Honra coletiva como direito fundamental

AutorCarlos Eduardo Volante
CargoMestrando em Direito pelo centro universitário FIEO -UNIFIEO
Páginas74-86

Page 74

Recebido em 02|09|2009 | Aprovado em 20|10|2009

1 Introdução

Dentre os direitos da personalidade a honra assume papel de destaque em importância e até mesmo já foi considerada pelos romanos bem supremo do homem, equiparando-a à própria vida. Porém, há uma escassez de estudos que sistematizam a honra no direito pátrio, sendo que a maior preocupação dos estudiosos do direito se concentra em outros direitos da personalidade, como o direito à liberdade, à imagem, e até mesmo ao nome.

A honra coletiva, por sua vez, ainda é um instituto raríssimo trabalhado o que gera muitas dúvidas e insegurança jurídica. Há muitas perguntas que não foram respondidas pelo simples fato de sequer terem sido trabalhadas ou quando trabalhadas, de modo superficial. A coletividade tem honra? Quem compõe a coletividade revestida de honra? Como esta coletividade é representada? Estes e outros questionamentos são de suma importância serem respondidos, mas não há material suficiente para se construir afi rmações em pilares sólidos.

A preterição da honra e em especial a coletiva, é sem fundamento, o que nos levou a levar avante a tarefa de seu estudo e investigar se uma coletividade pode ou não ter uma honra, complementando, desta forma, os raros estudos anteriores, esclarecendo aspectos obscuros e de divergência entre juristas. Para tanto, entre outras, que se inserem no presente estudo, serão nossas preocupações básicas apresentar a origem da honra, buscando subsídios em autores renomados, tendo em vista a difi culdade de acesso às fontes primárias e por não ser objetivo principal deste trabalho; oferecer a conceituação de honra e sua classificação, utilizando, no entanto, subsídios dos estudiosos em direito privado.

Será também examinada, por imprescindível, a diferenciação entre as espécies de direitos transindividuais, para podermos corretamente classifi car a honra coletiva e entendermos suas repercussões no mundo jurídico, especialmente no âmbito processual. Tratar-se-á, em seguida, das questões processuais relacionadas à tutela jurisdicional dos interesses coletivos, apontando os fundamentos constitucionais e legais desta natureza de interesses. Não há neste caso como restringir-se à questão substancial, tendo em vista que as garantias, especialmente as constitucionais, se confundem com o próprio direito, sendo, portanto, necessário tratar, ainda que brevemente da tutela das coletividades em juízo.

Rematando a parte dos fundamentos, realizar-se-á uma incursão sobre a honra como preceito de direitos da personalidade, analisando sua natureza e seu enquadramento no ordenamento jurídico, bem como analisando a coletividade como sujeito revestido de honra.

Para ter bem cumpridos os objetivos deste artigo utilizar-se-á o referencial metodológico da pesquisa dogmática, pois se pretende discutir, com base em pesquisa majoritariamente doutrinária e documental, a honra coletiva. O método de pesquisa que será adotado é o dedutivo, pois trata-se de um método lógico que partindo das teorias, e leis, na maioria das vezes, prediz a ocorrência dos fenômenos particulares -conexão descendente. Utilizaremos como técnica a pesquisa bibliográfi ca de autores nacionais

Page 75

e estrangeiros.

2. Aspectos históricos e conceituais

Hoje a honra é composta de inúmeros elementos, mas houve época em que se considerava um homem honrado aquele portador de qualidades essenciais àquela conjuntura social.

Na Grécia e em Roma, a honra era vista de forma diferente, o duelo, por exemplo, não era coisa dos nobres, como ocorria na Idade Média onde no sistema social do feudalismo e na visão do mundo aristocrática valores como a coragem, a força, a lealdade e a respeitabilidade tinham posição fundamental, mas de gladiadores a soldo, de escravos abandonados e de criminosos condenados, que eram atiçados ou jogados uns contra os outros para divertimento do povo1.

Schopenhauer exemplifica esta visão peculiar sobre a honra citando uma passagem de um duelo, onde o desafiado não se utilizou da força para preservar sua honra, mas sim considerava que a palavra e o ato podem trazer honra ou vergonha sempre e somente para aquele do qual provêm a ofensa.

Quando certa vez, um chefe teutônico desafi ou Marius para um duelo, este mandou dizer-lhe: "Se ele está cansado da vida, que se enforque", e envioulhe um pequeno gladiador decrépito, com quem ele poderia bater-se (SCHOPENHAUER, 2004, p.48)2.

Sócrates, como outros fi lósofos contemporâneos dele, também tinha uma noção de honra peculiar.

Quando Sócrates recebeu de alguém um pontapé porque suas idéias o desagravada, ele suportou pacientemente e disse a quem se espantou: "Se um asno tivesse me batido, teria eu o acusado em juízo?"E quando alguém disse a ele:"Não achas que ele te insultou e te ultrajou?", sua resposta foi: "Não, o que ele diz não me toca" (SCHOPENHAUER, 2004, p.48)3.

Mas este enfoque, quase heróico, dos gregos e romanos, não signifi ca que não havia mecanismo de proteção à honra. Em Roma a vida equiparava-se a vida ("Honoris causa et vita aequiparantur"), havendo, assim, ferramentas legais para a sua proteção e defesa.

Inserida no campo dos direitos da personalidade, a honra em Roma, que desconhecia esta classe de direitos, era assegurada pela "actio injuriarum". Todavia, a proteção não atingia todas as pessoas. O escravo, não possuía honra civil, pois sequer era visto como pessoa. E somente na hipótese de atingir indiretamente seu dono é que se confi gurava a injúria4.

O conceito de injúria tinha larga extensão entre os romanos, sendo tomado em seu sentido mais amplo e, em período mais avançado daquela legislação, a preocupação com a dignidade da pessoa humana torna-se objeto de proteção jurídica.

Page 76

Na Grécia a difamação e a injúria tinham o mesmo signifi cado5 e consistiam em um delito, onde por meio de palavras diminuía a consideração moral da pessoa. A permissividade de atos injuriosos, exceto em casos graves, levou inclusive Platão a criticar a indulgência das leis de Atenas.

Com o Renascimento, movimento artístico e científi co dos séculos XV e XVI, verifi couse a necessidade de se afi rmar a independência das pessoas e a intangibilidade dos Direitos Humanos6. Assim, neste período sobressai-se a concepção da pessoa humana, individual e separada da coletividade.

A valorização desses direitos naturais transformou-se em reivindicação de caráter político, que se incorpora ao domínio do direito público, resultando no movimento revolucionário francês7. A declaração de direitos, fruto da Revolução Francesa, fortaleceu o indivíduo em face do Estado e destacou os direitos à igualdade, liberdade, segurança, propriedade e resistência a opressão, mas o direito à honra não fora mencionado

Assim como ocorre com outros direito da personalidade, princípios e valores constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a doutrina e a jurisprudência têm grande dificuldade para conceituar a honra, pois além de sofrer mutações através dos tempos é extremante difícil expor em poucas palavras um instituto tão amplo e importante.

A honra é uma das espécies dos denominados direitos da personalidade, e pode ser caracterizada por ser um elemento da ordem moral, inerente à natureza humana, que vem com a pessoa desde a sua concepção, acompanhando-a por toda a vida e mesmo após a sua morte. É a honra, portanto, bem jurídico imaterial que compreende as qualidades morais pelas quais a pessoa é reconhecida, necessárias ao cumprimento dos papéis sociais.

Doutrinadores, como Carla Bianca Bittar8, distinguem a honra em interna ou subjetiva e externa ou objetiva. A primeira diz respeito à dignidade pessoal e do decoro, ligada ao sentimento de respeito e preservação que todos possuem em relação a nossa reputação pessoal, apoiada assim no próprio sentimento da pessoa por si. A segunda é aquela que se mostra de formar exterior, uma espécie de imagem que os outros fazem de um determinado indivíduo, ou seja, o reconhecimento da sociedade.

Do ponto de vista subjetivo, é a estima que toda pessoa possui de suas qualidades e atributos, que se refletem na consciência do indivíduo e na certeza em seu próprio prestígio.

No aspecto objetivo, a honra é a soma daquelas qualidades que os terceiros atribuem a uma pessoa e que são necessárias ao cumprimento dos papéis específicos que ela exerce na sociedade (CASTRO, 2002, p.7)9.

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, um dos expoentes do século XIX, e que escreveu uma obra exclusiva sobre a honra, todavia, não fazia distinção entre honra interna

Page 77

e externa.

A honra é a opinião dos outros sobre nós, ou seja, a opinião daqueles que sabem de nós e, mais precisamente a opinião geral que aqueles que nos conhecem têm sobre o nosso valor sob um aspecto qualquer a ser seriamente considerado, e que determina as diferentes espécies de honra. Nesse sentido, pode-se chamá-la de representante do nosso valor no pensamento dos outros (SCHOPENHAUER, 2004, p.9)10.

Schopenhauer destaca ainda a questão da relação da pessoa como é vista pelos demais. Sendo que a honra não se confunde com o valor da pessoa.

À primeira vista, aquilo que determina que a opinião geral que os outros fazem de nós, ou seja, a honra, não é a nossa natureza verdadeira, mas aquela aparente; é a verdadeira apenas na medida em que a aparente coincide com ela. Por isso, a honra e o valor que ela representa são de duas espécies: podese perder a honra sem ter perdido o valor, e vice-versa SCHOPENHAUER, 2004, p.10)11.

Não se confunde a honra com a fama12 e, portanto, não há que se falar em honra numa concepção puramente objetiva ou subjetiva, interna ou externa. Ou a pessoa é ofendida em sua honra, ou seja, sua reputação e respeito no meio em que vive, ou é ofendida em seus valores, sendo ambos os casos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT