Imogene ao trabalho

AutorPierre Legrand
Páginas101-130
101
II
Imogene ao
trabalho
Imogene toma assento na Biblioteca de Direito
da Universidade de Cambridge. Trata-se de uma jovem
comparatista de origem brasileira, formada em
Faculdades de Direito do Brasil e da França, tendo
realizado dois anos de estudos em Filosofia alemã em
Berlim, Doutora em Direito pela Universidade de
Oxford, especialista naquilo que no Brasil é chamado
de “Direito Societário”. Trata-se aqui de observá-la
em seu trabalho de comparação durante as duas semanas
que ainda lhe restam antes de voltar para o Brasil, tendo
em vista que o escritório de advocacia empresarial de
Brasília onde em breve realizará um estágio lhe solicitou
um texto de cerca de vinte páginas sobre o Direito das
derivate actions” na Inglaterra (um tema que no Brasil
a teria levado a estudar a “ação de responsabilidade de
administradores”). E Imogene quer agradar!
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PIERRE LEGRAND
Notemos desde logo a perspicácia da concep-
ção de Imogene sobre seu trabalho como compara-
tista (ainda que sejam poucos os comparatistas que
reflitam sobre a comparação): mesmo antes de ela
começar a procurar aquilo que ela ambiciona identi-
ficar – o porquê do Direito estrangeiro – ela tem
plena consciência de que é ela que está prestes a de-
senvolver esse trabalho sobre o Direito inglês, ela e
não outra pessoa qualquer, que promoveria, justa-
mente, uma outra leitura da comparação de sistemas
jurídicos. Imogene, portanto, conduzirá sua pesquisa
na primeira pessoa do singular. Como ela sabe que o
comparatista nunca está ausente dos textos nos quais
se inscrevem suas comparações, e como ela admite
sem resistência que qualquer comparação, seja ela qual
for, nunca é neutra, mas inevitavelmente tendencio-
sa e prescritiva, Imogene escreverá “eu”, corajosa-
mente. Ela não se esconderá sobretudo por trás de um
infame “nós” (etimologicamente, o “infame” é o
não-atribuível). O comparatista não é um sem-lugar
(seria fácil sustentar que ele está a cem léguas de ser
um sem-lugar). Se Imogene rapidamente percebeu
que suas certezas estavam situadas, ela também logo
descobriu que, mesmo quando ela duvida, ela duvida
na “sua” língua, bem como em suas concepções ju-
rídicas. E pelo fato de ela não poder emancipar o
Direito estrangeiro da sua redação (mesmo depois que
a tinta estiver finalmente fixada, a reabsorção da vida
do Direito estrangeiro pelo papel não suprime a

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