A intervenção do ministério público do trabalho na justiça desportiva e do trabalho para proteção dos atletas desportivos adolescentes

AutorLutiana Nacur Lorentz/Rubia Carneiro Neves
CargoProcuradora do Ministério Público do Trabalho na 3ª Região, Mestre e Doutora em Direito Processual pela PUC-MINAS, Professora da Universidade FUMEC/Mestre e Doutora em Direito Comercial pela UFMG, Professora da Universidade FUMEC
Páginas135-148

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1. O microssistema do direito desportivo — aspectos gerais

O Direito Desportivo tem previsão constitucional no art. 217, da Constituição de 1988 e nos princípios constitucionais que serão citados neste artigo e em dimensão infraconstitucional fundamenta — se em três grandes pilares de regras jurídicas: a Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998, chamada "Lei Pelé"1, a Lei n. 10.671, de 15 de maio de 2003, chamada de "Estatuto do Torcedor" e no Código

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Brasileiro de Justiça Desportivo — CBJD2, fundado na Resolução CNE n. 1, de 23 de dezembro de 2003.

Na verdade, em que pese várias doutrinas neste sentido345, este artigo não considera o Direito Desportivo como um ramo do direito completamente autônomo e absolutamente independente dos demais e, sim, como um micros-sistema que ora deverá ser aplicado de forma principal, porém usando como bases subsidiárias outras regras e ora nem será usado, nas situações de omissão ou de inconstitucionalidade das regras de Direito Desportivo nos quais deverão ser aplicadas regras concernentes a ramos independentes do direito (como será visto, sobretudo do Direito e Processo do Trabalho) e os princípios constitucionais.

Neste sentido, a Lei n. 9.615/ 98, no que concerne às relações de trabalho, é um microssistema do Direito e Processo do Trabalho, ou seja, usará como base subsidiária a CLT e a Lei n. 10.671, de 15 de maio de 20036, porém, se a Lei Pelé contiver regras inconstitucionais, a CLT é que deverá ser usada como fonte principal. Clarificando mais este temário, Tepedino7 assevera que o termo microssistema é utilizado para denominar a atual crise de fontes normativas, em oposição ao monossistema vigorante no século XIX que era capaz de agregar todas as regras sociais em um só código (o Código Civil). Outra doutrina também explica a Teoria dos Microssistemas8:

A existência de microssistemas no ordenamento jurídico nacional tornou--se uma realidade. Isto se dá, por exemplos, com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor9 — CDC, o Estatuto da Criança e do Adolescente10 — ECA11 e o Estatuto do Idoso.12 A criação destes microssistemas é uma pontuação aos longos Códigos, que funcionam, no particular, como

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regra geral, fonte de sustentação e até de aplicação analógica. Estes sistemas específicos atendem, outrossim, a necessidade de se observar peculiaridades de certas matérias que, pelo altíssimo grau de especialização, acabam por desprenderem-se do diploma geral.

Com relação ao processo coletivo, isto se deu por uma interpretação sistemática e de unidade do ordenamento jurídico, especialmente quando da edição do CDC. Assim, com a junção da Constituição Federal — CF, da Lei de Ação Civil Pública — LACP13, do aludido CDC e da Lei Complementar n. 75/93 (EMPU14), formou-se um microssistema processual de proteção aos interesses e direitos metaindividuais.15 O Código de Processo Civil — CPC e a Consolidação das Leis do Trabalho — CLT, como diplomas gerais, têm suas aplicações solicitadas para preencherem vazios normativos àquele microssistema, sempre quando apresentarem regras compatíveis com a visão de processo coletivo...16 (negrito nosso).

Ou seja, o microssistema suplica a aplicação principal de um diploma legal (de regras principais específicas), mas com aplicação subsidiária de outras regras e princípios (sobretudo constitucionais), ora de um ramo do direito ora de outro, desde que haja omissão e compatibilidade com o texto principal. Este artigo sustenta que também deverão ser aplicados dispositivos de outro ramo do direito, não só na hipótese de omissão do texto do microssistema, mas também nos casos em que este contenha disposição inconstitucional porque é a mesma hipótese mutatis mutandis de omissão.

No que concerne a tensão entre regras do sistema principal do Direito Desportivo (microssistema) com princípios constitucionais, este artigo remete--se a doutrina de Galuppo17 que desvela as teorias jurídicas sobre conflitos de regras e princípios nas dimensões quantitativas e qualitativas sobretudo com base da teoria de Alexy.18 Para o presente artigo, de acordo com a doutrina de

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Canotilho19 e Bobbio20 o conflito citado de regras do Direito Desportivo com princípios constitucionais deve ser resolvido, no caso, pela prevalência dos princípios não só porque são de hierarquia superior (constitucional), mas também porque os princípios são mais gerais que as regras e estruturais, dando uma leitura de harmonia ao próprio sistema jurídico, inclusive, é claro, aos microssistemas.

