ICMS

AutorSalette Nascimento
Páginas22-38

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Salette Nascimento - [Truncado na gravação] iniciaremos os nossos trabalhos, com o eminente professor Roque Antônio Carrazza, que discorrerá sobre incentivos fiscais e direito de crédito. Sua Excelência é professor e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E professor titular da cadeira de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; chefe do Departamento de Relações Tributárias Econômicas e Comerciais da mesma faculdade; coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito. É autor de inúmeras obras, entre elas apenas algumas: Curso de Direito Constitucional Tributário, já em sua 28â edição - que é a nossa "bíblia", do operador do Direito. Também ICMS, Imposto sobre a Renda e tantos outros. E sem mais, não querendo tomar o tempo, já com a palavra, o eminente professor.

Incentivos Fiscais e Direito de Crédito

Roque Antônio Carrazza - 1. Bom dia a todos. É uma grande honra, para mim, participar deste XXVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário que, como todos concordam, é o "pai" de todos os congressos de Direito Tributário, em nosso País. E minha honra é redobrada por integrar essa mesa de debates, sob a presidência da De-sembargadora Federal Salette Nascimento e ao lado dos Professores Estevão Horvath, Alcides Jorge Costa e José Eduardo Soares de Melo, grandes amigos e eminentes juristas, que muito estimo e admiro.

Sempre a propósito, é com satisfação que registro que, para grande alegria de todos nós, o Professor José Eduardo Soares de Melo acaba de conquistar, por concurso - brilhantemente, como não poderia deixar de ser -, o cargo de professor titular da cadeira de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Receba, de público, Professor José Eduardo, meus efusivos cumprimentos.

Antes de começar a minha fala propriamente dita, peço vênia para fazer duas saudações especiais. A primeira, ao Professor Ayres Barreto que, voluntariamente, deixou a presidência do Instituto Geraldo Ataliba - IDEPE, depois de havê-lo liderado, com proficiência, por mais de vinte anos. E, a segunda saudação, à professora Maria Leonor Leite Vieira, nova presidente do Instituto, a quem desejo uma gestão igualmente marcada pelo bom êxito.

2. Muito bem. Conforme anunciado, fui incumbido, dentro do tema geral ICMS, de falar-lhes sobre incentivos fiscais e aproveitamento de créditos.

Indo logo ao ponto, lembro que a Constituição Federal não criou nenhum tributo, mas deu competências para que as pessoas políticas, querendo, venham a fazê--lo. Ela também classificou os tributos em espécies e subespécies. Fez mais: traçou a regra matriz (o arquétipo, a norma padrão de incidência) das várias espécies e subespécies tributárias.

Noutros falares mais técnicos, a Constituição Federal, direta ou indiretamente, indicou a hipótese de incidência possível,

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o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e, em termos mais genéricos, até mesmo a alíquota possível de cada imposto, de cada taxa, de cada contribuição.

Ora, isso vincula as pessoas políticas. Assim - e já me aproximando do tema central - quando os Estados-membros e o Distrito Federal criam o ICMS, em seus vários núcleos de incidência, não criam, nem podem criar, qualquer tributo, apenas tendo o cuidado de pespegar-lhe esse rótulo (ICMS). Não. Quando os Estados-membros e o Distrito Federal criam o ICMS, devem fazê-lo, olhos fitos na Constituição Federal, mais especificamente em seu art. 155, II, e nos § 2º a 5º deste mesmo artigo. O que estou pretendendo significar é que a legislação complementar de regência - mormente a Lei Complementar 24, de 1975, e a Lei Complementar 87, de 1996 -deve ser interpretada e aplicada em sintonia com estes ditames constitucionais.

3. Avançando o raciocínio, o ICMS, na verdade, não passa de uma sigla, que serve para designar pelo menos cinco impostos diferentes; a saber: o imposto sobre operações mercantis; o imposto sobre prestações onerosas de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal; o imposto sobre prestações onerosas de serviços de comunicação; o imposto sobre a importação, a circulação, a distribuição e o consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e, o imposto sobre a extração, a circulação, a distribuição e o consumo de minerais. São impostos diferentes, exatamente porque têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes.

Ninguém da área jurídico-tributária ignora que o que distingue um tributo do outro não é a denominação que recebe, nem, tampouco, a destináção do produto de sua arrecadação. Não. O que distingue um tributo do outro é sua hipótese de incidência, confirmada por sua base de cálculo, como, de resto, didaticamente estabelece o art. 4a do Código Tributário Nacional.

Uma coisa, no entanto, é certa: todos esses ICMS possuem um núcleo central comum, pelo que devem obedecer aos mesmos princípios constitucionais, entre os quais sobreleva o principio da não cumula-tividade, veiculado no art. 155, § incisos I e II, da Lei Maior.

4. Não vou maçá-los com obviedades, até porque sei que os colegas congressistas são estudiosos no assunto. Mesmo assim, eu me permito recordar, meteoricamente, que, pelo principio da não cumulatividade do ICMS, é assegurada ao contribuinte, em cada operação ou prestação, uma dedução correspondente ao montante de imposto devido, nas operações ou prestações anteriormente realizadas. A quantia a ser desembolsada pelo contribuinte, a título de ICMS, é o resultado de uma subtração, que tem, por minuendo, o total devido e, por subtraendo a soma dos créditos acumulados nas operações ou prestações anteriores, tributadas ou tributáveis por meio de ICMS.

Podemos afirmar, pois, parafraseando o Mestre Geraldo Ataliba, que o ICMS tem duas moedas de pagamento: a moeda comum (a moeda de curso forçado, a moeda corrente, atualmente o Real) e os créditos. Quê créditos? Os créditos provenientes das operações ou prestações anteriormente realizadas, que podem, até, não ter resultado no efetivo recolhimento do ICMS. De fato, como, de longa data, ensina o eminente Professor Alcides Jorge Costa, basta, para que estas operações ou prestações gerem créditos, que tenham sido tributáveis, vale dizer, passíveis de tributação por meio de ICMS.

4.1 Há exceções ao principio da não cumulatividade do ICMS? Há. Onde estão? Na Constituição Federal. E nem poderia ser de outro modo, pois, na medida em que o principio da não cumulatividade do ICMS tem sede constitucional, eventuais exceções a esse postulado só poderiam estar, mesmo, insertas na Constituição Federal.

Pois bem, as exceções ao princípio da não cumulatividade do ICMS são duas: a isenção e a não incidência, que, diga-se

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de passagem, podem cair por terra, se a legislação dispuser em sentido contrário. O assunto vem regulado no art. 155, § II, alíneas a e Z?, da Constituição Federal, que estabelece que a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de ICMS para compensação com o montante de tributo devido nas operações ou prestações seguintes, e acarretará a anulação do crédito relativo às operações ou prestações anteriores.

E importante termos presente que não há, em nosso sistema constitucional tributário, uma terceira exceção ao princípio da não cumulatividade do ICMS. Chega-se a essa conclusão por meio da interpretação, a contrario sensu, do art. 155, § 2º, inciso II, alínea a, da nossa Lei Suprema. De fato, "se a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes", segue-se que, em todas as demais hipóteses, haverá direito de crédito. Inclusive quando, em operações ou prestações interestaduais, forem concedidos incentivos não respaldados em convênio, ou seja, ao arrepio do disposto no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da Constituição.

Vamos desenvolver, um pouco melhor, esse raciocínio.

  1. É ponto pacífico que o ICMS é um imposto de feições nacionais, ou se preferirmos, de vocação nacional. Nesse particular, ele muito se assemelha ao IVA europeu, ao imposto sobre valor agregado.

    Aliás, atualmente, o IVA é mais do um imposto nacional; é um imposto internacional, já que é cobrado em toda a comunidade européia.

    E, no entanto, como todos sabemos, o ICMS, no Brasil, é um imposto regional ou, em linguagem mais técnica, um imposto instituído e cobrado pelos Estados--membros e, em seu território, também, pelo Distrito Federal.

    Não é a toa que, quando os tributa-ristas estrangeiros nos visitam e tomam conhecimento de que o IVA brasileiro -assim eles chamam o nosso ICMS - e um tributo cobrado pelas Províncias - assim eles chamam os nossos Estados-membros e o Distrito Federal -, eles se surpreendem. Tanto que, invariavelmente indagam: "Mas isso não gera conflitos?" Adaptando a pergunta à nossa realidade jurídica, o que eles querem saber é se o caráter regional do ICMS não provoca a guerra fiscal entre as Unidades Federadas.

    Quando inquirido a respeito, sempre começo por dar uma resposta técnica: "Não, porque a Constituição Federal, em seu art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, estabelece que isenções, incentivos e benefícios fiscais, em matéria de ICMS, só são válidos se advierem de convênios, celebrados e ratificados por todos os Estados-membros, mais o Distrito Federal". Mais: quando a ocasião é propícia, acrescento que a edição de tais convênios encontra-se minuciosamente disciplinada na Lei Complementar 24/75 e na Lei Complementar 87/96 (a Lei Kandir).

    Ocorre, porém, que os tributaristas estrangeiros quase nunca se satisfazem com a minha resposta técnica. Pragmáticos, querem saber se o sistema funciona na prática. E aí sou obrigado a admitir que não. Não funciona - explico - porque muitos Estados-membros e o próprio Distrito Federal, para atraírem...

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