A violação de direitos garantidos à criança em virtude da publicidade corporativa

AutorNayana Ferreira Pereira
CargoFaculdade de Direito de Vitória-FDV
Páginas104-121
P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 7, n. 1 (n. 23), 2012
ISSN 1980-775
A VIOLAÇÃO DE DIREITOS GARANTIDOS À CRIANÇA EM
VIRTUDE DA PUBLICIDADE CORPORATIVA
Faculdade de Direito de Vitória - FDV
1. INTRODUÇÃO
A denominada “sociedade de consumo” apresenta um novo perfil, consubstanciado na
busca incessante do exercício do papel de consumidor, à medida que existência e consumo
se entrelaçam. Assim, o consumismo exacerbado coaduna-se na procura desenfreada da
felicidade momentânea, cujo alicerce é a contínua fomentação do “novo desejo” em razão de
“urgentes necessidades”.
Nesse cenário, seduz-se o indivíduo por meio de um leque inovador de necessidades à
mostra, pressuposto das inúmeras formas de publicidade moderna. As grandes empresas não
se empenham na criação dessas necessidades, simplesmente enquadram a tal nomenclatura o
que for propício num dado momento.
As grandes empresas, então, incutem nos indivíduos a inquietude ilimitada em busca das
necessidades secundárias e se mantêm no mercado de consumo. Em meio a essa prática e ao
consequente turbilhão de publicidade, figuram as crianças como objeto de desejo das
corporações, dado o potencial de influência garantido as mesmas no âmbito familiar ou
social.
A problemática cinge-se ao fato de que a essa lógica expansiva vinculam-se as consequências
negativas às crianças imersas no mercado de consumo, tidas como alvos fáceis pelas grandes
corporações justamente por não compreenderem o caráter persuasivo das práticas
publicitárias adotadas. Pretende-se, dessa forma, por meio de uma análise sistêmica do
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ordenamento jurídico brasileiro, verificar as violações de direitos decorrentes do impacto
negativo dessa publicidade.
Por fim, objetiva-se demonstrar a possibilidade de assegurar à criança os direitos que lhes são
violados, tanto por meio da concretização das previsões normativas existentes, como
também por meio de métodos que propiciem a compreensão acerca das mensagens
transmitidas e das consequências advindas dos produtos ou serviços disponíveis no mercado
de consumo.
2. SOCIEDADE DE CONSUMO E GRANDES CORPORAÇÕES
O surgimento da sociedade de consumo atrela-se ao desenvolvimento industrial que, no
decurso do tempo, propiciou a elevação da oferta de produtos e serviços em detrimento da
fabricação. Todavia, conforme preceitua Zygmunt Bauman1 deve-se compreender que
[...] no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos
predecessores, a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase
industrial, era uma “sociedade de produtores”. Aquela velha sociedad e moderna
engajava seus membros primordialmente como produtores e soldados; a maneira como
moldava seus membros, a “norma” que colocava diante de seus olhos e os instava a
observar, era ditada pelo dever de desempenhar esses dois papéis. A norma que aquela
sociedade colocava para seus membros era a capacidade e a vontade de desempenhá-
los. Mas, no seu atual estágio final moderno (Giddens), segundo estágio moderno
(Beck), supramoderno (Balandier) ou pós-moderno, a sociedade moderna tem pouca
necessidade de mão-de-obra industrial em massa e de exércitos recrutados; em vez
disso, precisa engajar seus membros pela condição de consumidores. A maneira como a
sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de
desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus
membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel.
A atuação restrita dos indivíduos como meros produtores e soldados detentores de ânsia
inigualável para o desempenho de funções foi paulatinamente substituída pelo atual estágio
da sociedade moderna, caracterizada pela irrisória necessidade de mão-de-obra industrial em
massa e de exércitos recrutados, posto que simplesmente conduz seus membros à condição
de consumidores.
1 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 87.

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