Instabilidade judicial: reflexos econômicos e precedentes judiciais vinculantes

AutorRuy Alves Henriques Filho
CargoJuiz de Direito Substituto em Segundo Grau no Tribunal de Justiça do Paraná
Páginas17-38
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Revista Judiciária do Paraná – Ano X – n. 9 – Maio 2015
Instabilidade judicial: reexos econômicos e
precedentes judiciais vinculantes1
Ruy Alves Henriques Filho2
Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau no Tribunal de Justiça do Paraná
1. Introdução
U    demonstra que a atuação jurisdicional
variou ao longo do tempo, estando perceptível o ganho de liberdade
experimentado pelo juiz do civil law.
Por sua vez, o aumento da discricionariedade na prestação jurisdicio-
nal frequentemente provoca uma ruptura neste sistema vinculado basica-
mente ao princípio da legalidade estrita. A performance não sistêmica e
dessincronizada de nossos magistrados brasileiros dá azo à insegurança
jurídica, através de decisões divergentes em casos similares, revelando um
sistema guiado não pela norma, mas pelo subjetivismo.
É em razão deste cenário de incerteza e falta de estabilidade do direito
dito pelos tribunais que parcela renomada da doutrina se debruça sobre
a avaliação dos efeitos dos precedentes judiciais vinculativos, típicos do
common law, ao sistema do civil law, sugerindo-os como mecanismo de
solução ao problema que se experimenta. É sob a ótica deste instituto e
sua adoção pelo civil law que se delimitará o presente estudo.
2. A atividade jurisdicional: interpretação e criação do direito
– reexos econômicos
Nos tempos do império romano, a atividade jurisdicional era desen-
volvida por leigos, que presidiam o acerto de disputas de modo arbitral,
auxiliados pelos jurisconsultos. Ao juiz romano não foi dada originaria-
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mente a função criativa do direito, mas a aplicação da norma legislada
pelo imperador ou pelo Senado, ou a aplicação da interpretação desta
norma realizada pelos jurisconsultos.
O m do império romano e o início da Idade Média modicaram
de forma essencial o papel exercido pelo magistrado. Segundo Dallari
(1986, p. 9), a multiplicação de ordens jurídicas e políticas vivenciadas
pela Europa durante o período feudal torna difícil caracterizar a ma-
gistratura daquele período. O aumento da concentração de riqueza a
partir do século IX e o aumento do poder político das ordens religiosas
em torno de reis fez com que exsurgissem tribunais corporativos e ecle-
siásticos independentes, com autonomia sobre determinada circuns-
crição territorial. O absolutismo e a Idade Moderna trouxeram certa
liberdade à atividade judicante, ainda que submetida aos interesses do
soberano, a quem competia a escolha dos magistrados dentre os inte-
grantes da nobreza. Neste período a magistratura ganhou considerável
poder, em contrapartida à imagem negativa obtida diante da população
(DALLARI, 1986, p. 9).
A Revolução Francesa e a deposição da monarquia erigiu o princí-
pio da legalidade como fundamento do estado liberal nascedouro, le-
gitimado na teoria de Carl Schmitt (1982, p. 157), donde se depreende
que o princípio da legalidade encontra seu fundamento de validade na
cooperação da representação popular, centralizando o poder nas mãos
do legislativo. O direito e a justiça passaram a ter respaldo no texto li-
teral da lei, pelo que a atuação judicial tornou-se mera subordinada da
função legislativa, cabendo ao Judiciário a simples função de declarar o
direito legislado3.
A jurisdição limitou-se ao conceito que lhe foi atribuído por
Montesquieu, segundo quem o poder de julgar deveria ser exercido atra-
vés de uma atividade puramente intelectual, cognitiva, não produtiva de
direitos novos, concluindo que o poder de julgar era, de qualquer modo,
um “poder nulo” (MARINONI, 2010, p. 54). Acreditava-se, portanto, que
somente a lei abstrata era suciente à completude do direito e da justiça,
assim como à sua segurança. A ideia era que as leis e os códigos deveriam
ser claros e completos, capazes de gerar apenas uma única interpretação
correta (CAPELLETTI, 2001, p. 271).
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