Impactos da Reforma Trabalhista na jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho relacionada ao direito individual do trabalho

AutorLeticia Aidar/Rogério Renzetti/Guilherme de Luca
Páginas95-105

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1. Introdução

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, também denominada de “Reforma Trabalhista”, “altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n.s 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho” provoca profundas modificações nas relações de trabalho no país.

O texto, aprovado sem vetos, modifica mais de 100 dispositivos da CLT e provoca impactos em mais de setenta grandes temas afetos ao direito do trabalho e ao direito processual do trabalho.

A nova Lei trabalhista entrará em vigor no dia 11 de novembro de 2017, ou seja, no prazo de 120 dias a partir de sua publicação (art. 6º), que se deu em 14 de julho de 2017. Referido período de vacatio legis se presta justamente para que o intérprete possa dimensionar ou, ao menos, tentar dimensionar o impacto que as modificações introduzidas provocarão no cotidiano das relações sociais. Assim, alterações legislativas de média e grande magnitude necessitam sejam de um período razoável de vacância, justamente para que haja uma melhor acomodação e discussão, principalmente no âmbito doutrinário.

Grandes temas do direito do trabalho e do direito processual do trabalho sofreram substanciais modificações que, inevitavelmente, irão refletir na jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciada em suas Súmulas e orientações jurisprudenciais. Mas, não é só. A Reforma Trabalhista ainda provoca significativos impactos na jurisprudência já pacificada no âmbito das Seções de Dissídios Individuais 1 e 2, bem como da Seção de Dissídios Coletivos.

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Diante desse cenário, objetiva-se com o presente trabalho identificar de forma pontual quais são as Súmulas e orientações jurisprudenciais que, em primeira análise, deverão ser canceladas pelo C. Tribunal Superior do Trabalho, em virtude de sua patente incompatibilidade com o texto normativo aprovado.

2. Impactos nas Súmulas e OJs relacionadas ao direito material do trabalho
2.1. Princípio da estabilidade financeira e a supressão da gratificação de função (Súmula 372 do TST)

Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.

A Súmula 372 do TST trata do tema nos seguintes termos:

Súmula 372 do TST – GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES.

I – Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não podera retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira.

II – Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação.

De acordo com a Reforma, a CLT passa a prever expressamente que a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função (art. 468, §§ 1º e 2º)

A doutrina já criticava o entendimento consolidado no qual o TST entendia pela incorporação de salário-condição sem previsão legal, de modo a permitir ao empregado o recebimento de gratificação de função sem ocupação do cargo respectivo.

2.2. Supressão das horas extras prestadas com habitualidade (Súmula 291 do TST)

O art. 8º da CLT passa a prever que “Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”.

Por sua vez, a Súmula 291 do TST, que trata da supressão das horas extras prestadas com habitualidade, consagra o entendimento de que “a supressão total ou parcial, pelo empregador, de serviço suplementar prestado com habitualidade, durante pelo menos 1 (um) ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de 1 (um) mês das horas suprimidas, total ou parcialmente, para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal”.

As horas extras devem ser pagas enquanto são prestadas. Trata-se de salário condição. Não obstante, a Súmula 219 do TST prevê obrigação não prevista em lei, contrariando a novel legislação. A ideia do verbete é de que o trabalhador tem um salário baixo e faz horas extras

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para poder sobreviver. A partir de um ano, elas são consideradas habituais e o trabalhador passa a contar com elas no seu orçamento. A supressão delas causa-lhe prejuízos e, embora não haja incorporação, é o caso de o empregador pagar uma indenização.3

Todas essas Súmulas, que criam obrigações não previstas em lei, fora de hipóteses excepcionais, estão fadadas ao cancelamento. Não se trata, aqui, de transformar o juiz em mero “bouche de la loi”, como pareceu querer o legislador reformista, pois, ao fim e ao cabo, nada impede que o juiz, utilizando-se das tradicionais regras de hermenêutica, alcance as chamadas interpretações declarativas, restritivas ou, até mesmo, extensivas. Pensar diferente é inibir a atuação do Poder Judiciário.

2.3. Prescrição total e parcial diante da alteração e do descumprimento do pactuado (Súmula 294 do TST)

Tratando-se de ação que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei. É o que dispõe a Súmula 294 do TST ao tratar da prescrição da pretensão que pretende atacar a alteração do pactuado.

No tocante à prescrição total e à parcial a Reforma acolhe a teoria do ato único do empregador tanto para os casos de alteração como para os casos de descumprimento do pactuado. Antes, referida teoria limitava-se aos casos de alteração do pactuado.

Atenção para o fato de que antes da Reforma não se aplicava a Súmula 294 para hipóteses que não configurassem alteração contratual. Isso porque a Súmula só fala em alteração do pactuado. Com efeito, o TST entende que tal verbete se aplica única e exclusivamente às situações fáticas em que há alteração do pactuado.

Portanto, sempre que o empregador simplesmente descumprisse o pactuado, como, por exemplo, deixasse de pagar (ou de fazer, como no caso de reenquadramento), mas disso não decorresse alteração do pactuado, a prescrição seria parcial.4

Logo, o TST tem jurisprudência pacífica no sentido de que o pedido de prestações sucessivas que dá origem à prescrição parcial surge em virtude do descumprimento do pactuado e não de sua alteração (que gera a prescrição total) situação que afasta a aplicação da Súmula n. 294 do TST. Há, a propósito, precedentes da SBDI-1, cuja ementa foi transcrita no início deste tópico.

Com a Reforma, esse entendimento está parcialmente superado. O § 2º do art. 11 é expresso ao estabelecer que se tratando de pretensão que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração ou descumprimento do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.

Portanto, a prescrição total, com a Reforma Trabalhista, passa a se aplicar a uma gama muito maior de situações, não mais se restringido às hipóteses de alteração do pactuado.

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2.4. Tempo à disposição e atividades particulares do empregado (Súmula 366 do TST)

O TST entende, quanto aos minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho, que não serão descontadas nem computadas como jornada extra-ordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc).

No entanto, com a Reforma, a CLT passa a elencar uma série de situações para as quais a permanência do empregado no estabelecimento patronal não é considerada trabalho para fins de jornada e remuneração, conforme art. 4º, § 2º, verbis:

§ 2° Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que...

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