Judicial process and social movements: a new locus for claims/Processo jurisdicional e movimentos sociais: Um novo locus reivindicatorio.

AutorLima, Thadeu Augimeri de Goes
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

E indubitavel que o processo jurisdicional sofreu, ao longo dos seculos, verdadeiras transformacoes paradigmaticas. Com efeito, se em sua origem ele era um importante metodo heterocompositivo de resolucao de conflitos de interesses, no decorrer da Historia veio a ganhar a conotacao de garantia individual e se viu guindado a condicao de elemento estruturante do conceito de Estado de Direito.

Para alem disso, mais recentemente, a partir da segunda metade do seculo XX, a reboque da desneutralizacao politica do Poder Judiciario e da sua maior interferencia no que concerne a efetivacao de direitos fundamentais sociais, o processo jurisdicional foi alcado a condicao de novo espaco publico de reivindicacoes juridico-sociais, caminho que, a nosso ver, nao deve experimentar retrocesso enquanto pendentes de implementacao as promessas emancipatorias contempladas na Constituicao da Republica de 1988.

Por tal razao, mostra-se relevante tracar um breve escorco desse cambio de paradigmas e indagar acerca da possibilidade de abertura do espaco publico processual aos movimentos sociais, na qualidade de legitimados para agir no ambito judicial.

Sao preferencialmente utilizados, na consecucao da tarefa proposta, os metodos hipotetico-dedutivo, historico-evolutivo e dialetico. Com efeito, a resposta positiva aquela indagacao e desde logo posta como certa e submetida a pertinente verificacao. Ademais, examina-se o desenvolvimento historico do processo jurisdicional, bem como sao confrontadas e criticamente avaliadas as diferentes orientacoes de respeitados juristas que se debrucaram sobre o tema, procurando organiza-las em sinteses superadoras de suas possiveis contradicoes.

Na primeira secao, traca-se uma breve sinopse da evolucao historica do significado sociopolitico do processo e da sua hodierna consagracao como locus adequado para a exigencia de concretizacao de direitos fundamentais sociais. Na segunda secao, ao seu turno, analisam-se os fundamentos juridicos que autorizam de lege lata a outorga de legitimidade para agir aos movimentos sociais para a busca de tutela em prol de interesses transindividuais. Ao final, traz as principais conclusoes obtidas no estudo.

1 O espaco publico processual: um novo locus reivindicatorio para os direitos fundamentais sociais

A generalizacao do processo como metodo heterocompositivo de resolucao de controversias, a cargo da justica privada ou publica, representou induvidosamente uma das maiores conquistas civilizatorias da humanidade, porquanto ensejou a gradual substituicao da violencia e da forca bruta, que grassavam na aurora dos corpos sociais, por um mecanismo mais racional e apto a preservar ou resgatar a paz entre os membros da coletividade envolvidos na disputa de um bem da vida ou por esta afetados direta ou indiretamente (LIMA, 2013, p. 75-76).

Costuma-se apontar no art. 39 da Magna Charta de 1215 a origem da clausula do devido processo legal (due process of law), conquanto seu texto nao trouxesse tal locucao, que so veio a ser incorporada no ordenamento juridico ingles com o Statute of Westminster of the Liberties of London, editado em 1354, durante o reinado de Eduardo III (GRINOVER, 1973, p. 23-25; NERY JR., 2002, p. 33). Tratava-se desde entao da exigencia de que qualquer forma de punicao ou privacao de direitos de alguem fosse precedida de um julgamento estruturado conforme as leis do pais.

Mais de quatro seculos depois, o postulado restou consignado nas declaracoes de direitos e Constituicoes de varias das ex-colonias britanicas que culminaram por formar os Estados Unidos da America, bem como na sua propria Constituicao Federal de 1787, incluido por obra da V Emenda, de 1791, e ampliado, para vincular a atuacao dos Estados Federados, pela XIV Emenda, de 1868 (GRINOVER, 1973, p. 26-29; NERY JR., 2002, p. 34-35).

Entre o final do seculo XVIII e a primeira metade do seculo XX, o processo jurisdicional, notadamente na area penal, tornou-se garantia reconhecida como componente do nucleo essencial do Estado de Direito, que foi acolhida em diversas Constituicoes e declaracoes e tratados internacionais concernentes a direitos individuais. Nessa otica liberal, o processo ju risd icional guarda a dimensao de dupla garantia: ativa e passiva. O processo e garantia ativa porque, diante de alguma ilicitude, pode o prejudicado dele se utilizar para buscar preveni-la ou remedia-la. Por outro lado, o processo e garantia passiva porque impede a justica pelas proprias maos, tanto a oriunda do exercicio unilateral do poder punitivo estatal quanto a praticada por particular em favor da satisfacao direta de uma sua pretensao (GRECO FILHO, 1998, p. 46).