No que concerne aos contratos de emprego dos atletas com seus empregadores — entidades de prática desportiva e com os possíveis liames jurídicos com entidades de administração de desporto (sobretudo nas possibilidades de aplicações de sanções), entendemos que deverá ser usada como fonte principal a Lei n. 9.615/98 e subsidiariamente o sistema do Direito e do Processo do Trabalho, conjuntamente com os princípios constitucionais. Caso haja inconstitu-cionalidade de regras do microssistema desportivo, deverão ser aplicados como bases principais a CLT, na dimensão de matéria trabalhista e havendo omissão e previsão expressa, o Código Civil de 2002 e a legislação especial, no que concerne a matéria empresarial, todos sempre junto aos princípios constitucionais.

2. O trabalho da criança e do adolescente na dimensão das normas, regras e a principiologia constitucional

A Constituição do Brasil, de 1988, adotou várias regras no que concerne ao trabalho da criança e do adolescente e também vários princípios jurídicos porque a Teoria da Igualdade deve levar em conta as diferenças não só etárias, mas sobretudo considerá-los como seres humanos em formação. Sobre a Teoria da Igualdade e aprofundamento no tema remete-se a doutrina de Galuppo.21 Dentre os princípios que foram adotados pela Constituição no tema de menores, os mais relevantes são: o Princípio da Proteção Integral, o do Melhor Interesse, da Absoluta Prioridade e do Interesse Público Primário.

O Princípio da Proteção Integral22 é sistematizado na doutrina de Cavallieri como a proteção à criança e ao adolescente como seres em formação, não só

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nas situações de conflito (concepção antes adotada pelo vetusto Código de Menores de 1979), mas também em toda e qualquer situação, preferencialmente, em situações de prevenção. Outra diferença substancial é que os menores são considerados não como meros objetos passivos do assistencialismo alheio, mas, sim, agentes e detentores de direitos revestidos de exigibilidade. O Princípio da Proteção Integral aplica-se a todo menor, sendo, na verdade, direito não dos mesmos, mas da sociedade como um todo que tem na formação de seus jovens um dos objetivos principais.

Foi neste sentido que o art. 227 da Constituição elegeu como metas principais da sociedade democrática vedação à exploração do trabalho do menor, art. 1-, inciso XXXIII (com alterações da EC de n. 20, de 15 de dezembro de 1998), além disto, a Lei n. 8.069/90 também entendeu de proibir o trabalho da criança e de proteger, através do contrato especial de emprego, o de aprendizagem, o trabalho dos adolescentes (o que, após a Lei n. 11.180/05, passou a abranger, erroneamente, no nosso entender, também adultos até 24 (vinte e quatro) anos e pessoas portadoras de deficiência sem limite etário).

O Princípio da Absoluta Prioridade23 define ser dever não apenas do Estado, mas também da família e de toda a da sociedade dar preferência total e em qualquer circunstância não só à proteção, mas também prevenção para realização dos direitos dos menores, através, inclusive, de sua participação, neste sentido, também há a regra constitucional do art. 227.

O Princípio do Melhor Interesse, consoante preleciona Pereira24, consagra a prevalência dos interesses que são mais consentâneos com aqueles que a Constituição da República do Brasil, de 1988, escolheu para os menores, ainda que em tensão com os interesses imediatos escolhidos pelos pais ou até pelos próprios menores. Caso clássico é a temática concernente ao trabalho de menores. Ainda que os pais ou os próprios menores optem em trabalhar premidos, amiúde, pelas necessidades alimentares mais comezinhas, este Princípio escolheu que o mais adequado aos menores é não trabalhar e, sim, estudar e brincar, ou, se maiores de 14 (quatorze) a 16 (dezesseis) anos, podem até trabalhar, embora, na visão deste artigo, o mais adequado fosse o cumprimento da prioridade dos mesmos estudarem, o que, inclusive, foi adotado na dimensão sistêmica da Constituição, arts. 212 e 227, bem como a legislação infraconstitu-cional adotou algumas bolsas de "não trabalho", tal como o PETI25 e pela Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004 (Lei do Programa Bolsa Família — PBF).

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Neste sentido, a Constituição da República do Brasil, de 1988, determinou não só que Estado, sociedade e famílias velem por cumprimento e aplicação de medidas proibitivas de trabalho prejudicial ou em desconformidade com o modelo legal para os menores, art. 1-, XXXIII, CF/88, etc., mas, também, que velem pela aplicação de medidas positivas em prol dos mesmosdosmesmos, notadamente a aplicação dos recursos tributários em prol da educação, art. 212, CF/88, pela concessão dos recursos do PETI, programas Bolsa Escola, etc., porém, na visão...

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