público, sob a leniência do Ministério Público e da Justiça Comuns. O certo é que, se o servidor não fez concurso público e não foi admitido segundo as leis de caráter administrativo, o contrato é necessariamente celetista. Aliás, acolhendo essa tese, o STF já se manifestou, através da pena do Ministro Cezar Peluzo.

Portanto, estão sob a jurisdição da Justiça do Trabalho todas as pessoas, físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, inclusive as representações diplomáticas estrangeiras sediadas no Brasil que contratem empregados sob o regime da CLT. Incluem-se o empregador rural e os contratantes de doméstico, avulso e temporário (Leis ns. 5.889/73,
5.859/72, art. 7º, XXXIV, CF e 6.019/74, respectivamente).

“IX — outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.” Este texto já constava da parte final da antiga redação do art. 114. Destarte, essa expressão não se conflita com o inciso I. Este fala de ações oriundas da relação de trabalho; o inciso...

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