Fundamento da repressão ao excesso

AutorAlexandre Pimenta Batista Pereira
Ocupação do AutorProfessor Adjunto na Universidade Federal de Viçosa
Páginas77-82

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14 - O ethos igualitário da ordem jurídica

Qual a razão de o ordenamento jurídico valorar negativa-mente o negócio inoicioso?

RIPERT, há mais de cinquenta anos, preconizava a necessi-dade da regra moral nas obrigações civis. A obrigação não seria puramente relação técnica entre dois patrimônios, senão relação entre duas pessoas, calcada em legítima submissão168.

Na busca dessa legitimidade, o direito tem, como fundamento, a justiça, que é, em essência, construção da igualdade: “Se, então, o injusto é iníquo (ou seja, desigual) o justo é igual [...]. E já que o igual é o meio-termo, o justo será um meiotermo”169.

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Com esse ideal, a ordem jurídica reestrutura os negócios quando a igualdade se rompe. Por ser a igualdade fundamento para as normas, caso seja menoscabada, é atributo do ordenamento empenhar-se em restaurá-la170.

Assim se delineia o negócio inoicioso. O excesso aparece contra a igualdade; conigura prestações desproporcionais, que, de alguma forma, são recebidas pelo ordenamento como um valor não razoável171. A proibição do excesso, nesse sentido, é vista por ÁVILA como um postulado normativo, já que institui “critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação”172; ele é um postulado não especíico, distinto do pos-tulado da proporcionalidade, ao revelar um contexto em que um direito fundamental esteja sendo excessivamente restringido173.

Em diferentes searas do Direito Civil a redução do negócio jurídico ganha manifestação, a im de estabelecer o equilíbrio no caso concreto.

O negócio inoicioso é, em suma, injusto; vale dizer que, como manifestação da autonomia da vontade, os negócios jurídicos devem alicerçar-se em um projeto interno de justiça que, sobremaneira, se coaduna com o projeto de justiça do ordenamento:

“Sempre que se veriique uma conlitualidade entre estes projetos, o ordenamento jurídico intervém valorando negativamente o negócio celebrado. [...] O princípio da justiça exige a procura do ponto ótimo de correspondência entre o valor da autonomia pessoal e a integração comunitária. A

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dialética entre a pessoa e a comunidade tem um ponto ótimo de coincidência. O princípio de justiça aponta para esse ponto.”174Isso, em resumo, signiica, nas palavras de LEGAZ Y LA-CAMBRA, que a justiça, enquanto virtude e categoria ética que transita entre a institucionalização e a socialização, se encontra em um “plano de intersecção da vida pessoal e da vida social”175.

Com efeito, na justiça comutativa, almeja-se reestruturar o negócio inoicioso, levando-o às raias da equidade. A equidade, para ARISTÓTELES, não é diversa da justiça. Seria, antes, ela própria, aplicada no caso concreto176. O ilósofo grego estabelece as espécies do justo, ao situar a justiça comutativa nas relações do tráico social. Devem, aliás, os homens não receber nem mais, nem menos, em relação às coisas negociadas, mas, sim, a medida certa, pela qual os objetos valem e possuem substâncias intercorrespondentes entre a prestação e a contraprestação - suum cuique:

“A justiça, por outro lado, está relacionada identicamente com o injusto, que é excesso e falta, contrário à proporcionalidade, do útil ou do nocivo. Por esta razão a injustiça é excesso e falta, no sentido de que ela leva ao excesso e à falta - no caso da própria pessoa, excesso do que é útil por natureza e falta do que é nocivo, enquanto no caso de outras pessoas, embora o resultado global seja semelhante ao do caso da própria pessoa, a proporcionalidade pode ser violada em uma direção ou na outra. No ato injusto, ter muito pouco é ser tratado injustamente, e ter demais é agir injustamente.”177

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