A Incorporação do Empreendedorismo no Setor Público: reflexões baseadas no contexto brasileiro

AutorJosiel Valadares - Magnus Emmendoerfer
CargoDoutorando em Administração da Universidade Federal de Lavras (UFLA) - Pós-Doutorando em Ciências da Administração, Universidade do Minho, Portugal
Páginas82-98
Artigo recebido em: 05/06/2014
Aceito em: 22/01/2015
Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.
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A INCORPORAÇÃO DO EMPREENDEDORISMO NO SETOR
PÚBLICO: REFLEXÕES BASEADAS NO CONTEXTO BRASILEIRO
The Incorporation of Entrepreneurship in the Public Sector:
reflections based on brazilian context
Josiel Lopes Valadares
Doutorando em Administração da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Professor na Faculdade de Administração e Ciências
Contábeis (FACC). Viçosa, MG. Brasil. E-mail: adm_josiel@yahoo.com.br
Magnus Luiz Emmendoerfer
Pós-Doutorando em Ciências da Administração, Universidade do Minho, Portugal. Docente e Líder do Grupo de Pesquisa em Gestão
e Desenvolvimento de Territórios Criativos no Departamento de Administração e Contabilidade na Universidade Federal de Viçosa.
Viçosa, MG. Brasil. E-mail: magnus@ufv.br
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2015v17n41p82
Resumo
Este ensaio visa ampliar o debate sobre a incorporação
do tema Empreendedorismo no Setor Público (ESP) por
meio da revisão de literatura sobre o caráter reflexivo
que se deve ter ao transpor conceitos do setor privado
para o público. Compreendeu-se que é necessária uma
discussão crítica acerca do processo de apropriação desse
tema no Brasil para que seja adequadamente coerente
e contextualizado. Observou-se que a administração
pública brasileira é marcada por um modelo híbrido de
gestão, no qual práticas patrimonialistas, burocráticas
e gerenciais coexistem, tornando a adaptação do
empreendedorismo complexa. Portanto, é preciso ter
cautela com as expectativas exageradas em relação
a esse tema na administração pública brasileira,
pois, há inúmeras limitações que vão de encontro à
sustentabilidade de governos democráticos.
Palavras-chave: Comportamento Empreendedor.
Governo. Gestão Pública. Organizações. Inovação.
Abstract
This essay aims seeks to broaden the debate on the
incorporation of the theme Entrepreneurship in the
Public Sector (EPS) through the literature review on the
reflective character to be taken to transpose concepts
from the private sector to the public sector. It was
understood that needs a critical discussion on the process
of appropriating that theme in Brazil. It was observed
that the Brazilian Public Administration is marked by a
hybrid model of administration, in which patrimonial
practices, bureaucratic and managerial coexist, making
the complex adaptation of entrepreneurship. Therefore,
we must be wary of exaggerated expectations regarding
this theme in Brazilian Public Administration, as have
several limitations that meet the sustainability of
democratic governments.
Keywords: Entrepreneurial Behavior. Government.
Public Management. Organizations. Innovation.
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1 INTRODUÇÃO
As mudanças ocorridas no setor público nos últi-
mos anos têm promovido o aumento das expectativas
de reforço de sua modernização e o interesse de diver-
sos pesquisadores, como Orborne e Gaebler (1994),
Bellone e Goerl (1992), Moore (1995), Morris e Jones
(1999), Caruana et al., (2002), Barnier e Hafsi (2007),
Currie et al. (2008), Klein et al. (2010), Diefenbach
(2011) e Meynhardt e Diefenbach (2012) em entender
os possíveis desdobramentos, talvez contraditórios, que
essa modernização acarretou ao Estado. Nas últimas
décadas, esse processo de modernização tem sido
associado a noções comportamentais e gerenciais, im-
buídas de conceitos e práticas, que eram próprias e, até
então, restritas à esfera das organizações empresariais.
