Os instrumentos do assédio moral e os danos dele consequentes

AutorJorge Luiz de Oliveira da Silva
Ocupação do AutorMestre em Direito Público e Evolução Social (UNESA-2004)
Páginas57-102

Page 57

3. 1 - Aspectos gerais

O assédio moral no ambiente de trabalho é um fenômeno que tem sido objeto de diversos estudos nas áreas médica e psicológica1. Tais estudos têm revelado uma complexa gama de repercussões na saúde do trabalhador, conectadas com as condutas de assédio. À primeira análise, aqueles que não conhecem profundamente o mobbing (denominação geral mais utilizada em relação ao assédio moral no ambiente de trabalho), acreditam ser um exagero apontar danos substanciais à saúde, tendo em vista que tal fenômeno aparenta ser uma conformação natural e normal das relações trabalhistas modernas. A própria Marie--France Hirigoyen, pesquisadora francesa sobre o tema, confidenciou que quando começou a pesquisar o tema, a maioria das pessoas entendia que o assédio moral não era grave, pois sempre existiu e se as pessoas se queixavam era porque, no fundo, não

Page 58

eram suficientemente fortes ou adaptadas ao mundo do trabalho atual2. No entanto, quando o assédio moral é estudado de forma sistêmica e aprofundada, revela-se uma odiosa prática, com dimensionado potencial de gerar danos, muitas vezes irreversíveis, à saúde física e psíquica do trabalhador. Não obstante, o assédio moral não se limita a provocar danos direcionados à saúde do trabalhador, pois se alastra de forma envolvente em todos os setores de sua vida, impregnando-se substancialmente na seara patrimonial e afetiva.

Sem embargos dos danos acarretados à vítima, o assédio moral é um câncer social, que se alastra por todas as direções, ocasionando perdas substanciais que transcendem à pessoa da vítima, gerando danos significativos à saúde financeira da empresa e do Estado. Este tem sido um centro de interesse do assédio moral muito pouco explorado em relação à literatura existente sobre o fenômeno. No entanto, possui importância fundamental, uma vez que o clima negativo gerado pelas agressões, aliado à consequente redução da capacidade laboral da vítima, acaba por provocar uma interferência na dinâmica produtiva da empresa, gerando prejuízos muitas vezes relevantes, não obstante as contendas judiciais que acabam por surgir, com a lenta, mas real conscientização dos trabalhadores acerca do fenômeno mobbing, acarretando uma carga de desgaste e dispêndio desnecessários às organizações. Neste contexto, Francisco Mendes evidencia os riscos do assédio moral para a empresa:

As consequências econômicas desse estado de coisas para uma organização não deve ser negligenciada, já que a deterioração do ambiente de trabalho tem como corolário uma diminuição importante da eficácia ou do rendimento do grupo ou da equipe de trabalho, ocasionando perdas para empresa ela diminuição da qualidade do trabalho. Acontece,

Page 59

assim, que a empresa acaba sendo vítima dos indivíduos que a dirigem.3Por outro lado, a vitimização provocada pelo assédio moral acarreta graves prejuízos às finanças do Estado, uma vez que remete tal clientela aos serviços previdenciários, gerando um universo de trabalhadores que estariam na plenitude de sua capacidade laboral, mas que acabam alijados do sistema em razão das mais diversas patologias acarretadas pelo psicoterror em seu ambiente de trabalho. Por óbvio que os custos do Estado com essa massa de trabalhadores é substancial, alocando-se verbas nesse sentido, que poderiam ser destinadas a outros projetos de apoio à saúde do trabalhador. Assim, o Estado, neste enfoque, sustenta os prejuízos primários das práticas de assédio moral no ambiente de trabalho.Porém, os prejuízos secundários acabam sendo direcionados para o próprio universo do trabalhador, uma vez que caberá a ele arcar, com suas contribuições previdenciárias, com os ônus relacionados ao tratamento e apoio das vítimas.

3. 2 - Os intrumentos do assédio moral

A dinâmica do assédio moral justifica a contundente repercussão de seus efeitos na saúde física e psíquica do trabalhador. Não se trata, conforme já evidenciado, de uma conduta ofensiva isolada, que geralmente produziria um efeito transitório na saúde da vítima. O assédio moral é uma prática reiterada, direcionada e consolidando-se com a habitualidade. É justamente esta habitualidade, instrumentalizada por agressões pontuais e diversificadas, que podem variar de manifestações expressas (ofensas verbais, referências jocosas, punições injustificadas etc.) a práticas veladas (subtração de funções, isolamento, inviabilização de trabalhos, ofensas indiretas etc.), que impulsionam a gravidade dos danos acarretados à saúde da vítima.

