A função económica das parcerias público-privadas (PPPs)

AutorMarcos Barbosa Pinto
Páginas139-147

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1. Introdução

O Congresso Nacional aprovou a Lei 11.079, de 30.12.2004, que institui normas gerais para contratação de parcerias públi-co-privadas. As PPPs - como se convencionou chamar essas parcerias - nada mais são que contratos de prestação de serviços de longo prazo, normalmente precedidos da realização de uma obra pública.

Conforme dispõe o art. 2a da lei, as PPPs podem ser divididas em duas categorias.

Integram a primeira categoria as concessões patrocinadas, assim entendidas as concessões de serviço público em que o Estado paga ao particular uma remuneração adicional à tarifa cobrada dos usuários do serviço. Por exemplo, o Estado concede uma rodovia para exploração pela iniciativa privada, garantindo ao concessionário uma receita mínima complementar ao pedágio.

Na segunda categoria de PPPs figuram as concessões administrativas, que são contratos de prestação de serviço tradicionais, cuja remuneração é paga exclusivamente pelo Estado, sem cobrança de tarifa da população. É o caso dos presídios construídos e administrados por particulares.

Como boa parte dos institutos jurídicos, as PPPs não podem ser propriamente analisadas sem um entendimento prévio de sua função económica. Aliás, uma das principais dificuldades encontradas pelo Governo Federal nos debates da lei foi justamente a falta de compreensão da sociedade sobre os reais benefícios das PPPs para o país. O propósito deste artigo é esclarecer quais são, exatamente, esses benefícios.

As PPPs desempenham, basicamente, duas funções. De um lado, elas servem para canalizar recursos privados para investimentos em infra-estrutura que são essenciais para o desenvolvimento económico do país. De outro, elas aumentam a eficiência do Estado na prestação de serviços, permitindo um melhor emprego dos recursos públicos. Essas funções são analisadas separadamente nos dois itens seguintes.

2. Investimentos em infra-estrutura

Pode-se afirmar com bastante segurança que os investimentos em infra-estrutura são essenciais para o desenvolvimento económico. Diversos estudos demonstram que eles aumentam a produtividade da economia, reduzindo custos e estimulando a produção.1

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Não por acaso, os investimentos em infra-estrutura mantiveram-se elevados no Brasil em períodos de rápido crescimento económico. Durante a década de 1970, por exemplo, eles se mantiveram sempre acima de 5% do Produto Interno Bruto/PIB, tendo chegado a 14% no início da década de 80.2 Nesse período o Brasil apresentava taxas de crescimento sempre superiores a 4% ao ano.3

A partir de meados da década de 80, contudo, os investimentos em infra-estrutura caíram rapidamente, chegando a menos de 2% do PIB na virada do século.4 Quando os investimentos em infra-estrutura não acompanham o ritmo de crescimento da produção, formam-se os chamados "gargalos" estruturais, cujos efeitos são extremamente deletérios para a economia do país. Foi o que se viu no setor elétrico brasileiro em 2000, com o "apagão" e a consequente redução das expectativas de crescimento. É o que ocorre hoje no setor de transportes. Nossas estradas, ferrovias e portos não conseguem atender à demanda, o que atrapalha o escoamento da produção e encarece os produtos nacionais.5

Infelizmente, a situação financeira do Estado Brasileiro é precária, o que restringe sua capacidade de investimento. Para que se tenha uma ideia, em 2003 as despesas correntes da União superaram a receita corrente líquida em 28 bilhões de Reais.6

O ideal seria reduzir as despesas correntes para aumentar os investimentos; mas essa não é uma tarefa fácil, por uma série de razões sociais, políticas e até mesmo jurídicas.

Por outro lado, despesas elevadas não seriam um problema se o Estado pudesse aumentar suas receitas para investir em infra-estrutura. Entretanto, aumentar receitas é praticamente inviável na atual conjuntura. A carga tributária brasileira já subiu de 24,1% do PIB em 1991 para 35,86% em 2002.7 Embora alguns economistas sustentem, com propriedade, que a carga tributária brasileira não é absurda se comparada com padrões internacionais,8 tornou-se politicamente inviável aumentar tributos sem uma reforma fiscal que torne a carga tributária mais justa, socialmente.

A única alternativa que nos sobra é o endividamento, que também tem alcance limitado. Por uma série de fatores, dentre os quais os gastos da União com pagamento de juros,9 a dívida pública brasileira já ultrapassou 50% do PIB.10 No final de 2002 chegou-se a acreditar que o Brasil não conseguiria honrar seus compromissos, como ocorreu com a Argentina. Neste contexto, resta pouco espaço para contrair mais dívidas, ainda que sua finalidade seja aumentar os investimentos.11

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Isso explica por que, desde o início dos anos 1990, o Estado vem recorrendo ao setor privado para investir em infra-estrutu-ra. As privatizações e concessões de serviço público ocorridas nos últimos anos foram em grande parte motivadas pela falta de recursos do Estado para investimento. Num cenário de restrição fiscal, optou-se por transferir para a iniciativa privada a responsabilidade pela prestação de certos serviços, como telecomunicações e energia elétrica, substituindo, assim, recursos públicos escassos por investimentos particulares.

Ocorre que privatizações e concessões só são possíveis quando a atividade delegada à iniciativa privada é auto-sustentá-vel economicamente. É o que se dá no setor de telecomunicações, por exemplo, no qual as empresas conseguem auferir receita suficiente para amortizar seus investimentos, cobrir custos operacionais e obter uma taxa de retorno razoável. O mesmo ocorre no setor elétrico, que foi privatizado com relativo sucesso.

Entretanto, existem muitos projetos de interesse público que não são auto-susten-táveis. É o caso das rodovias com pouco tráfego, cuja receita de pedágio é insuficiente para cobrir os custos de operação e manutenção. É também o caso dos serviços de coleta de lixo, nos quais é difícil cobrar tarifas da população, pois não se pode impedir os inadimplentes de se beneficiarem do serviço.

Embora não sejam rentáveis para os particulares, projetos desse tipo interessam ao Estado, porque seu retorno económico e social excede a receita que as empresas privadas podem extrair deles diretamente. Ou seja, esses projetos apresentam grandes externalidades positivas.12 Uma estrada de tráfego pouco intenso facilita o desenvolvimento de regiões isoladas, ainda que esse valor intangível não possa ser apropriado por ninguém. De forma semelhante, um serviço de coleta de lixo eficiente é essencial para a saúde de toda a população, não somente para seus usuários diretos.

É neste contexto que surgem as PPPs. Sua primeira função é atrair investimentos privados para projetos que não são auto-sustentáveis, mas que apresentam grandes externalidades positivas.

Nas PPPs o Estado contrata uma empresa particular para realizar obra pública e depois prestar um serviço com base nessa obra. Em contrapartida, o Estado paga ao particular uma remuneração que complementa ou substitui a receita que o particular pode obter cobrando tarifa dos usuários, pois esta é insuficiente para cobrir os custos do projeto. Portanto, as PPPs canalizam investimentos privados para o setor de infra-estrutura mediante o compromisso de pagamentos continuados do governo.

Antes de prosseguir, contudo, vale a pena analisar uma questão relevante suscitada pela experiência internacional. Analisando programas de PPPs como o da Inglaterra, por exemplo, percebe-se que as PPPs têm um custo financeiro maior para o Estado que os investimentos públicos tradicionais, pois o custo de capital do setor privado é maior que o do setor público.

Para compreender melhor essa questão, é preciso esclarecer uma característica essencial das PPPs: a amortização diferida dos investimentos. Em uma PPP, o parceiro privado não recebe adiantamento algum do Estado para custear as obras necessárias ao início da prestação dos serviços. Pelo contrário, ele só recebe os pagamentos do Estado na medida em que os serviços forem sendo prestados. Ou seja: o particular realiza investimentos de interesse público

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cuja amortização ocorrerá paulatinamente ao longo do contrato. Portanto, é o particular, e não o Estado, quem financia a PPP.13

Ocorre que o Estado poderia se financiar a taxas bem menores emitindo títulos no mercado, já que seu risco de crédito é inferior ao do setor privado. Essa diferença de risco reflete-se nas taxas de juros. Fazendo uma comparação bastante simplista, enquanto o Estado emitia títulos à taxa de 17,75% em dezembro/2004, o setor privado financiava-se junto aos bancos à taxa média de 30,9%.14 Trata-se...

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