Judicial Review in the Age of Eduardo Cunha: Between Procedural Passivism and Substantive Activism in Brazil's Federal Supreme Court/ Jurisdicao Constitucional na Era Cunha: entre o Passivismo Procedimental e o Ativismo Substancialista do STF.

AutorBustamante, Thomas

Introducao

Pretende-se, neste trabalho, enfrentar o argumento de que as concepcoes criticas a "supremacia judicial" recomendariam uma postura passiva do Supremo Tribunal Federal em relacao a intervencoes no processo legislativo, principalmente no ambito das propostas de Emenda a Constituicao. Procuraremos desenvolver um argumento no sentido de que as criticas ao ativismo judicial e as teorias da autoridade que desconfiam da relacao entre "supremacia da Constituicao" e "supremacia judicial" nao fazem sentido sem uma protecao especialmente forte das regras constitucionais e regimentais que definem os contornos do processo legislativo.

Com isso, sustentaremos que o Supremo Tribunal Federal tem se movimentado em uma direcao perigosa, pois a sua jurisprudencia tem adotado um passivismo em relacao ao procedimento legislativo e um ativismo em relacao ao conteudo do juizo politico externado pelo legislador.

Ao final do trabalho, pretendemos demonstrar que o momento politico contemporaneo expoe de maneira contundente os problemas da jurisprudencia do STF sobre intervencoes no processo legislativo, que precisa ser revista para preservar o equilibrio entre os poderes e o bom funcionamento da ordem democratica, inclusive no que concerne a possibilidade de proposicao de emendas aglutinativas depois de iniciado o processo de votacao em Plenario de emendas a constituicao.

Os passos do argumento serao os seguintes. Na primeira secao, visitaremos as criticas que autores como Jeremy Waldron aduzem a supremacia judicial no ambito da interpretacao da constituicao, com vistas a explicitar algumas dificuldades que as cortes constitucionais enfrentam para justificar a sua autoridade em uma democracia. Na segunda secao, aduzimos uma critica a duas posturas que nao parecem tomar suficientemente a serio as advertencias apontadas na primeira secao: o passivismo em relacao ao procedimento e o ativismo em relacao aos juizos politicos adotados pelo legislador. Na terceira e na quarta secoes, por sua vez, apresentaremos alguns exemplos que mostram que o Supremo Tribunal Federal, muitas vezes, tem encampado tanto o passivismo em relacao ao procedimento como o ativismo em relacao ao conteudo, o que causa um preocupante deficit democratico para suas decisoes. Finalmente, na secao final, concluiremos no sentido de que a jurisprudencia do STF fixada no MS 22.503, sobre a oportunidade de apresentacao de "emendas aglutinativas" nas propostas de Emenda a Constituicao, deve ser revista, e de que o STF tem uma parcela significativa de responsabilidade politica e moral pelos excessos que estao sendo cometidos atualmente pela presidencia da Camara dos Deputados.

  1. A supremacia judicial sob suspeita: uma questao incomoda para o constitucionalismo contemporaneo

    Apos um longo periodo de entusiasmo com o controle de constitucionalidade das leis, tanto no Brasil como no estrangeiro, a teoria constitucional hoje vive um momento de desconfianca em relacao a "supremacia judicial" na interpretacao da Constituicao e na fixacao do conteudo, das circunstancias de aplicacao e dos limites dos direitos fundamentais fixados no texto constitucional. (1)

    A classica questao da "dificuldade contramajoritaria" das cortes constitucionais nunca deixou, de fato, de representar um problema para os defensores do constitucionalismo.

    Nao obstante, nas ultimas decadas essa questao tem se tornado ainda mais incomoda, pois as contribuicoes contemporaneas no ambito das teorias da autoridade do direito apontam para o fato de que as grandes questoes de moralidade politica que povoam as cortes constitucionais versam, na maioria das vezes, sobre desavencas "razoaveis" que nao podem ser resolvidas nem com as balizas providas pelos metodos tipicos da dogmatica juridica e nem muito menos com os principios abstratos da filosofia moral ou da filosofia politica.

    Contrariamente as intuicoes mais fundamentais do constitucionalismo contemporaneo, essas teorias apontam para o fato de que argumentos de principio, no ambito da politica constitucional, sao muitas vezes inconclusivos, o que torna particularmente dificil justificar a autoridade das cortes constitucionais.

    As grandes questoes constitucionais nao sao, ao contrario do que ingenuamente assumem alguns (mas nao necessariamente todos) defensores do constitucionalismo, resolvidas com um ato de "aplicacao" dos principios da Constituicao. O discurso constitucional esconde muitas vezes desacordos importantes sobre o sentido e o alcance dos principios de moralidade politica abstratamente proclamados no documento constitucional, e nao ha nenhuma garantia de que os juizes da corte constitucional tenham algum tipo de inteligencia privilegiada ou superioridade moral que lhes outorgue maior legitimidade para decidir sobre esses desacordos.

