A incorporacao do direito de greve na constituicao mexicana de 1917/ La incorporacion del derecho de huelga en la constitucion mexicana de 1917.

AutorAbasolo, Ezequiel
CargoTexto en portugues

Introducao

Ao se aproximar a data de comemoracao do centesimo aniversario da promulgacao da constituicao mexicana de 1917, episodio que significou o comeco do constitucionalismo social, neste ensaio me ocupo de recriar o ambiente e os debates que conduziram, pela primeira vez na historia mundial, a admissao da greve como direito fundamental. Esclareco que, na busca por tal objetivo e para alem do inevitavel auxilio que me proprocionou a bibliografia especifica, para a parte mais significativa das minhas reflexoes recorri a consulta das quase 2.300 paginas reunidas nos dois tomos do Diario dos Debates do Congresso Constituinte 1916-1917, publicados em 1960 pela Comissao Nacional para a Comemoracao do Sesquicentenario da Proclamacao da Independencia Nacional e Cinquentenario da Revolucao Mexicana (1). Devo eclarecer, tambem, que esta contribuicao se vincula as atividades do Projeto CyTMA2 da Universidade Nacional de La Matanza, o qual se encontra sob minha direcao e que se denomina "O direito constitucional latinoamericano e suas respostas diante da questao social e a consequente crise da ordem normativa previa. Os casos do Brasil e da Argentina durante as decadas de 1930-1940". Integram a equipe de investigadores os doutores Edgardo Mario Costa (da Universidade de Buenos Aires e da Universidade Nacional de La Matanza), Gustavo Siqueira (da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Jose Daniel D'Amico (da Universidade Nacional de La Matanza).

Itinerario do congresso constituinte mexicano de 1916-1917

Ha mais de meio seculo, um deputado veterano do congresso de 1916-1917, oriundo de Guanajuato e posteriormente ministro da Corte Suprema do Mexico, Hilario Medina (2), apontou que, sim, "a ideia de um Congresso Constituinte, destinado a fixar os principios da Revolucao, nao aparece em nenhum dos primeiros documentos da era que se inicia em marco de 1913". A posterior convocacao de uma assembleia, contudo, nao foi o resultado de "uma improvisacao nem um acaso". Pelo contrario, "vai-se desenhando pouco a pouco; pode-se dizer que se forma a medida que avanca a luta e se tornam mais precisos os seus objetivos; brota do contato das correntes politicas e sociais que tal luta vai desvendando e se coloca claramente quando se sente a necessidade de deixar asseguradas as conquistas da revolucao" (3). Condizente com o mencionado, a convocacao do congresso que acabou aprovando a constituicao de 1917 foi efetuada por decreto de 14 de setembro de 1916 de Venustiano Carranza, antigo governador de Cohahuilla e a epoca PrimeiroChefe do Exercito Constitucionalista e Encarregado do Poder Executivo mexicano (4). Carranza pretendia dar cumprimento aos acrescimos do Plano de Guadalupe, incorporadas, em Veracruz, em de 12 de dezembro de 1914. Conforme previa o seu artigo 4, "com o triunfo da revolucao, reinstalada a suprema chefia na Cidade do Mexico e depois de se efetuarem as eleicoes locais na maioria dos estados da republica, o primeiro-chefe da revolucao, como encarregado do Poder Exceutivo", convocaria "as eleicoes para o Congresso da Uniao, fixando na convocacao a data e os termos em que ditas eleicoes deverao ocorrer". Por outro lado, seu artigo 5 antecipava que "instalado o Congresso da Uniao, o primeiro-chefe da revolucao" proporia "as reformas expedidas e postas em vigor durante a luta, com o fim de que o Congresso as ratifique, emende ou complete, e para que eleve a preceitos constitucionais aquelas que devam ter tal carater, antes de se restabelecer a ordem constitucional" (5). Em funcao do estipulado por esse decreto, as eleicoes para selecionar os deputados constituintes aconteceram em 22 de outubro do mesmo ano, prevendo-se a instalacao formal da assembleia na cidade de Queretaro--localizada a cerca de duzentos quilometros a noroeste do Distrito Federal--para o dia 1 de dezembro. Sem embargo, ja desde o dia 21 de novembro, na medida em que o numero de constituintes presentes permitiu, comecaram os trabalhos das juntas preparatorias. Logo depois, e de acordo com o previsto, em 1 de dezembro deu-se comeco as sessoes ordinarias, com a presenca de Carranza.

