A educação jurídica e a crise brasileira

AutorFrancisco Clementino de San Tiago Dantas
Páginas9-37
A Educação Jurídica e a Crise Brasileira | 9
A EDUCAÇÃO JURÍDICA E A CRISE BRASILEIRA
Aula inaugural dos cursos da Faculdade Nacional de Direito, em 19551.
Agradeço muito desvanecido ao ilustre diretor desta Faculdade a hon-
rosa incumbência, que me conferiu, de pronunciar a aula inaugural de
1955. Proponho-me dar desempenho a ela, tratando da educação jurídi-
ca e dos problemas do ensino do Direito entre nós, para os quais desejo
oferecer, como simples ponto de partida para, debate mais amplo, um
esboço de solução.
O problema do ensino jurídico pode ser tratado como uma projeção,
em campo mais particular, do problema geral do ensino superior, ou do
problema da educação em todos os graus.
Não é esse, entretanto, o pondo de vista de que pretendo encará-lo.
Pretendo discuti-lo como um aspecto ou projeção da própria cultura ju-
rídica, e para isso examinar, primeiramente, o papel do Direito e da edu-
cação jurídica na cultura de uma comunidade.
SOCIEDADE E CULTURA
As sociedades se formam, assumem características e peculiaridades, e
conseguem manter-se e expandir-se ao longo do tempo, graças aos meios
de controle com que subjugam, de um lado, o mundo físico, que as ro-
deia, e do outro lado, o mundo social e humano, de que são formadas.
Adquirindo o conhecimento dos fenômenos naturais e f‌ixando processos
para neles intervir objetivamente, orientando-os e captando-os em seu
proveito, a sociedade desenvolve o que podemos chamar os seus controles
tecnológicos, graças aos quais logra dar resposta aos problemas que lhe
são lançados, como desaf‌ios, pela natureza. Adquirindo, por outro lado,
o conhecimento do próprio homem, penetrando no seu mundo interior
1. Publicado originalmente na Revista Forense nº 159, p. 453, 1955.
Francisco Clementino de San Tiago Dantas
10 | Cadernos FGV DIREITO RIO n. 3
e cunhando normas para disciplinar e orientar subjetivamente a vida in-
dividual e comunitária, a sociedade desenvolve o que podemos chamar
genericamente os seus controles morais, graças aos quais mantém a pró-
pria estrutura e consegue governar o emprego daqueles meios de domínio
da natureza.
O acervo dos controles tecnológicos e morais constitui a cultura.
Se compararmos duas sociedades diversas, traduzindo dois tipos de
civilização, verif‌icaremos que muitas vezes numa delas se avantajam os
controles éticos, sem que paralelamente se desenvolvam os tecnológicos.
Foi o que sucedeu na civilização medieval, quando a sociedade contou
com um arsenal de controles éticos, superiormente desenvolvidos, ao
mesmo tempo que decaíam os controles tecnológicos em relação à cultu-
ra anterior.
Outras vezes – e é o que sucede nos tempos modernos – expandem-se
além de todos os limites anteriormente conhecidos os controles tecnoló-
gicos, ampliando o domínio do meio físico pela sociedade, mas não se
desenvolvem paralelamente, antes declinam, os controles éticos indispen-
sáveis ao próprio governo do novo poder do homem sobre a natureza.
PROGR ESSO, DECADÊ NCIA E CULTURA
Entre os problemas que o meio físico e o meio humano deparam à
sociedade e os meio de controle ético ou tecnológico, de que esta dispõe
para resolvê-los, existe uma relação, cujas variações são decisivas para o
progresso ou o declínio da sociedade. Se os meios de controle aumentam
em número ou ef‌icácia, permitindo alcançar solução para problemas até
então irresolvidos, ou aperfeiçoar, estabilizar, tornar menos onerosas as
soluções existentes, a sociedade se expande; se os meios de controle se
reduzem em número ou ef‌icácia deixando irresolvidos problemas que até
então se achavam solucionados ou que se não haviam apresentado recla-
mando solução, a sociedade declina e se encaminha para o desapareci-
mento.
Foi o mérito indiscutível de A T haver dado uma for-
mulação adequada à correlação que existe entre a expansão e o declínio

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