O ICMS e as remessas para fins específicos de exportação - responsabilidade tributária e presunções legais

AutorEduardo Perez Salusse - Juliana Furtado Costa Araújo
CargoJuiz da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo. - Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP.
Páginas47-58

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1. Introdução

O tema que ora enfrentamos tem como pano de fundo a identificação da incidência ou não do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, inter-municipal e de comunicação ("ICMS") em operações feitas por contribuintes que remetem mercadorias a outro, com fim específico de exportação, naquelas operações comumente chamadas de "exportação indireta".

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Os pontos nodais que merecem alguma reflexão, dizem respeito à responsabilidade tributária dos envolvidos em uma operação de exportação indireta, seja no que diz respeito ao tratamento do ICMS nas operações antecedentes, seja em relação às remessas para contribuintes que não são necessariamente os exportadores diretos.

Referimo-nos, especialmente, aos dilemas enfrentados pelos partícipes (a) nas operações de remessa para fins específicos de exportação a empresas que não necessariamente são caracterizadas, no momento da remessa, como tradings ou comerciais exportadoras, (b) nas operações de remessa para fins específicos de exportação a empresas que realizam mais uma etapa na cadeia de comercialização interna, revendendo tais mercadorias ao efetivo exportador direto, e, ainda, (c) nas operações de remessa para fins específicos de exportação que não chegam a sair do território nacional.

O adequado posicionamento destas si tuações em nosso ordenamento jurídico, sobretudo à luz do comportamento e da responsabilidade do contribuinte que dá azo à primeira remessa de mercadorias para fins específicos de exportação, é missão necessária a atribuir a devida previsibilidade sobre a interpretação que lhes será dada pelos órgãos fiscalizatórios e judicantes, dentro da esperada segurança jurídica decorrente de um sistema racional formal em um Estado Democrático de Direito.

As presunções tributárias situam-se no cerne da controvérsia, de modo a revestirem as operações em debate de definitividade presumida à luz do direito tributário, atraindo, por consequência, a incidência das normas que atribuem diferentes responsabilidades aos sujeitos envolvidos na relação jurídica.

E isto ganha destacada importância por força de divergentes entendimentos encontrados no âmbito da própria administração pública estadual, seja por ocasião de exigências tributárias no bojo de autos de infração, seja em julgamentos no âmbito de processos administrativos tributários, notadamente quanto à presunção legal de que aquela mercadoria será efetivamente exportada pelo adquirente-exportador.

São estas as questões que serão tratadas ao longo do presente artigo.

2. Desoneração do ICMS na exportação "direta ou indireta" - Interpretação teleológica da norma

Sabe-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, inciso X, "a", dispõe que o ICMS não incidirá sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.

No inciso XII deste mesmo dispositivo constitucional, atribuiu-se competência à lei complementar para excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a".

A Lei Complementar 87/1996 ("LC 87/1996"), por sua vez, em seu art. 3º, II, exclui da incidência do ICMS as operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados, ou serviços.

A despeito da literalidade dos textos legais, é evidente que a finalidade da norma é exatamente desonerar os produtos internos destinados ao exterior e permitir ao país maior competitividade no mercado nacional. Este preceito não deve e não pode ser interpretado restritivamente, devendo alcançar todas as operações que tenham o exterior como destino final.

Referimo-nos, evidentemente, ao tratamento nas operações intermediárias, vale dizer, aquelas praticadas anteriormente à operação final de remessa ao exterior em uma exportação, chamadas de exportação indireta.

A desoneração atribuída a tais opera-ções enquadra-se exatamente neste contexto interpretativo, a despeito da resistência das

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autoridades fiscais estaduais em assim reconhecer. Preferem, ao contrário, aderir à tão limitada interpretação literal dos textos legais.

Neste contexto, são oportunos os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, salientando que a norma jurídica deve ser aplicada não apenas em função de seu texto literal, como deve considerar a finalidade para que tal sistemática viesse a ser introduzida no ordenamento jurídico. Neste sentido, sustenta: "Bem sabido que não se pode priorizar qualquer das dimensões semióticas em detrimento das demais. Todavia, o momento semântico, num exame mais apurado sobre o tema que ora tratamos, chama a atenção pela maneira intensa como qualifica e determina as questões submetidas ao processo dialógico que prepara a decisão ou conclusão. Daí exclamar Alfredo Augusto Becker, cheio de força retórica, que o jurista nada mais seria que o semântico da linguagem do direito. A ele cabe a árdua tarefa de examinar os textos, quantas vezes obscuros, contraditórios, penetrados de erros e imperfeições terminológicas, para captar a essência dos institutos, surpreendendo, com nitidez, a função da regra, no implexo quadro normativo".1Ao tratar do assunto, Hugo de Brito Machado expõe que "mesmo na hipótese de saídas de mercadorias realizadas com o fim específico de exportação, e destinada a empresa comercial exportadora, armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro, pode ser considerada válida a norma isentiva, porque a razão da isenção é a mesma, vale dizer, estimular as exportações".2Roque Antonio Carrazza caminha na mesma esteira, ao defender: "Também não incide ICMS quando o serviço de transporte internacional é efetuado por uma ou mais empresas. Explicamo-nos melhor. Não raro, a empresa contratada realiza o serviço de transporte internacional por etapas. Do local de origem da mercadoria até a divisa com o país vizinho o transporte é feito com o mesmo veículo. Na fronteira a mercadoria é trasladada para um veículo apropriado e levada até o local de destino, no exterior. (...) Mesmo assim, a nosso ver, o ICMS não é devido. Por quê? Simplesmente porque há, na espécie, um único serviço de transporte. Apenas sua execução se faz em etapas. Portanto, mesmo quando a mercadoria, para alcançar seu destino final no exterior, for transbordada, ainda que com o concurso de outra empresa, não há, na espécie, incidência de ICMS".3Ao tratar do tema da desoneração do transporte de mercadorias à exportação à luz do art. 3º da LC 87/1996, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de embargos de divergência,4declarou que "sob o aspecto teleológico, a finalidade da exoneração tributária é tornar o produto brasileiro mais competitivo no mercado internacional". E, ainda, que "interpretação em sentido diverso implicaria em ofensa aos princípios da isonomia e do pacto federativo, na medida em que se privilegiaria empresas que se situam em cidades portuárias e trataria de forma desigual os diversos Estados que integram a Federação".

Este entendimento tem prevalecido reiteradamente, permitindo-nos afirmar que resta sedimentado no âmbito daquela Corte5 que a isenção prevista no art. 3º, II, da LC 87/1996 tem por finalidade a desoneração do comércio exterior como pressuposto para o desenvolvimento nacional com a diminuição das desigualdades regionais pelo primado do trabalho.

Como conclusão primeira, afirmamos que tais precedentes deixam claro que o objetivo das regras é a desoneração de produtos

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brasileiros destinados ao exterior, atribuindo-lhes melhores condições competitivas, atingindo as exportações diretas ou indiretas.

3. Direito à manutenção do crédito - Exportação indireta

Esta hipótese de isenção ou não incidência figura como exceção ao disposto no art. 155,§2º, II, da Constituição Federal de 1988, que veda o direito ao crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes e acarretam a anulação do crédito relativo às operações anteriores. Em outras palavras, nas operações de exportação não incide o ICMS e é assegurada a manutenção e o aproveitamento dos créditos de ICMS cobrados nas operações ou prestações anteriores.

Tem-se, então, regra específica a disciplinar a "exportação indireta", tratada no art. 3º, parágrafo único, da LC 87/1996. Este dispositivo equipara às operações de exportação a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinada a empresa comercial exportadora, inclusive tradings companies ou outro estabelecimento da mesma empresa e armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.

O Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, em seu art. 7º, V, § 1º, 1, "a", reproduz o texto do art. 3º da LC 87/1996, disciplina que o ICMS não incide sobre (Lei Complementar Federal 87/1996, art. 3º, Lei 6.374/1989, art. 4º, na redação da Lei 10.619/2000, art. 1º, III; Convênios ICM-12/75, ICMS-37/90, ICMS-124/93, cláusula primeira, V, 1, e ICMS-113/96, cláusula primeira, parágrafo único) a saída de mercadoria com destino ao exterior e a prestação que destine serviço ao exterior. Da mesma forma do quanto disposto...

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