A inconstitucionalidade da exclusão do menor sob guarda da condição de dependente do regime geral de previdência social

AutorRaíssa Ismelina Soares de Oliveira
Páginas63-69

Page 63

1. Introdução

Este trabalho aborda sobre os principais aspectos envolvidos na alteração operada na Lei n. 8.213/1991 em seu art. 16. Prevê esse artigo o rol de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social na condição de dependentes. Entre eles está o filho menor não emancipado de qualquer condição e contempla a presunção da dependência econômica sendo desnecessário comprovar que dependia economicamente do segurado, para fins de concessão de benefícios previdenciários.

Antes da alteração realizada pela Medida Provisória n. 1.523/1996, posteriormente convertida na Lei n. 9.528/1997, o § 2º do art. 16 da Lei n. 8.213/1991 contemplava o menor sob guarda como equiparado a filho. Contudo, com a alteração houve a exclusão do menor sob guarda e a exigência de prova da dependência econômica para o menor sob tutela.

Essa alteração na legislação previdenciária conflita com a Constituição Federal de 1988 que, em seu art. 227, prevê a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, materializada no Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n. 8.069/1990, em seu art. 33 que, por sua vez, expressamente declara que crianças e adolescentes sob guarda são dependentes de seu guardião para todos os fins, inclusive para fins previdenciários.

O problema relevante nesta pesquisa é definir se a referida alteração na lei previdenciária se adequa aos direitos das crianças e adolescentes.

O tema evidencia uma análise detalhada sobre o dever do Estado de executar as medidas necessárias para que as crianças e os adolescentes fiquem resguardados de situações que os coloquem em risco ou que lhes tolham o mínimo existencial, sem o qual a dignidade da pessoa humana perde sua validade. Tal tema revela-se de suma importância na medida em que se investiga a possibilidade do sistema normativo estar desamparando aqueles a quem são obrigados a proteger, violando as garantias de proteção previstas na Constituição da República Federativa do Brasil.

Pretende-se neste artigo, primeiramente abordar a evolução legislativa sobre o assunto. Num segundo momento, almeja-se abordar a diferenciação entre os institutos de colocação em família substituta e nessa seara perfazer uma abordagem crítica sobre a constitucionalidade da mudança legislativa. E por fim, pretende-se

Page 64

abordar os argumentos ensejadores da alteração da legislação previdenciária.

2. Evolução legislativa do menor sob guarda na condição de dependente

Segundo Tsutiya (2013), na falta do arrimo da família, a sociedade entendeu por bem proteger os que dele dependiam, fazendo assim surgir a figura do dependente como beneficiário da Previdência Social. A redação original do 2º do art. 16 da Lei n. 8.213, de 1991 trazia que enteados, menores tutelados e do menor que por determinação judicial se achava sob a guarda do segurado como equiparados a filho, median-te declaração do segurado.

Contudo, a Medida Provisória n. 1.523, de 11 de outubro de 1996, mais tarde convertida na Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997, alterou o texto desse artigo supracitado passando a ter a redação da seguinte forma: "§ 2º o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento". Essa nova redação excluiu o menor sob guarda do rol dos dependentes e ainda impôs ao enteado e o menor tutelado o ônus da comprovação de sua dependência econômica.

Ora, tal imposição é considerada injusta e ilógica, da mesma forma a que a retirada do menor sob guarda da condição de dependente é inconstitucional. A Consolidação das Leis do Trabalho e a Constituição Federal dispõem que é vedado qualquer tipo de trabalho ao menor de 16 anos, salvo a partir de seus 14 anos, na condição de aprendiz. Conclui-se assim que a dependência econômica dos menores é presumida, pois estes não podem prover seu próprio sustento. Dessa forma, se o segurado falecesse e fosse tutor de uma criança de 10 anos, por exemplo, seria perturbador prever que esta poderia se manter por seus próprios meios.

Além disso, o § 4º do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, ao equiparar o menor tutelado e o enteado a filho, estabelece que a dependência econômica dos filhos menores e não emancipados é presumida, ou seja, não necessita de prova. Se a dependência econômica não é exigida dos filhos não deveria ser dos enteados, tutelados e, por conseguinte, do menor sob guarda.

Ademais, não é justificável distinguir o menor sob guarda do menor tutelado deixando apenas este como dependente. Dessa maneira, fere-se o princípio da isonomia caracterizando-se em discriminação, pois os institutos da guarda e da tutela são similares e ambos têm a pretensão de proteger o menor em situação de vulnerabilidade.

Para que o menor sob guarda e enteado e o menor tutelado, sem prova da dependência econômica, possam fazer jus ao benefício, teriam que ter preenchido os requisitos até o dia 11 de outubro de 1996, data do advento da MP n. 1.523. Porém, no caso do segurado que falece após a vigência da MP, no ponto de vista de Santos (2014), não haveria direito adquirido, pois a relação jurídica entre dependente e previdência só se materializa quando do falecimento do segurado ou de seu recolhimento à prisão, não há que se falar em direito adquirido. Além disso, no caso dos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão, aplica-se a legislação vigente no momento da ocorrência do fato gerador em decorrência do princípio do tempus regit actum. Nesse caso, se o fato gerador é a morte do segurado, a lei vigente na data da morte é que será aplicada ao caso.

Porém, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 1990, em seu art. 33, § 3º dispõe que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins, inclusive previdenciários.

3. Institutos de colocação em família substituta

O ordenamento jurídico brasileiro eleva a família ao status de base, alicerce de toda organização social como prevê o art. 226, caput, da Constituição Federal: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, objetivando cumprir os preceitos constitucionais de que toda criança ou adolescente deve crescer em uma família, adotou a regra de que os filhos devem permanecer em sua família biológica, sendo a colocação em lar substituto uma medida de caráter excepcional, aplicada apenas em casos específicos, quando os direitos da criança ou adolescente tiverem sido ameaçados ou lesados, e desde que previamente submetida aos procedimentos legais cabíveis.

Desse modo, os institutos da adoção, da tutela e da guarda se mostram voltados a colocar crianças e adolescentes em família substituta, de forma a garantir-lhes a convivência familiar nos casos em que não podem permanecer com a família biológica.

Quando da colocação de uma criança ou adolescente em família substituta devem ser obedecidos os critérios do Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 28 e 29, que para Liberati (2009, p. 3) são:

  1. a oitiva da criança e do adolescente, sempre que possível e com consideração de sua opinião;

  2. observação do grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade entre a criança ou o

    Page 65

    adolescente e os requerentes do pedido de colocação em família substituta, com o objetivo de minorar as consequências da medida;

  3. a família deve oferecer ambiente familiar adequado, devendo ainda o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT