A guerra imaginada entre secularismo e religião

AutorMark Juergensmeyer
CargoThis article presents basic elements of a theory of religious-secular competition on the individual level. The theory claims that individuals in many societies may choose between religious and secular options, creating a situation of competition between religious and secular institutions. The competition between religious and secular suppliers...
Páginas324-346
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n36p324
324 324 – 346
A guerra imaginada
entre secularismo e religião1
Mark Juergensmeyer2
Resumo
O caso do ataque aos escritórios da revista satírica Charlie Hebdo, em 2015, em Paris, ilustra a
guerra imaginada entre secularismo e religião que serve de pano de fundo a muitos dos episódios
de violência na virada do século XXI. A ideia do Iluminismo de que existem duas cosmovisões
diferentes – duas esferas distintas de compreensão da realidade –, uma secular e outra religiosa,
é inerentemente problemática. Essa dicotomia cria uma arena de discórdia que é facilmente ex-
plorada por pessoas que, por qualquer motivo, se sentem isoladas e marginalizadas, procurando
culpar alguém e juntar-se a alguma batalha. É um falso conf‌lito que os extremistas de ambos os
lados, religiosos e seculares, têm exacerbado.
Palavras-chave: Terrorismo. Violência religiosa. Secularismo. Guerra cósmica.
Introdução
“O secularismo é o inimigo do Islã”, foi-me dito por um militante mu-
çulmano que esteve envolvido no ataque ao World Trade Center em Nova
Iorque, em 1993. Ele associava as políticas econômicas e governamentais ad-
versas do Ocidente à “inexistência de moral”, descrevendo aqueles sem reli-
gião como pessoas “apenas andando como cadáveres3”.
Esse desdém pelo secularismo – e o medo dele – é um refrão comum; e
eu o escutei em várias entrevistas com ativistas religiosos por todo o mundo4.
Independentemente de eles serem jihadistas muçulmanos militantes, ativistas
1 Tradução de Jorge Botelho Moniz.
2 Professor associado na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara (EUA), fundador e diretor do Orfalea Center
for Global and International Studies, diretor do grupo Religion and International Affairs para o Social Science
Research Council que resultou no volume Rethinking Secularism.
3 Entrevista do autor com Mahmud Abouhalima, Penitenciária Federal de Lompoc, Califórnia, 19 de agosto de 1997.
4 Muitas dessas entrevistas encontram-se em meus livros: Terror in the Mind of God: The Global Rise of Religious
Violence (Berkeley: University of California Press, 2003) e Global Rebellion: Religious Challenges to the Secular
State (Berkeley: University of California Press, 2008).
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 36 - Maio./Ago. de 2017
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judeus antiarabistas, ou membros da milícia cristã em Maryland, esses ativistas
consideram que o mundo é vulnerável a uma mentalidade secular dominante
que pretende obliterar suas frágeis culturas religiosas. Um pastor luterano que
esteve envolvido nos ataques à bomba em clínicas da costa Leste dos EUA (Es-
tados Unidos da América), onde eram realizados abortos, disse-me que ações
como as suas eram apenas um prelúdio da guerra contra o secularismo. Em sua
cabeça a cultura de guerra entre a sociedade secular e religiosa estadunidense
era mais que uma metáfora. Era uma batalha real.
Essa é a percepção. Os receios podem ser amplamente embasados em
exagerações, mas existem muitos exemplos na cultura popular nos quais as ex-
pressões da religião são marginalizadas ou desrespeitadas, fazendo com que al-
gumas pessoas religiosas sintam que sua cultura está sob ataque. Por exemplo,
a tentativa francesa de banir os véus, ainda que baseada na noção de igualdade
social, foi largamente interpretada, pela comunidade imigrante muçulmana
argelina em França, como uma agressão à sua religião em geral e à sua cultura
imigrante em particular. Os casos do retrato do profeta Maomé em forma de
caricatura levaram a encontros trágicos e explosivos, tanto em Copenhague
como em Paris.
1 O caso do ataque ao Charlie Hebdo
O ataque à sede da revista satírica francesa Charlie Hebdo, em Paris, em
7 de Janeiro de 2015, é um exemplo interessante. Por um lado, foi apenas
um caso de jovens enfurecidos e perdidos que descarregaram sua raiva da so-
ciedade em um alvo simbólico. Mas, por trás desses fatos simples, havia uma
narrativa mais ampla acerca da alienação da comunidade muçulmana argelina
na França e sua percepção de que o secularismo estava sendo interpretado
de um modo que se destinava, especicamente, a despojá-los e humilhá-los.
À medida que os jovens muçulmanos, perpetradores dessa agressão de estilo
militar, se afastavam da cena do massacre, exclamaram que ela tinha sido uma
vingança pelos insultos efetuados através das caricaturas do profeta Maomé.
Contudo, esse não foi um caso de terrorismo islâmico puro e simples,
contrariamente ao que políticos e jornalistas apregoaram na época. O senador
Lindsey Graham, por exemplo, disse que os ataques de Paris provam que o
Ocidente se encontra em uma guerra religiosa com o radicalismo islâmico.

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