Atualmente, o processo jurisd icional mantem sua conotacao garantista, porem se ve enriquecido com uma nova e importantissima faceta politico-participativa, assumindo a condicao de via ou canal de participacao, atuando como instrumento da jurisdicao e se habilitando como modus de participacao do cidadao na busca da concretizacao e protecao dos direitos fundamentais e do patrimonio publico. Mais do que instrumento do poder, e instrumento de participacao no poder. Enfim, e um microcosmo da democracia, pois realiza os objetivos fundamentais do Estado Democratico de Direito, como locus da cidadania (ABREU, 2008, p. 440).

A transicao do Estado Liberal ao Estado Social e em seguida ao Estado Democratico de Direito, grosso modo, em todos os paises que encamparam tal formato, trouxe consigo inafastaveis consectarios, dentre eles a admissao de forca normativa a Constituicao e aos principios nela previstos, a expansao do catalogo de direitos fundamentais, passando a incorporar vasto numero de direitos de natureza prestacional, e a criacao ou ampliacao dos mecanismos de jurisdicao constitucional, exercitaveis em processos objetivos ou subjetivos e destinados a combater nao so os comportamentos inconstitucionais comissivos dos Poderes Publicos, como tambem os omissivos.

Alem disso, houve a revalorizacao do Direito, que passou a ser reconhecido como dotado de potencial transformador da realidade social. A lei, antes medida de todas as coisas no campo juridico, cede espaco a Constituicao e se converte ela mesma em objeto de mensuracao, e destronada em favor de uma instancia mais alta (ZAGREBELSKY, 2009, p. 40). E, nesse renovado contexto, sobressaiu o Poder Judiciario, agraciado com a missao de guardiao da Lei Maior (DINAMARCO, 2005, p. 35). Por conseguinte, ja e lugar comum dizer, a vetusta e depreciativa figura do "juiz boca da lei" (positivista exegetico) sai de cena, em favor do juiz constitucional, responsavel por zelar pela plena juridicidade (legalidade constitucional ou legalidade qualificada) dos atos estatais.

A atual Constituicao Federal trouxe em seu art. 1[degrees]. a mencao ao conceito de Estado Democratico de Direito, atribuindo expressamente a Republica Federativa do Brasil tal qualidade. Ademais, na esteira dos paradigmas inspiradores, elencou em seu bojo invulgar numero de direitos, dotados destarte de fundamentalidade formal e material (ALEXY, 2008, p. 520523; SARLET, 2009, p. 74-78).

A problematica maior dos chamados direitos a prestacoes, direitos sociais prestacionais ou simplesmente direitos sociais consiste na sua efetividade, quer-se dizer, na sua implementacao pratica e consequente fruicao pelos beneficiarios, uma vez que, conforme explana Jose Eduardo Faria (2004, p. 272-273), ao contrario dos direitos individuais, civis e politicos e das garantias fundamentais desenvolvidas pelo liberalismo burgues com base no positivismo normativista, cuja eficacia requer apenas que o Estado jamais permita sua violacao, os direitos sociais nao podem simplesmente ser "atribuidos" aos cidadaos. Como nao sao autoexecutaveis e menos ainda fruiveis ou exequiveis de forma individual, esses direitos tem sua efetividade dependente de um welfare commitment, um compromisso de bem-estar. Em outras palavras, necessitam de uma ampla e complexa gama de programas governamentais e de politicas publicas dirigidas a segmentos especificos da sociedade; politicas e programas especialmente formulados, implementados e executados com o objetivo de concretizar esses direitos e atender as expectativas por eles geradas com sua positivacao. A inexistencia dessas politicas e desses programas, e evidente, culmina por implicar na denegacao desses direitos.

Eis que, dentre os espacos publicos disponibilizados para a reivindicacao dos direitos fundamentais sociais, sobrelevaram-se o mecanismo processual e o Poder Judiciario, cada vez mais chamado a corrigir omissoes e disfuncoes dos demais Poderes Publicos. Pode-se afirmar que o processo jurisdicional e um verdadeiro espaco publico porque se trata de um ambiente institucional acessivel e tendencialmente aberto a todos, dialetico, dialogico e discursivo, no qual os interesses contrapostos sao submetidos a um amplo debate contraditorio e obtem ao final uma decisao racionalmente fundamentada, que consubstancia um ato de poder definidor da situacao controvertida posta sob apreciacao.

No magisterio de Carlos Alberto de Salles (2013, p. 202-203), o exercicio da jurisdicao no Estado Moderno e contemporaneo tem o processo como caracteristica inerente. O processo nasce exatamente como disciplina do poder jurisdicional, atendendo a necessidade de garantia do jurisdicionado quanto ao exercicio da jurisdicao pelo poder soberano. Em sua concepcao moderna e atual, o processo e uma projecao do modelo legal-racional de Direito aplicado ao exercicio da jurisdicao. A esse proposito, a evolucao do processo e correspondente a evolucao do modo de exercicio da propria jurisdicao.

Para Rosemiro Pereira Leal (2012, p. 45), a hermeneutica desenvolvida no procedimento processualizado (vale dizer, em contraditorio), nas democracias plenas, nao se ergue como tecnica interpretativa do juizo de aplicacao vertical e absolutista do Direito, mas como exercicio democratico de discussao horizontal de direitos pelas partes no espaco-tempo...

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