Horizontes jusfilosóficos da previsibilidade das decisões judiciais

AutorRafael de Oliveira Costa
CargoMestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Páginas561-594

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IssN Eletrônico 2175-0491

HORIZONTES

JUSFILOSÓFICOS DA PREVISIBILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS

JUSPHILOSOPHICAL HORIZONS OF THE PREDICTABILITY OF LEGAL DECISIONS

LOS HORIZONTES IUSFILOSÓFICOS DE LA PREVISIBILIDAD DE LAS DECISIONES

JUDICIALES

Rafael de Oliveira Costa1 1 Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade FedePromotor de Justiça no Estado de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)/Universidade de Wisconsin (EUA). Mestre e Doutor em Direito pela universidade Federal de Minas erais (uFM ). Endereço proissional: Passeio Parati,
n. 51 , Ilha Solteira SP. E-mail: rafaelcosta@ufmg.br.

Revista Novos Estudos Jurídicos - Eletrônica, Vol. 20 - n. 2 - mai-ago 2015

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Resumo: A partir da multiplicação do número de processos e da busca pela celeridade na prolação da decisão, os aplicadores do direito passaram a inverter o processo hermenêutico para adequar a ordem jurídica ao sentido pretendido, partindo não mais do texto legal, mas do sentimento próprio de justiça. Isso resultou numa forte guinada para a subjetividade, em prejuízo da previsibilidade das decisões. Por este motivo, a doutrina se depara sempre com o questionamento acerca da possibilidade de se reduzir a subjetividade na interpretação. No intuito de tornar efetivo esse desiderato, o presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância da hermenêutica ilosóica na redução da subjetivi-dade do aplicador do Direito, perpassando pelas contribuições de Schleiermacher, Dilthey, Husserl e Gadamer, e atentando para a necessidade de se deinir um processo hermenêutico apto a prov-er o respeito ao controle das opções interpretativas.

Palavras-chave: Hermenêutica ilosóica. Previsibilidade. Subje-

Subje-

Abstract: The proliferation of legal procedures, and the search for celerity in the

decision-making process, have led numerous jurists to invert the hermeneutical process by adjusting the legal order to its intended meaning, no longer considering legal texts, but relying, instead, on their own sense of justice. This has resulted in a move towards subjectivity, to the detriment of predictability of the decisions. As a result, the doctrine always faces the question of the possibility of reducing subjectivity in the interpretation. In order to make this desirable state effective, this work attempts to demonstrate the importance of philosophical hermeneutics for reducing subjectivity in judicial decisions. It notes the contributions of Schleiermacher, Dilthey, Husserl and Gadamer, and the need to deine a herme-neutical process capable of controlling the interpretative options.

Keywords: Philosophical Hermeneutics. Predictability. Subjectivity.

Resumen: A partir de la multiplicación del número de procesos y de la búsqueda de la celeridad en la prelación de la decisión, los aplicadores del derecho pasaron a invertir el proceso hermenéuti-

Disponível em: www.univali.br/periodicos

tividade.

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co para adecuar el orden jurídico al sentido pretendido, partiendo ya no del texto legal sino del sentimiento propio de justicia. Eso resultó en un fuerte viraje hacia la subjetividad, en perjuicio de la previsibilidad de las decisiones. Por este motivo, la doctrina se depara siempre con el cuestionamiento acerca de la posibilidad de reducir la subjetividad en la interpretación. Con la intención de hacer efectivo ese desiderátum, el presente trabajo tiene como objetivo demostrar la importancia de la hermenéutica ilosóica en la reducción de la subjetividad del aplicador del Derecho, pasando por las contribuciones de Schleiermacher, Dilthey, Husserl y Gadamer, y atendiendo a la necesidad de deinir un proceso her-menéutico apto a proveer el respeto al control de las opciones interpretativas.

Palabras clave: Hermenéutica ilosóica. Previsibilidad. Subjetivi-dad.

norma jurídica, por conter uma previsão abstrata, será sempre marcada por certa indeterminação em seu sentido, que só é concretizada no momento em que proferida a decisão judicial.

A divergência sobre qual deva ser sentido da norma jurídica faz parte do discurso jurídico.3Portanto, certa indeterminação na interpretação do Direito e a sua previsibilidade são garantias que devem ser observadas no contexto do Estado Democrático de Direito.42 O autor agradece aos Professores Aloízio onzaga de Andrade Araújo e Maria helena DaO autor agradece aos Professores Aloízio onzaga de Andrade Araújo e Maria helena Damasceno e Silva Megale, em razão das inúmeras contribuições para a objetividade e cientiicidade da abordagem que se pretende conferir ao presente trabalho.
3 IDAL , Marcelo Furtado. A interpretação e o (im)previsível: estudo sobre a imprevisibilidade das decisões judiciais na perspectiva da hermenêutica ilosóica e do círculo hermenêutico. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito. universidade Federal de Minas erais. Belo horizonte, 200 , p. 0 .
4 IDAL , Marcelo Furtado. A interpretação e o (im)previsível: estudo sobre a imprevisibilidade das decisões judiciais na perspectiva da hermenêutica ilosóica e do círculo herme-

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INTRODUÇÃO2

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Assim, o intérprete deve perceber que a indeterminação na interpretação do Direito e a imprevisibilidade das decisões judiciais são fenômenos distintos, mas que se complementam.5

A indeterminação na interpretação do Direito é uma característica do fenômeno jurídico e decorre da complexidade da normatização de condutas, o que não impede que o destinatário da norma saiba com antecedência como agir para cumprir o Direito.6De outra forma, a imprevisibilidade das decisões judiciais se refere à inluência da subjetividade de juízes e tribunais no processo de tomada da decisão, de modo que a aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto torna-se imprevisível.7

É, portanto, com absoluta razão que Canotilho, ao cuidar dos padrões estruturantes do Direito e dos princípios que regem o Estado Democrático aduz que

Partindo da idéia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planiicar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito os dois princípios seguintes: - o princípio da segurança jurídica; - o princípio da coniança do cidadão. Como se verá, estes princípios apontam sobretudo para a necessidade de uma conformação formal e material dos actos legislativos. Daí que andem também associados à moderna teoria da legislação preocupada em racionalizar e optimizar os princípios jurídicos de legislação inerentes ao Estado de direito.8

No referente ao princípio da proteção da coniança, explica Canotilho que o

nêutico, p. 0 .
5 IDAL , Marcelo Furtado. A interpretação e o (im)previsível: estudo sobre a imprevisibilidade das decisões judiciais na perspectiva da hermenêutica ilosóica e do círculo hermenêutico, p. 0 .
6 IDAL , Marcelo Furtado. A interpretação e o (im)previsível: estudo sobre a imprevisibilidade das decisões judiciais na perspectiva da hermenêutica ilosóica e do círculo hermenêutico, p. 0 .
7 IDAL , Marcelo Furtado. A interpretação e o (im)previsível: estudo sobre a imprevisibilidade das decisões judiciais na perspectiva da hermenêutica ilosóica e do círculo hermenêutico, p. 0 .
CANOTILhO, Joaquim José omes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Almedina: Coimbra, 2002, p. 75.

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[...] cidadão deve poder coniar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas.9A objeção de que o Direito jamais poderia ser previsível é afastada não só pela doutrina, mas também pelas iguras jurídicas criadas pelo legislador. Na seara doutrinária, a Análise Econômica do Direito pretende, a partir de institutos da ciência econômica, fornecer uma nova racionalidade (metodologia) para a aplicação do Direito. No viés dogmático, diversas iguras reletem a previsibilidade, tais como as referências do CPC à verossimilhança na antecipação de tutela, permitindo ao juiz antecipar a decisão de mérito quando veriicar uma razoável previsibilidade.10

Acontece que uma decisão não é racional em si, uma vez que a racionalidade da decisão não é atributo que lhe é próprio.11

Ao contrário, a racionalidade da decisão decorre da possibilidade de sua veriicação, legitimando-a. Para tanto, necessita da racionalidade da argumentação. Argumentação que tem seu ápice na norma aplicada ao caso concreto e que demonstra a sensibilidade e a racionalidade da decisão, desde que as partes e o julgador atuem sob o manto da juridicidade.12Assim, considerando a importância que vem assumindo a justiicação e a legitimidade da decisão judicial no contexto do Estado Democrático de Direito, resta claro que as razões pelas quais um juiz toma sua decisão não são indiferentes.13

9 CANOTILhO, Joaquim José omes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Almedina: Coimbra, 2002, p. 7 .
10 IDAL , Marcelo Furtado. A interpretação e o (im)previsível: estudo sobre a imprevisibilidade das decisões judiciais na perspectiva da hermenêutica ilosóica e do círculo hermenêutico, p. 0 e seguintes.
11 Cf. MARINONI, Luiz uilherme. A questão do convencimento judicial. Jus Navigandi, Tere-sina. 22 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2010.
12 Cf. MARINONI, Luiz uilherme. A questão do convencimento judicial. Jus Navigandi, Tere-sina. 22 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2010
13 Cf. MARINONI, Luiz uilherme. A questão do
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