Page 60

Os instrumentos de consecução do assédio moral são múltiplos e variados. Dependendo da técnica utilizada pelo agressor, geralmente o fenômeno é caracterizado por um conjunto de condutas implementadas por uma variedade de elementos de agressão psicológica. Leymann listou quarenta e cinco condutas relacionadas ao assédio moral4, das quais podemos destacar:

  1. Culpar a vítima por erros profissionais: é uma das táticas mais utilizadas, pois gera a insegurança profissional na vítima. Todo e qualquer erro ou insucesso ocorrido no ambiente de trabalho é imputado, direta ou indiretamente, ao assediado, mesmo que os protocolos que falharam em nada se relacionem com as atribuições da vítima. Esta, diante de tal realidade, acaba por vivenciar uma constante insegurança profissional, prejudicando seu desempenho em suas atividades e gerando reiterados sobressaltos psicológicos e afetação da autoestima, frutos das tensões e frustrações acumuladas.

  2. Submeter a vítima a acusações e/ou insinuações maldosas: o assediado passa a ser o foco de diversas acusações e/ou insinuações maledicentes, versando tais agressões sobre todo e qualquer assunto. É comum as referências jocosas sobre dotes físicos, inteligência, vida familiar, opção sexual, religião, raça, origem, dentre outras. São agressões muitas vezes travestidas de conselhos ou mera curiosidade, que escondem sua verdadeira finalidade que é desestabilizar e desqualificar a vítima, atingindo sua autoestima e dignidade. Geralmente são referências constantes e pontuais que, em razão da frequência, acabam por afetar psicologicamente a vítima, que se sente ridicularizada e humilhada.

  3. Isolamento da Vítima (“icing out”): consiste em ações tendentes a implementar uma perfeita segregação da vítima para

    Page 61

    com seu ambiente de trabalho, isolando-a, em especial, de seus companheiros de trabalho, dos subordinados e da própria chefia. Desta forma, o agressor proíbe que a vítima converse com seus companheiros, destina local isolado para que a mesma se instale, proíbe acesso ao telefone, impõe privação em relação às informações que são de interesse geral, impede o assediado de se expressar, dentre outras táticas similares. Quando a vítima reage e busca uma explicação, o agressor responde sempre com evasivas ou com o silêncio, evitando a comunicação dire-ta. Desta forma, envida o agressor um conflito silencioso, onde em regra não há discussões ou agressões explícitas, mas sim o fomento de uma situação angustiante, tendente a desqualificar permanentemente a vítima, que por mais que busque respostas para a realidade que lhe assola, cada vez menos tem respostas. É durante o desenvolvimento desta tática o momento propício para exercer o que Marie-France Hirigoyen denominou “deformação de linguagem”5, onde o agressor realiza a comunicação com a vítima de maneira impessoal, com voz neutra, desagradável, soberba, sempre deixando “palavras no ar” ou respondendo com evasivas. O resultado deste “jogo” é o desequilíbrio psicológico, que impulsiona diversos danos à saúde física e mental da vítima.

  4. Desconsideração do trabalho da vítima: esta tática difere-se da tática de culpar a vítima por erros profissionais, no ponto em que o agressor direciona suas ações para desacreditar e invalidar o trabalho da vítima. Assim, quando a vítima apresenta a conclusão de um trabalho ou mesmo a idéia acerca de um planejamento diferenciado, o assediador passa a menosprezar o esforço produtivo demonstrado, ridicularizando ou desprezando por completo o conteúdo do trabalho. Quando a vítima consegue algum êxito, o agressor procura ocultá-los ou atribuí-los a outra pessoa. Por outro lado, o agressor também se utiliza do esvaziamento de funções, retirando todas as atribuições

    Page 62

    relevantes inerentes à função desempenhada pela vítima, de maneira que esta acabe por se sentir inútil em seu ambiente de trabalho. Desta forma, a vítima vai sendo lentamente desqualificada, mantida em constante pressão, acabando-se por gerar os mesmos sentimentos e consequências descritas na tática do item 1.

  5. Impor à vítima condições de trabalho insalubres: existem algumas espécies de trabalho que, por sua própria natureza, são insalubres, penosas ou perigosas. Aos trabalhadores a elas submetidos, a legislação específica se encarrega de destinar regras e proteções especiais. Muitas vezes as condições insalubres de trabalho não são oriundas do assédio moral, mas sim da desídia do empregador ou mesmo da busca incessante pelo lucro, caracterizando uma má gestão empresarial. No entanto, é comum, em se tratando da cadeia de condutas que integram o assédio moral, que o agressor imponha a sua vítima condições insalubres de trabalho, como uma das fases da agressão. Em uma das palestras que ministramos sobre o tema6, um dos assistentes relatou uma série de atitudes caracterizadoras do assédio moral, incidindo sobre sua pessoa. Em uma delas, o agressor determinou que na sala onde a vítima trabalhava sozinha não poderia ser ligado o aparelho de ar condicionado. Era verão e todos os setores da empresa apresentavam-se adequadamente refrigerados, enquanto que o assediado tinha que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT