Hipóteses de Cabimento não Expressamente Consignadas no Código de Processo Civil

AutorLuiz Henrique Sormani Barbugiani
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP)
Páginas73-154

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3. 1 Mandado de Segurança

O mandado de segurança apresenta um procedimento específico, diverso do rito ordinário de uma ação comum regulada pelo Código de Processo Civil, sendo tratado por legislação extravagante.

Diante das peculiaridades que envolvem o trâmite processual da ação mandamental, a doutrina e a jurisprudência diver-gem acerca do cabimento dos embargos infringentes nas decisões proferidas, por maioria de votos, em sede de apelação, modificando a decisão de mérito mandamental.

Bernardo Pimentel SOUZA, ao analisar a questão, afirma que:

“é antiga a discussão doutrinária e jurisprudencial quanto ao cabimento de embargos infringentes contra acórdão proferido por maioria de votos em julgamento de apelação in-

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terposta contra sentença prolatada em ação de mandado de segurança da competência de juiz de primeiro grau.”1Marcelo NEGRI cita um dos principais motivos alegados pela corrente que inadmite os embargos infringentes em sede de mandamus, ao afirmar que “(...) Isso porque, dentre outros, o rito célere da lei especial de mandado de segurança acaba por apontar a incompatibilidade com o recurso dos embargos infringentes previstos no CPC.”2Os defensores da inviabilidade do uso dos embargos infringentes em mandado de segurança reputam que a legislação especial que rege o instituto impede a utilização subsidiária do Código de Processo Civil, não havendo sequer indícios de que o legislador desejava essa aplicabilidade.

O caráter especialíssimo da Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, como elemento impeditivo da aplicação dos artigos 530 e ss. do Código de Processo Civil, que regulam os embargos infringentes era asseverado por Marcelo NEGRI ao estipular que “o recurso é apontado como não cabível no mandado de segurança, porque, dentre outros motivos, a Lei n.
1.533, de 31 de dezembro de 1951 (reguladora do writ constitucional), é de caráter especial em relação ao CPC. (...).”3Gisele Heloisa CUNHA relata que, no Código de Processo Civil de 1939, havia previsão expressa de cabimento dos em-

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bargos infringentes em sede de mandado de segurança. Entretanto, com a edição da Lei n. 1.533/51, passou-se a defender a revogação das disposições processuais pela normatização especial e a ausência de supletividade do código, apesar da existência de divergência doutrinária entre autores consagrados, conforme se verifica no seguinte trecho de sua obra:

O estudo desta matéria impõe que voltemos à analise do CPC/1939, onde havia previsão legal para o cabimento dos embargos infringentes em mandado de segurança. Determinava o art. 833 a possibilidade de se impugnar a decisão não unânime proferida nesses mandados.

Naquela época, o mandado de segurança tinha sua regulamentação prevista nos arts. 319 a 331 do CPC/1939. Somente com o advento da Lei 1.513/1951 o mandado de segurança foi objeto de disciplina, pois, até então, aplicava-se o art. 833 que, por sua vez, substituíra o texto da Lei 191/1931.

A Lei 1.533/1951, ao regular a matéria no art. 20, revogou os dispositivos do CPC sobre o assunto. Com o advento desta lei, começaram a surgir as controvérsias. Revogadas as disposições do CPC/1939 sobre o mandado de segurança (e, por via de conseqüência, a parte do art. 833 que previa os embargos infringentes), a doutrina passou a firmar o entendimento de que o Código de Processo Civil não era supletivo da lei do mandado de segurança.

Alguns autores, entretanto, posicionaram-se no sentido de serem cabíveis os embargos infringentes (Pontes de Miranda, Sebastião de Souza e Alcides de Mendonça Lima, dentre

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outros), ao passo que outros tinham entendimento contrário (Buzaid, Frederico Marques e Seabra Fagundes).4Paula Botelho SOARES referenda o entendimento acima esposado, acrescentando que os embargos infringentes em mandado de segurança, na época em que vigia o Código de Processo Civil, de 1939, era admissível não só nas apelações ofertadas nas ações mandamentais como também nas decisões proferidas em decorrência da competência originária dos Tribunais para apreciar o mandamus, nos seguintes termos:

O referido Codex disciplinava o mandado de segurança em seus arts. 319 a 331. Por outro lado, seu art. 833, segundo a redação dada pelo decreto-lei 8.570, de 08.01.1946, admitia, expressamente, “embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não for unânime a decisão proferida em grau de apelação, em ação rescisória e em mandado de segurança”, o que quer dizer que tal recurso poderia ser utilizado tanto contra acórdãos de writs decididos originariamente pelos Tribunais quanto nos que o eram em sede de apelação. Sobreveio, em 31.12.1951, a Lei 1.533 disciplinando todo o procedimento do mandado de segurança, sendo que o seu art. 20 revogava, expressamente, os dispositivos do Código de Processo Civil de 1939 que tratavam da matéria. Começou, então, a discussão quanto à persistência ou não do cabimento de embargos infringentes contra acórdãos prolatados em mandado de segurança.5(destaques no original)

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Com a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a discussão acentuou-se na doutrina, sendo certo que Marcelo NEGRI reconhece a impossibilidade de aplicação subsidiária da norma geral sem expressa previsão da norma específica, em especial, diante do teor do artigo 1.2176do novo Codex, sendo oportuna a transcrição de seu pensamento:

(...). Em conclusão parcial, não havendo comando expresso na lei especial de utilização da lei codificada, subsidiariamente no caso de lacuna, entende-se que o propósito foi de não contemplar a hipótese de cabimento.

Portanto, em matéria de recursos, prevalece a lei especial, não se podendo cogitar complementaridade ou subsidiarie-dade do Código de Processo Civil, ante a vedação do próprio art. 1217 do CPC, que proíbe a extensão de recursos não previstos na lei especial, salvo no caso de edição de lei especial regulando as adaptações específicas ao sistema codificado.7Já Paula Botelho SOARES, ao narrar acerca da corrente defensora da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil de 1973, cita, como exemplo, o entendimento de Vicente GRECO FILHO, favorável ao cabimento dos embargos infringentes, principalmente após a alteração do recurso cabível nas ações mandamentais que antes era o agravo de petição e pas-

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sou, com a reforma, a ser a apelação, fragilizando um dos principais fundamentos apresentados pelos opositores:

Vicente Greco Filho também defende esse posicionamento apoiado no fato de que, após o advento da lei 6.014/1973, a apelação passou a ser o recurso cabível contra as sentenças proferidas no mandado de segurança e, sendo certo que o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente a essa legislação especial, não poderia mesmo haver dúvida quanto ao cabimento de embargos infringentes contra acórdãos de apelação de writ, o que, no entanto, não ocorria no código de 1939, visto que o recurso então cabível em sede de mandado de segurança era o agravo de petição, o qual não ense-java embargos infringentes.8(destaque no original)

Para a doutrinadora, o Código de Processo Civil, por se tratar de norma de cunho geral, não depende de previsão da legislação especial para a sua aplicação subsidiária, sendo obstado o seu uso apenas nas hipóteses em que as normas extravagantes explicitamente o afaste ou com elas seja incompatível, ressaltando que este não é o caso do mandado de segurança:

Entendemos que o Código de Processo Civil de 1973 não deveria mesmo, ao disciplinar os embargos infringentes, mencionar especificamente o seu cabimento contra acórdãos de apelações em sede de mandado de segurança. Isto porque basta a regra genérica dispondo sobre a sua inter-posição contra julgados prolatados em apelações, haja vista

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que o Codex processual, como norma geral que é, aplica-se a todos os procedimentos regidos por leis especiais, exceto no caso de estas determinarem a sua não-aplicação ou não puderem ser aplicáveis em face de suas peculiaridades, hipóteses que não ocorrem nesse caso.9Em complemento ao ora exposto, Gisele Heloisa CUNHA, após elencar o nome de alguns defensores dos embargos infringentes, cita a posição de Arruda ALVIM, que preconiza que, na dúvida entre a aplicabilidade ou não da legislação processual, deve preponderar a ideia de sua aplicabilidade:

Assim, favoráveis à tese da admissibilidade, temos: Celso
A. Barbi, cuja posição também vem exposta na RF 251/27 e RT 481/11; Sérgio Bermudes, op. cit., p. 204); Jacy de Assis (RF 263/61); e Arruda Alvim (RePro 3/192). Vem a propósito a seguinte regra fixada por Arruda Alvim: “Toda vez que haja uma dúvida entre a aplicabilidade do Código e sua não aplicabilidade, é evidente que se há de propender pela aplicabilidade do Código”.10O fundamento de que a permissão de utilização dos embargos infringentes traria maior morosidade ao processo e à entrega da tutela jurisdicional não se sustenta por si só, como bem ressaltado por Marcelo NEGRI, que expõe, mesmo sendo contrário ao cabimento dos embargos, que, na atualidade, existem instrumentos processuais adequados a sanar ou reduzir os

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prejuízos advindos da demora no julgamento definitivo da lide e que não existe propriamente proibição legal na interposição do recurso em face de decisão não unânime que dê provimento à ação rescisória distribuída contra decisão mandamental:

(...). A celeridade da entrega do bem da vida hoje não mais fica prejudicada pela interposição de mais um recur-so, haja vista a disponibilização de meios que compatibilizam a efetividade da decisão (liminar, medida cautelar incidental e tutela antecipada) com o direito à revisão das decisões.

Em complemento a essa posição, verifica-se que, a priori, há cabimento...

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