As reunioes ocorreram na sede do Teatro Iturbide, o mesmo lugar em que, quase meio seculo antes, havia sido julgado e condenado o imperador Maximiliano. No dia 6 os deputados tomaram conhecimento do projeto subscrito pelo responsavel do Poder Executivo mexicano, em cuja redacao tiveram significativa participacao dois congressistas de solida formacao letrada: o antigo Diretor da Escola de Direito e Reitor da Universidade Nacional Autonoma do Mexico, Jose Natividad Macias, e aquele que terminou atuando como Presidente da Assembleia, Luis Manuel Rojas (6). A primeira comissao de constituicao tambem se estabeleceu em 6 de dezembro, sendo presidida pelo jovem general revolucionario--a epoca com trinta e tres anos--, Francisco Mugica, deputado por Michoacan. Acompanharam-lhe o advogado Enrique Colunga, constituinte por Guanajuato e futuro governador daquele estado, como secretario; o professor Luis G. Monzon, que representava Sonora; o antigo estudante de direito de Yucatan Enrique Recio; e o medico e deputado por Veracruz, Alberto Roman (7). Para acelerar os trabalhos, em 23 de dezembro se formou uma segunda comissao revisora do projeto constitucional. Participaram da mesma o advogado formado em Guadalajara e futuro professor de direito constitucional e direito penal na Universidade Nacional Autonoma do Mexico, Paulino Machorro Narvaez; o ja mencionado Hilario Medina; o medico e deputado por San Luis Potosi, Arturo Mendez; o contador e general revolucionario de Veracruz Heriberto Jara; e o medico e deputado por Nuevo Leon, Agustin Garza Gonzalez (8). As sessenta e seis sessoes ordinarias do congresso foram concluidas em 31 de janeiro de 1917, tendo sido promulgada a nova constituicao no dia 5 de fevereiro. A mesma entrou em vigor em 1 de maio.

Os trabalhadores grevistas no Mexico do comeco do seculo XX e a atitude dos congressistas em relacao a greve

No Mexico que antecedeu a Revolucao a insatistafacao dos operarios em relacao as condicoes de trabalhos vinha suscitando numerosas e contundentes manifestacoes de descontento. Assim, apesar da criminilizacao da greve em virtude do artigo 925 do codigo penal de 1871, calcula-se que durante o governo de Porfirio Diaz se produziram mais de 250 movimentos desta indole, os quais, no dizer de James Cockfort, impactaram principalmente em atividades que, como a dos ferrovirarios, dos mineradores e as das industrias textil e tabajista, mostraram-se mais permeaveis ao investimento estranjeiro e a incorporacao de novos tipos de maquinario (9). A situacao nao se alterou com a Revolucao. Nesse estado de coisas, mais ou menos tolerado durante o governo de Venustiano Carranza, a instabilidade derivada da guera civil levou o Primeiro-Chefe do Exercito Constitucionalista a decretar, em 1 de agosto de 1916, a pena de morte para "todos que incitassem a suspensao do trabalho nas fabricas ou empresas destinadas a prestar servicos publicos ou a propagassem" (10). Nao e demais recordar que ao menos um dos deputados constituintes de Queretaro, Juan Arguirre Escobar, congressista de Zacatecas, integrou o conselho de guerra instalado em virtude do referido decreto, no qual examinou a conduta de alguns grevistas e...

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