ISS sobre as prestações de serviços provenientes do exterior: entre competitividade internacional e os limites da competência tributária

AutorCaio Augusto Takano
Páginas121-136

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1. Introdução

Desde a introdução da Lei Complementar n. 116/2003, muito se tem discutido sobre a possibilidade de o ISS incidir sobre serviços que sejam prestados integralmente no exterior ou cuja prestação nele tenham se iniciado (art. 1º, § 1º. O tema tem suscitado bastante controvérsia e intensos debates. Na doutrina, há fortes manifestações tanto no sentido da constitucionalidade1 quanto da inconstitucionalidade2 dessa incidência "extraterritorial"; enquanto que ainda não há qualquer posicionamento nos tribunais superiores sobre esta questão.3

A rigor, há inúmeros argumentos que justificariam a incidência do ISS sobre

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serviços "provenientes do exterior", dentre os quais citamos: (i) necessidade de maior competitividade no âmbito internacional; (ii) adoção do "princípio de destino" no consumo de bens e serviços, como fazem os demais países desenvolvidos; (iii) a carência de recursos financeiros dos municípios, entre outros. E dizer: a análise da questão não deve se restringir a considerações sobre aspectos estruturais e lógicos de um determinado sistema jurídico, mas ter especial preocupação com as conseqüências - jurídicas e econômicas - que as normas que o compõem causam.

Contudo, não se deve olvidar os traços típicos de cada ordenamento jurídico. No sistema tributário brasileiro, os limites para a instituição de tributos já se encontram definidos na própria Constituição Federal, por intermédio de regras objetivas, não sendo possível cogitar na possibilidade de existirem regras de incidência tributária (postas por leis ordinárias) que contrariem seus dispositivos. Como sempre enfatizou Geraldo Ataliba, a tributação implica invasão do Estado na esfera da propriedade e da liberdade dos cidadãos, razão pela qual apenas nas estritas hipóteses previstas no Texto Maior, em que ele, cidadão, consente com o ingresso do Estado na esfera daqueles seus direitos fundamentais, é que o Estado poderá exigir tributos.4

Evidencia-se, dessarte, a existência de uma forte tensão entre competitividade internacional e os limites interpretativos das normas constitucionais de competência tributária circunscrevendo a questão. Qual deverá prevalecer? Sob quais condições? Como conciliar, a um só tempo, desenvolvimento e garantias constitucionais do contribuinte?;

Estamos convencidos de que as respostas dessas imbricadas questões devem ser buscadas dentro de nosso direito positivo, nomeadamente na Constituição Federal, uma vez que trata da investigação do exercício da competência tributária dos municípios. Contudo, tal assertiva exige preliminarmente a análise da influência do Direito Internacional Público em nosso direito interno, bem como a forma pela qual as políticas econômicas interferem no exercício do poder de tributar.

Sob tais perspectivas, o presente artigo visa a contribuir com o estudo da compatibilidade do art. 1% § lü, da Lei Complementar n. 116/2003 com nosso sistema tributário, per-quirindo sobre a existência de fundamentos jurídicos suficientes para justificar a "extra-territorialidade" do Imposto sobre Serviços.

2. Direito Tributário Internacional e suas implicações no exercício da competência impositiva

A primeira questão que deve ser enfrentada é se existe um regime jurídico de Direito Tributário Internacional, ainda que costumeiro, que possa justificar a imposição da adoção de práticas tributárias amplamente aceitas e seguidas pelos entes transnacionais. Este tema ganha especial relevância ao estudo, no tocante à verificação de uma possível obrigatoriedade de adoção do "princípio de destino"5 para a tributação de serviços, considerando que tal princípio é amplamente aceito e recomendado internacionalmente, por países de tradição jurídica reconhecida, por exemplo, na Europa e na América Latina.6

Um primeiro posicionamento possível é aquele manifestado, verbi gratia, por Reu-ven Avi-Yonah, no sentido de que existiria um regime jurídico de Direito Tributário Internacional, composto pela extensa rede de tratados internacionais em matéria tributária, composta por mais de dois mil tratados em convergência tanto em relação à sua norma-

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tividade quanto à sua linguagem, formando uma rede de instrumentos normativos coerentes. Para este autor, a conseqüência da existência de tal regime é a impossibilidade de um país adotar as regras de Direito Tributário Internacional unicamente de acordo com a sua vontade e a obrigação de atuar dentro do contexto daquele regime.7

Em outras palavras, a instituição de normas tributárias cujos efeitos tenham repercussão internacional, que podem afetar a jurisdição de outros países para instituir tributos, como é o caso da tributação dos serviços na origem ou no destino, não se trataria de mera questão de conveniência do direito interno de um país, mas antes deveriam observar o regime tributário internacional vigente, ainda que costumeiro, mas largamente aceito pela comunidade internacional.

