O fracasso da pena de prisão: alternativas e soluções

AutorVitor Gonçalves Machado
CargoBacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Advogado
Páginas108-129

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1 Introdução

Atualmente, é forte a corrente doutrinária que sustenta a falência da pena privativa de liberdade. A comprovação deste fracasso pode ser obtida tendo em vista os efeitos deletérios produzidos no ambiente carcerário, além de outros tantos fatores negativos.

Partindo-se dos pensamentos erguidos por Erving Goffman, chegar-se-ia à primeira conclusão de que a prisão, identificada como uma instituição total, é um lugar impróprio para se conseguir algum efeito benéfico ao desenvolvimento ou ressocialização do indivíduo.

Nessa esteira, a prisão consiste num sistema social onde predominam as seguintes características: I) o sistema social carcerário é muito rígido, não permitindo uma fuga do preso ao comportamento e usos sociais predominantes neste sistema interno, além da dificuldade em haver mobilização vertical dos papéis exercidos pelos reclusos; II) o recluso sofre enorme influência do sistema social interno desde o momento em que ingressa na instituição1.

Sendo assim, uma série de fatores, desde a omissão estatal e a tolerância da sociedade quanto à dignidade e respeito ao preso, considerando ainda os efeitos negativos que a prisão produz sobre a pessoa do condenado, culmina inegavelmente na visão pessimista sobre a eficácia da prisão em tempos atuais.

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No sentido quase que unânime na doutrina, entende-se que a prisão é uma instituição ao mesmo tempo antiliberal, desigual, atípica, extralegal e extrajudicial, que perverte, corrompe, deforma, avilta e embrutece, sendo uma sucursal do inferno, drasticamente lesiva para a dignidade do ser humano, penosa e inutilmente aflitiva, considerada, ainda, verdadeira fábrica de reincidência e indústria do crime2.

Entretanto, embora se constate essa falência da pena privativa de liberdade, ela ainda é universalmente considerada como resposta penal básica ao delito. A prisão, para muitos, tem sentido no que tange à exclusão forçada do delinqüente do convívio social, de modo que a privação de sua liberdade se identifica como a forma mais eficaz e legítima de punir, não importando a realidade em que se encontra o ambiente carcerário3.

2 A crise do sistema prisional brasileiro

A partir de uma análise crítica e realista dos presídios brasileiros, o que se percebe é a queda acintosa de um modelo estatal, cuja falência já vem sido admitida há tempo, em virtude de tantas barbáries e mazelas que ainda se fazem presentes no cárcere.

De fato, as penitenciárias no país vêm se tornando cruéis masmorras, onde se encontram presos provisórios misturados com condenados, empilhados num espaço físico mínimo, prevalecendo o mais absoluto caos.

A própria Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal (LEP), em seu item de nº 100, ainda na década de 1980, já declarava a situação absurda de confinamento de grande parte da população carcerária nas cadeias públicas e estabelecimentos similares. Chega até ao ponto de denominar tais lugares como “ambientes de estufa” e “sementeiras de reincidências”, onde prisioneiros altamente perigosos convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais e presos provisórios, para os quais o princípio da presunção da inocência é realmente um mito.

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Contudo, há uma grande despreocupação e tolerância, tanto do Estado como da sociedade, quanto ao problema carcerário. A omissão estatal em concretizar os dispositivos positivados na LEP, na Carta Magna e em importantes tratados internacionais, aliada ao fato da indiferença predominante na população, se demonstram, assim, como fatores também cruciais para a gravidade da crise.

Impera na sociedade uma tolerância absoluta em relação aos direitos dos presos, mostrando-se indiferente quanto à situação do sistema carcerário. O pensamento que predomina é que aparentemente a sentença condenatória criminal tem também um segundo efeito de retirar a personalidade e a dignidade humana do preso.

Em razão disso, é rotineiro presenciar noticiários e discursos por parte de certos segmentos da sociedade, principalmente após episódios que chocam profundamente as mais sensíveis almas, como o caso do menino João Hélio e da jovem Suzane Richthofen e irmãos Cravinhos4, com cunho eminentemente agressivo e sensacionalista, onde o mal da comunidade estaria depositado na figura do criminoso, e este deveria ser daquela banido eternamente.

Infelizmente, grande parte da sociedade, amedrontada pelo elevado índice de criminalidade, induz-se com discursos políticos oportunistas e falaciosos, cujo pensamento retrata ideais em tom de clamor da “defesa da sociedade” a qualquer custo. Por isso mesmo é fácil presenciar idéias sobre a implantação da pena de morte no país, ou outras espécies de penas tais como a perpétua ou as cruéis, traduzindo um retrocesso aos tempos remotos da aplicação dos esquartejamentos e mutilações como legítima sanção penal.

