As garantias constitucionais do processo e o Direito constitucional processual

AutorEduardo Ferrer Mac-Gregor
CargoDiretor da Revista Iberoamericana de Derecho Procesal Constitucional. Presidente do Instituto Mexicano de Derecho Procesal Constitucional
Páginas25-31

    Traduzido por: Bruno Costa Teixeira

Page 25

A constitucionalização do ordenamento jurídico tem se caracterizado como um fenômeno em expansão a partir do epílogo da Segunda Guerra Mundial. Ainda que Guastini fale em “condições de constitucionalização”,1 vale ressaltar que estamos diante de uma das múltiplas manifestações do fenômeno em tela, que é a incorporação de princípios e instituições processuais ao próprio ordenamento constitucional. Ademais, a vinculação das categorias processuais à Constituição adiquiriu maior relevância com os estudos dogmáticos empreendidos por Eduardo Juan Couture.2

Este autor realiza uma primeira aproximação em relação ao tema em seu ensaio entitulado “Las garantías constitucionales del proceso civil”, de 1946,3 que logoPage 26 apareceria em seu clássico “Estudios de derecho procesal civil” (1948).4 Nesta obra, Couture descata que “a doutrina processual moderna ainda deve dar um passo substancial. Um exame dos institutos peculiares a este ramo do Direito, a partir do ponto de vista constitucional, consiste em uma tarefa cuja importância e fecundidade ainda não se pode determinar”.5

As observações do referido autor ecoaram na melhor doutrina processual6 de tal maneira que já é possível concluir que aquele foi o pioneiro de toda uma corrente dogmática que se tem consolidado contemporaneamente,7 inclusive no que se refere aos recentes estudos das “bases constitucionais para um processo civil justo”.8

Na “terceira parte” da obra supramencionada, o professor uruguaio se refere aos “casos de direito processual constitucional”.9 Ainda que faça uso da expressão “direito processual constitucional”, não é afirmado em momento algum que tal disciplina faz referência aos instrumentos processuais de regularidade constitucional, mas, em verdade, ao devido processo legal e outras instituições processuais adjacentes, todas em sua dimensão constitucional.

Todavia, questiona-se: todas as instituições processuais estabelecidas na Constituição são matérias de análise da Ciência processual? Este é um questionamento importante e objeto fulcral do debate necessário para determinar oPage 27 conteúdo do Direito Processual Constitucional. De fato, na atualidade, o “devido processo legal” foi convertido em uma categoria constitucional, constituindo-se em verdadeiro “devido processo constitucional”. De acordo com Gozaíni, “o processo como ferramenta a serviço dos direitos materiais perde consistência: não se trata de um fim em si mesmo, mas algo que deve realizar o direito material”.10 E sob esta concepção, qualquer setor da doutrina considera como superfície de estudo do Direito Processual Constitucional as instituições ou categorias processuais (ação, devido processo, etc.) contidas na própria Constituição.11

O problema da transcendência constitucional das instituições processuais constitui uma “área ou zona comum” entre o “constitucional” e o “processual”. De todas maneiras, constitui em uma aproximação eminentemente teórica, capaz de marcar as particularidades do estudo das disciplinas envolvidas. Neste sentido, Fix-Zamudio não apenas acolhe a postura de Couture relativa às garantias constitucionais do processo,12 mas também agrupa tal gama de tutelas em uma nova disciplina denominada “Direito Constitucional Processual”, que tem por objetivo o exame das normas e princípios constitucionais que, por sua vez, contém os delineamentos dos instrumentos processuais.13 Por outro lado, o mesmo autor assevera que o “direito processual constitucional”, enquanto disciplina de confluência e limítrofe com a primeira, deve ser objeto de estudo da Ciência processual.

Comenta Fix-Zamudio, de modo a recordar o mestre de Montevidel, ser “muito recente a disciplina que chamamos direito constitucional processual, que consiste noPage 28 ramo do direito constitucional, ocupando-se do estudo sistemático dos conceitos, categorias e instituições processuais consagradas pelas disposições da Lei Fundamental, e, desta forma, em sua ciração, é fundamental o destaque ao pensamento do ilustre processualista uruguaiano Eduardo J. Couture, um dos primeiros juristas, não só latino-americanos, mas também no âmbito mundial, que ressaltou a necessidade de se analisar cientificamente as normas constitucionais que regulam as instituições processuais”.14

A postura de Fix-Zamudio tem sido aceita paulatinamente,15 mas ainda encontra barreiras em opiniões de alguns juristas. García Belaunde, por exemplo, tem sustentato que, mais do que um simples jogo de palavras, estamos diante de um crescimento desnecessário de disciplinas jurídicas e o fato de certos constitucionalistas se interessarem, em grande medida, pela análise da matéria, não pode nos levar à aceitação deste novo ramo que, “não obstante sua utilidade docente, carece de rigor científico”.16

De...

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