O empreendedorismo é uma dessas noções que
tem sido empregada no setor público, como forma
de criar valor para os cidadãos. Essa noção sinaliza
a necessidade dos gestores nas organizações públicas
desenvolverem uma Orientação Empreendedora (OE)
voltada para a capacidade de se adequar e de inovar
frente às novas demandas do setor público (MILLER,
1983; COVIN; SLEVIN, 1991; LUMPKIN; DESS,
1996). Ao desenvolver essa orientação, as organiza-
ções públicas poderiam tornar-se aptas a promover
uma cultura de mudança que em seu âmago estaria
a propagação de um espírito empreendedor no con-
texto da administração pública como na perspectiva
adotada por autores que defendem a manutenção de
uma cultura do management no contexto das organi-
zações públicas. Ressalta-se que apesar de o conceito
de Orientação Empreendedora ser bastante debatido
e discutido na literatura especializada, a discussão
sobre o tema empreendedorismo aqui realizada será
ampliada pela compreensão de diversas abordagens
relacionadas a esse tema.
Este trabalho parte de discussões sobre as aborda-
gens do empreendedorismo: a) econômica (SCHUM-
PETER, 1954; BAUMOL, 1968; KIHLSTROM; LA-
FFONT, 1979); b) comportamental (STEVENSON; JA-
RILLO, 1990; COVIN; SLEVIN, 1991; CUNNINGHAN;
LISCHERON, 1991; BYGRAVE, 1993); corporativa
(MILLER; FRIESEN, 1982; BURGELMANN, 1983;
PINCHOT, 1985; CORNWALL; PERLMAN, 1990;
HASHIMOTO, 2009; DIEFENBACH, 2011); e também
daqueles que aplicam os conceitos dessa escola no
setor público (ROBERTS; KING, 1991; OSBORNE;
GAEBLER, 1992; MORRIS; JONES, 1999; KEARNEY
et al. 2007; KLEIN et al., 2010; DIEFENBACH, 2012;
EMMENDOERFER; VALADARES, 2014).
Enquanto no setor privado as contribuições e
os desafios do empreendedorismo têm sido extensi-
vamente estudados, no setor público, sobretudo no
Brasil, estudos sobre esse assunto são difíceis de serem
encontrados. Possíveis causas dessa limitada produção
nacional seriam: o assunto é recente no Brasil; há pou-
cas evidências verificadas cientificamente; e os setores
público e privado apresentam diferenças importantes
tornando a transposição de práticas complexa e, em
algumas situações, inadequadas. (BERGUE, 2011;
DIENFEBACH, 2011)
Segundo Bergue (2008, p. 2), “[...] o atual ce-
nário da administração pública brasileira revela forte
e sem precedente inclinação para adição de práticas
gerenciais usuais no campo gerencial”. Esse movi-
mento apresenta-se em forma de duas perspectivas: a)
oferta – esforços exógenos que promovem e estimulam
a transferência, como as influências dos conceitos es-
trangeiros; e, b) demanda – a busca das organizações
públicas por inovações gerenciais, como recurso de
legitimação e sobrevivência. No entanto, a apropria-
ção de técnicas gerenciais no setor público apresenta
algumas limitações significativas.
Sobre isso, Bergue (2011) observou que essa prá-
tica tem sido denotada de um caráter parcial, na qual
a ênfase passa a ser no formato e não no conteúdo.
Dessa forma, o reduzido esforço de reflexão crítica (em
que os modelos são importados de casos de sucesso
de outros países, ou, quando adaptado, preservando
seu formato original) favorece a coexistência de ele-
mentos e práticas gerenciais tradicionais e inovadoras
na administração pública.
Estudar o empreendedorismo no setor público
do Brasil torna-se uma oportunidade de pesquisa na
área, a qual é movida por uma inquietação: Quais
cuidados são necessários para a incorporação do
conceito de empreendedorismo na administração
pública brasileira? Frente a tal questionamento, este
ensaio busca ampliar o debate sobre a incorporação do
empreendedorismo no setor público brasileiro através
da revisão de literatura e de reflexões pontuais sobre
o caráter reflexivo que se deve ter ao transpor con-
ceitos do setor privado para o público. Nesse sentido,

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