Garantia de usados

AutorSofia Pita e Costa
CargoAssessora jurídica da ap dc
Páginas89-103

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EXCERTOS

"A garantia dos bens de consumo é obrigatória, as suas disposições decorrem de forma imperativa do ordenamento jurídico, independentemente de eventual garantia voluntária (ou convencional)"

"A regra geral do prazo da garantia dos bens de consumo, legalmente consagrada e reconhecida ao consumidor, é de cinco anos e de dois anos, respectivamente para os bens imóveis e para os bens móveis, sejam estes bens novos ou usados"

"Perante a nulidade de disposições contratuais limitativas dos direitos do consumidor, prevalece a aplicação da garantia durante o lapso temporal de dois anos, que irá englobar todo o veículo automóvel, incluindo os componentes que o constituem"

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1. Preliminares

N os últimos anos, o mercado dos bens de consumo usados ganhou uma nova dinâmica, começando a proliferar em diversos setores, no comércio retalhista, na internet e nas redes sociais, proporcionando ao consumidor o alargamento do seu campo de escolha e alterando hábitos de consumo, passando ele a considerar a compra de bens usados ou de segunda mão.

No entanto, não obstante a expectativa do consumidor poder ser menor no que se refere à qualidade e desempenho dos bens de consumo usados, a sua aquisição não pode deixar de cumprir as normas regulamentares de segurança, qualidade e desempenho, não eximindo, por isso, o vendedor/fornecedor do cumprimento das suas obrigações, designadamente do dever de entregar a coisa em conformidade com o contrato celebrado.

Na verdade, a transação de bens usados ou de segunda mão, nas relações jurídico-privadas de consumo, não pode desprezar as regras vigentes no ordenamento jurídico no que respeita à proteção dos direitos dos consumidores, em particular as normas jurídicas que regulam a venda de bens de consumo e as garantias a ela inerentes.

2. Enquadramento legal

A legislação existente no âmbito do direito do consumo pretende impor, desde logo, uma proteção dos interesses económicos do consumidor nas relações jurídico-privadas de consumo, uma vez que entende o consumidor como a parte mais vulnerável perante a capacidade financeira dos agentes económicos, que exercendo uma atividade com caráter profissional, visam a obtenção de benefícios económicos, cfr. n. 1 do artigo 2º da lei 24/96, de 31 de julho, designada lei de defesa do consumidor (ldc), da qual se infere a noção de consumidor: "todo aquele a quem são fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".

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neste sentido, atenta a desigualdade contratual nas relações de consumo, a ldc estabelece um dever geral de proteção dos interesses do consumidor, na esteira do constitucionalmente reconhecido no artigo 60º da constituição da república PorTUGUESA, atribuindo ao consumidor específicos direitos, de caráter injuntivo, elencados no artigo 3º da ldc, de onde se destaca o direito à qualidade dos bens e serviços, prescrevendo o diploma a este respeito que "os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor", cfr. artigo 4º da ldc; o direito à informação para o consumo de molde a "informar o consumidor de forma clara, objectiva e adequada", quer nas negociações, quer na celebração do contrato, cfr. artigo 8º da ldc; e o direito à proteção dos interesses económicos, "impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência do contrato", cfr. artigo 9º da ldc.

No entanto, para além da lei geral neste domínio específico, à colação não pode deixar de se chamar outra legislação avulsa relevante para a defesa dos direitos e interesses dos consumidores, em concreto, que obrigatoriamente deve ser respeitada quando se afiguram relações jurídicas de consumo, como sejam os decretos-leis 57/2008, de 26 de março, referente às PRÁTICAs comerciais desleais, e 446/85, de 25 de outubro, com todas as alterações introduzidas a posteriori, respeitante às cláusulas contratuais gerais, reputados essenciais à proteção dos direitos basilares dos consumidores, enquanto adquirentes de bens de consumo. Mas é no decreto-lei 67/2003, de 8 de abril, vulgo lei das garantias (lg), cujo regime jurídico subjacente resultou da transposição da diretiva 1999/44/ce, do PARLAMENTO europeu e do conselho, de 25 de maio, posteriormente alterado pelo decreto-lei 84/2008, de 21 de maio, que a proteção dos direitos dos consumidores, mormente o "direito à qualidade dos bens e serviços" encontra a sua regulamentação jurídica especial, através de um conjunto de regras que reforçam os direitos de que estes dispõem no contrato de compra e venda de bens de consumo, no que concerne a certos aspectos.

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3. Regime jurídico da garantia dos bens de consumo

A regulamentação jurídica específica na lg visa a tutela especial dos bens de consumo adquiridos por um particular/consumidor para uso privado (pessoal, familiar ou doméstico) a um profissional/ vendedor, não estando, por isso, abrangidos os bens adquiridos para uso profissional e os adquiridos a particulares.

No entanto, o regime jurídico da lg, ao contrário da diretiva 1999/44/ce que esteve na sua génese, não se cinge somente ao contrato de compra e venda; estende este âmbito de aplicação objetivo a todos os negócios jurídicos em que subjazem relações de consumo com diferente qualificação jurídica, mas cuja premente proteção dos interesses da parte contratual mais débil e fraca se torna imprescindível assegurar, cfr. n. 2 do artigo 1º-A da lg: "O presente decreto-lei é, ainda, aplicável, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo". O que significa que, para além da compra e venda, este regime legal aplica-se também ao fornecimento de bens no âmbito de um contrato de prestação de serviços, bem como aos serviços de instalação de bens de consumo vendidos como novos. Neste contexto de proteção do consumidor, o vendedor tem a obrigação de entregar ao particular os bens adquiridos, sem defraudar as legítimas expectativas deste quanto à plena conformidade do bem com o contrato acordado entre as partes, nos termos em que lhe foi dado a conhecer pelo vendedor (ou representante), de acordo com a publicidade ou descrição na embalagem que dele tenha sido feita, ou não for adequado ao uso pretendido para o qual o consumidor o destine, nos casos em que aquele soube da intenção do consumidor, quer não seja adequado às utilizações habituais dadas a bens do mesmo género, quer, ainda, não apresente as qualidades e desempenho habituais que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza e às declarações públicas sobre as características concretas, eventualmente feitas pelo vendedor, cfr....

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