É pela defesa desses pensamentos que partem as concepções advindas do Movimento da Lei e da Ordem e do Direito Penal do Inimigo, tendo este último Günter Jakobs como seu principal representante.

Em linhas gerais, o Direito Penal do Inimigo se baseia na visão tida como perigoso inimigo aqueles autores de infrações penais consideradas graves, tais como terroristas, criminosos econômicos, delinqüentes organizados e outros. Suas principais características e fundamentos consistem em retirar desses indivíduos o status de pessoa, devendo ser punidos de acordo com sua periculosidade e sem a incidência dos direitos processuais. Ademais, a tese de Jakobs,Page 111 quando eleito o inimigo, propugna pelo “aumento desproporcional de penas, pela criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos) e pelo endurecimento sem causa da execução penal”5.

Também nessa mesma linha se incorpora o discurso dos partidários do Movimento da Lei e da Ordem, salientando que a imposição da pena de morte e de longas penas privativas de liberdade, além do advento de legislações severas, são os únicos meios realmente eficazes para intimidar e neutralizar criminosos e controlar a crescente criminalidade e terrorismo desenfreado, ao mesmo tempo em que se faz justiça aos “homens de bem”6.

Em documento publicado recentemente pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a criminalidade no Brasil, ficou constatado que os assassinatos cometidos por esquadrões de morte, por milícias e por policiais são apoiados por uma parte significativa da população brasileira. Ainda de acordo com as conclusões da ONU, os policiais em serviço são responsáveis por uma grande parcela dos homicídios no país, sendo os do Rio de Janeiro responsáveis por quase 18% do número total de mortes na cidade7.

Por isso mesmo, muita reclamação há tendo como alvo a atitude da polícia, que caminha no sentido contrário às metas ressocializadoras, pois considera o ex-condenado, não raras as vezes, como “legítimo representante do mundo do crime e como tal era tratado”8.

A esfera pública, por sua vez, não tem conseguido enfrentar efetivamente o problema carcerário, demonstrando enorme dificuldade em implantar na prática as disposições contidas na Lei de Execução Penal e demais legislações sobre o tema. Aliás, muitas vezes é o próprio Estado quem acaba “rasgando” a LEP, gerando verdadeiros monstros nas prisões e retro-alimentando, desse modo, o retorno do preso ao mundo da criminalidade9.

Quando há tentativa de melhorar a atual situação, então são desenvolvidos apenas contornos temporários para a problemática. Não há uma política prisional séria, engajada com a melhoria das condições deficientes dos estabelecimentos prisionais, tampouco com a ressocialização do recluso.

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Por exemplo, em 28 de fevereiro de 2007, os governadores dos quatro estados da Região Sudeste apresentaram ao Congresso Nacional treze propostas para a segurança pública, oriundas das discussões em torno dessa temática logo após a crise de 2006 ocorrida nos estados de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. As propostas se direcionavam a estabelecer maior rigor ao autor de crime hediondo e a certos delitos, através do aumento das penas previstas para os crimes contra a incolumidade pública, para o motim de presos e para o homicídio doloso cometido contra determinadas pessoas, como o policial no exercício da função ou em razão dela.

Decerto, durante o período pós-crise da segurança pública nos mencionados estados da Federação houve mais dezenas de propostas nesse sentido, sendo pertinente mencionar aquelas que almejavam extinguir a progressão de pena para assassinos cruéis; reduzir de forma drástica o número de indultos; limitar ao máximo a permissão às visitas íntimas; e extinguir o limite na aplicação de regime de segurança máxima para presos considerados perigosos10. Ou seja, nenhuma proposta visando realmente a extinguir ou, ao menos, atenuar eficazmente a problemática em relevo.

Outra questão importante a se ressaltar é que as informações e dados colhidos pelo Estado não traduzem realmente o que acontece nas prisões, seja por serem insuficientes, seja por não apresentar corretamente a realidade, o que acarreta, por conseguinte, a não realização de uma racional e eficaz política criminal.

Mais agravante ainda é a omissão dos órgãos incumbidos de realizar a vistoria dos estabelecimentos prisionais – especificados no art. 61, incisos I a VII, da Lei nº 7.210/1984 –, que, apesar de ser em considerável número, raramente realizam rotineiras inspeções com o intuito de combater as irregularidades, as quais persistem em continuar sem providência alguma.

E essa crise, com todas as deficiências existentes nas penitenciárias e na execução das penas privativas de liberdade, acaba afrontando importantes princípios expressos na Carta Magna, na LEP e nos tratados...

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