    Nao se trata, aqui, de uma defesa intransigente do "principio majoritario" em face da "supremacia da constituicao". A dificuldade moral de justificar a autoridade das cortes constitucionais persiste mesmo para os que nao tem qualquer duvida acerca da supremacia da constituicao frente a politica ordinaria e a legislacao infraconstitucional, uma vez que mesmo os defensores da supremacia da constituicao enfrentam o mesmo tipo de desacordo acerca dos limites que o legislador ordinario encontra diante da constituicao.

    Isso ocorre porque um arranjo politico que atribua a corte constitucional a prerrogativa exclusiva de dar a ultima palavra sobre as questoes mais espinhosas no ambito da moralidade politica nao consegue oferecer nenhum processo decisorio capaz de substituir de maneira eficaz o principio majoritario, pois nem mesmo a corte constitucional tem a sua disposicao um processo decisorio diferente do processo majoritario para resolver os desacordos que se repetem no interior das suas deliberacoes. As controversias interpretativas no interior da corte tem natureza identica aos desacordos existentes no processo politico em geral, e os desacordos entre os proprios juizes da corte constitucional sao decididos, tambem, pelo principio majoritario.

    A justificacao da autoridade das cortes constitucionais nao pode, portanto, fundar-se numa suposta deficiencia do principio majoritario, pois a supremacia judicial na interpretacao da constituicao nao implica uma substituicao do principio majoritario, mas apenas a substituicao de uma maioria legislativa por uma maioria judicial.

    E no contexto desses desacordos que Jeremy Waldron lanca mao de um dos conceitos mais interessantes da teoria juridica contemporanea, que aparece sob a denominacao de "circunstancias da politica". Essa nocao se inspira na ideia de "circunstancias da justica", de John Rawls. Rawls havia utilizado esta ultima expressao para explicar os contextos em que formulamos questoes de justica distributiva, e dizer, as circunstancias em que a justica no ambito da distribuicao de bens e encargos sociais se torna relevante. Como explicava Rawls, questoes de justica normalmente se formulam diante de situacoes de "altruismo limitado" e "escassez moderada" de recursos e oportunidades a serem distribuidas. (2)

    Algo parecido acontece, no ambito do discurso juridico, com as denominadas "circunstancias da politica", na medida em que processos politicos se justificam tambem apenas diante de circunstancias determinadas.

    Questoes politicas se tornam salientes, para Waldron, justamente onde costuma haver um profundo desacordo sobre como nossas controversias morais hao de ser resolvidas, mas ao mesmo tempo um profundo consenso acerca de que ha que ser buscada uma "resposta comum". Nesse sentido, argumenta Waldron:

    Podemos dizer, de maneira semelhante [a Rawls], que a necessidade sentida entre os membros de um certo grupo para um pano de fundo ou decisao ou curso de acao comum em alguma materia, mesmo diante de um desacordo sobre qual pano de fundo ou decisao ou acao deve ser, constitui as circunstancias da politica. (3) Uma resposta comum no ambito das circunstancias da politica e merecedora de respeito por causa da realizacao ("achievement") que ela representa diante das circunstancias da politica, e dizer, por causa do valor moral que a "acao concertada" possui quando ela e realizada de maneira respeitosa. (4) A resposta comum deve ser, portanto, uma resposta alcancada por toda a comunidade, uma resposta que seja vinculante para nos e merecedora de respeito, de modo que possamos reconhece-la como obrigatoria mesmo quando somos vencidos em nossas opinioes sobre a solucao adequada dos desacordos politico-morais em que tomamos partido.

    E nesse contexto das denominadas circunstancias da politica--desacordos sobre principios e acordo acerca da necessidade de uma resposta comum digna de ser respeitada--que se torna imperioso o processo legislativo democratico.

    Waldron sustenta, a partir dessas ideias, que o principio majoritario possui um valor moral intrinseco, ainda que se possa reconhecer, eventualmente, que ele nao funciona de maneira otima em todas as circunstancias imaginarias. (5) O principio majoritario, na opiniao do autor, e valioso porque ele "respeita os individuos cujos votos ele agrega" de duas maneiras: "primeiramente, ele respeita as suas diferencas de opiniao sobre a justica e o bem comum: ele nao exige que nenhuma visao sinceramente adotada seja menosprezada ou alcancada de maneira apressada por causa de uma suposta importancia do consenso. Em segundo lugar, ele encarna um principio de respeito por cada pessoa no processo por meio do qual nos estabelecemos uma visao para ser adotada como nossa diante do desacordo". (6)

    A unica esperanca de Waldron para solucionar de maneira legitima os nossos desacordos razoaveis sobre a justica esta, portanto, em um processo de deliberacao onde todas as visoes possam ser discutidas de maneira publica e respeitosa, e igualmente tomadas em consideracao.

    E justamente a aposta nesse processo de deliberacao que torna Waldron cetico em relacao a supremacia judicial, que e descrita pelo autor como um insulto nas comunidades...

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