Caso cada país pudesse instituir quaisquer regras tributárias como lhe conviesse, resultaria em uma demasiada e indesejável complexidade do Direito Tributário Internacional, implicando também elevados custos de conformidade para que uma empresa transnacional obedeça a lei tributária das várias nações em que atua. Daí porque Yariv Brauner afirmar que o maior benefício da existência de um regime jurídico de Direito Tributário Internacional é eficiência, porquanto dessa harmonização implicar-se-ia diversos resultados positivos, principalmente: (i) a redução das diferenças entre os diversos sistemas jurídicos e do potencial arbítrio que distorce decisões empresariais; e (ii) a redução dos custos de conformidade e de execução das leis tributárias.8

De outro lado, a existência de um regime jurídico de Direito Tributário Internacional igualmente enfrenta fortes questionamentos. Neste sentido, David Rosenbloom aduz que tal regime seria "imaginário", porquanto o que se observa "no mundo real", a despeito de eventuais semelhanças nos termos e redações dos tratados internacionais celebrados, é a existência de diferentes leis tributárias, de vários países, e que se diferem significativamente uma das outras.9

Este posicionamento estaria, a nosso ver, mais próximo da realidade jurídica internacional. Reconhecemos que uma harmonização internacional, no tocante à legislação tributária, deve ser uma diretriz a ser buscada pelos diversos países e que, efetivamente, o costume internacional influencia as decisões legislativas e de política fiscal de um determinado Estado. Contudo, limitam-se a fatores de decisão dos Estados soberanos que, dentro dos limites de sua jurisdição,10 poderão moldar sua legislação tributária dentro dos limites de sua Constituição. A instituição de regras que concorram com aqueles fatores inegavelmente implicará relevantes conseqüências econômicas e políticas, mas, ainda assim, será decisão do legislador de cada Estado se irá instituir tais regras e em que medida realizará aqueles objetivos, consciente dos efeitos - positivos ou negativos - que sua decisão ensejará.

Assim, a larga adoção e recomendação de práticas e regras jurídicas internacionais não significam, juridicamente, a obrigatoriedade de sua observância pelos demais Estados. Poderão adotá-las ou não, tratando-se de decisão de cunho eminentemente político.

Portanto, não parece haver qualquer obrigatoriedade de o Brasil adotar o princípio do destino, pelo fato de sua larga aceitação e

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recomendação pelas nações desenvolvidas. Ao revés, a questão deverá ser tratada à luz de nosso sistema jurídico e nos limites permitidos pela Constituição Federal.

Aquestão que se põe agora é: não sendo obrigatório, é desejável a adoção do princípio do destino para a tributação dos serviços em nosso sistema jurídico? Em que medida ele deve ser adotado e sob quais condições? O en-frentamento dessas indagações exige algumas considerações, as quais passaremos a tecer.

3. A otimização da competitividade internacional e a relevância da adoção do "princípio do destino" na tributação de serviços

O cenário econômico mundial tem sofrido profundas transformações ao longo das últimas décadas, em decorrência da crescente e elevada internacionalização da economia de um grande número de países e o conseqüente aumento dos fluxos financeiros e comerciais internacionais. Diante deste contexto, o Brasil não mais poderia - e nem deveria - manter sua política de reserva de mercado, mas, ao revés, deveria ter como escopo a otimização e a melhoria de seus fluxos comerciais com o restante do mundo.11 A competitividade internacional torna-se importante instrumento de desenvolvimento econômico para as diversas nações, envolvidas em um processo contínuo e crescente de integração de mercados, em bases mundiais.

Diante de tal constatação, Luís Eduardo Schoueri critica a visão centrada unicamente no direito interno, sem levar em conta esse contexto econômico atual: "Em tal cenário, um Estado não pode mais acreditar que, ■'"devido a sua soberania, pode moldar sua legislação em função exclusiva da vontade política de seu Parlamento, sem atentar para as contingências da intensa competição inter- nacional e, especialmente, das exigências do Direito Internacional".12

A finalidade de se buscar úm mercado competitivo em âmbito internacional imporia restrições para a fixação ao exercício da soberania estatal, implicando limites à fixação de bases tributárias.13...

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