Formaçáo do contrato de compra e venda internacional de mercadorias

AutorPatricia Bezerra de M. Galindo da Fonseca
Páginas146-160

Page 146

I - Apresentaçáo

A nossa participado, na qualidade de juíza arbitral, no "Fifth Annual Willem C Vis International Commercial Arbitration Moot",1 ocorrido ern abril último na cida-de de Viena, deu ensejo as considerares abaixo relacionadas. Neste encontró universitario internacional sao discutidas, fundamentalmente, as normas substantivas componentes da Convenció de Viena, de 1980, sobre Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Discute-se, tam-bém, a Lei Modelo da Arbitragem Comercial Internacional e as Regras de Arbitragem, ambas elaboradas pela UNCITRAL,2 a Convenció de Nova Iorque de 19583 e os Principios dos Contratos Comerciáis Inter-nacionais do UNIDROIT.4

O objetivo maior do "moot" é a divul-gagáo das normas que compóem a Conven-gao de Viena de 1980 sobre contrato de compra e venda internacional de mercadorías.5 Na presente data, mais de cinqüenta

Page 147

Estados,6 inseriram tais normas nos seus respectivos ordenamentos jurídicos internos. Cada um destes Estados dispóe dois diferentes conjuntos de normas jurídicas regulamentando o contrato de compra e venda internacional: a lei interna, nacional, assim como a Convengáo da ONU. segundo a selegao das materias prescritas no art. 4°.7 A uniformidade na aplicaqáo das normas dispostas na Lei Uniforme é o grande desafio dos tribunais. O estudo comparativo das disparidades entre os diferentes sistemas jurídicos uniformiza a aplicagáo das normas da Convengáo.

A hipotética situagao jurídica, apre-sentada no encontró de Viena, tratava de um contrato de compra e venda celebrado entre Deep Well Drilling, fue, vendedor, localizado no Estado de Equatoriana, e Speculative Drilling, Co., localizado no Estado de Mediterráneo, controversia jul-gada por tribunal arbitral situado em um terceiro país. Danúbia. Dentre as diversas questoes que foram discutidas, a questao de direito substantivo essencial dizia respeito á formagáo do contrato de compra e venda internacional de mercadorias.

O presente estudo nao pretende esgo-tar o tema da formagáo do contrato, segundo disciplinado pela Convencáo. Os aspectos de tal tema, infra comentados, referem-se, exclusivamente, aqueles que foram objeto de debate no "moot" ocorrido em abril último, na Austria. Foi, na ocasiáo, discutida grande controversia jurídica relativa ao criterio utilizado pela Lei Uniforme de Viena referente ao momento da perfeiejío do contrato. Antes de ingressarmos na dis-cussáo doutrinária proposta, urna breve análise dos dispositivos sobre o assunto faz-se necessária.

II - Preceitos gerais

As disposigoes estabelecidas na pri-meira parte da Lei Uniforme de Viena cons-tituem-se em ferramentas indispensáveis ao estudo de qualquer das materias de direito material disciplinadas em seus capítulos posteriores. O art. 4- bem como o art. 6- e os preceitos que se seguem até o art. 13 re-presentam importantes normas jurídicas relativas ao tema "formaejio do contrato", instituto jurídico eminentemente de direito substantivo.

O art. 7°8, tratando da interpretado dos dispositivos componentes da Lei Uniforme de Viena, em particular no que diz respeito as suas eventuais lacunas, precei-tua que a utilizado da lei interna nacional é um recurso a ser so empregado posteriormente a utilizagao dos principios gerais previstos na própria Convenció. No § 1-daquele dispositivo sao elencados a inter-nacionalidade, o objetivo da uniformidade,

Page 148

assim como a boa-fé.9 Objeto de controversias quando dos trabalhos preparatorios da UNCITRAL, o § 2° do dispositivo consti-tui-se em urna soluqáo de comprornisso, nos termos seguintes:

"At the Vienna Conference, a number of delegates again urged that gaps in the CISG be filled by general principies reflec-ting the international spirit of the CISG. Their proposal, however, received strong criticism for failing to settle certain questi-ons definitively. As an alternative, other delegates proposed that domestic law de-termined by rules of prívate international law should be utilised to fíll gaps in the CISG. Rather than choose one proposal over the other, the delegates reached a com-promise embodied in article 7(2) by com-bining the general principies of the CISG and rules of prívate international law. The structure and language of article 7(2), ho-wevei; directs that courts first turn to the general principies ofthe CISG, indicating the delegates' preference that courts use the general principies to fill gaps in the CISG whenever possible"10 (grifos nossos).

O art. 4- excluí do ámbito da aplica-gao da Convenció questoes relativas á va-lidade do contrato,11 nao defínindo porém o que se entende por "validade". Dos mais proeminentes estudiosos do assunto, o prof. Jonh Honnold,12 da Universidade norte-americana de Pittsburgh, e o prof.

Peter Scheletriem,13 da Universidade alema de Freiburg, afirmam que determinadas questoes, como os vicios da vontade e a ca-pacidade das partes, compóem a esséncia deste conceito. Questoes relativas a valida-de confundem-se, com freqüéncia, com aquelas referentes á conclusáo do pacto contratual, devido á estreita relacjío que ambas as materias apresentam. A melhor maneira de lidar com eventuais divergencias suscitáveis á luz do conceito da validade é entendé-la sob o prisma da unifor-midade proposto pela própria Convenció no art. 7-, isto é, desassociando-a das defi-nigÓes nacionais. Todos os aspectos relativos a formacJío do contrato tratados pela Lei Uniforme sao por ela regulamentados, independentemente de determinada materia ser caracterizada como materia de validade contratual pelo direito interno.

De grande importancia prática, o art. 8°14 é freqüentemente utilizado em tribu-nais superiores em questoes atinentes a ter ou nao sido o contrato devidamente concluido.15 Em havendo controversia em fun-

Page 149

çao dos atos cometidos pelas partes, o art. 8°16 estabelece regras interpretativas atinentes á conduta dos sujeitos contratuais. O caráter subjetivo do comportamento (previsto no § 1°) é priorizado quando a outra parte estava, ou deveria estar, cíente da in-tengáo do sujeito ativo. A conduta objetiva da parte (regra disposta no § 2-) será avalia-da, apenas, quando nao aplicável a norma referente á conduta subjetiva. Em ambas as situagoes, todas as circunstancias relevantes devem ser consideradas na interpreta-gáo das declaragóes ou de outros compor-tamentos adotados, elencando o preceito alguns destes atos, como "as negociagóes que possam ter havido entre as partes, as práticas que se tenham estabelecido entre elas, os usos e todo e qualquer comportamento ulterior das partes". O prof. norteamericano Jonh Murray afirma que o § 2-conduz a urna interpretado em conformi-dade com o entendimento que urna pessoa razoável, semelhante ao outro sujeito con-tratual, teria tido ñas mesmas circunstancias.17 Recomenda o autor citado que os juí-zes, ao aplicarem as normas da Convengao, atentem para o crédito que o dispositivo em foco inspira.

O dispositivo seguinte, art. 92,18 ao prescrever a vinculagáo das partes pelos usos que consentiram19 e pelas práticas es-tabelecidas,20 distingue tal vinculagáo da-quela pertinente ao costume internacional "largamente conhecido e regularmente observado", que as partes conheciam ou deve-riam conhecer. O uso convencional e as práticas negociáis teráo forga vinculante apenas no que diz respeito áquilo acordado entre as partes, ou as habituáis condutas estabeleci-das entre elas. A aplicagáo tácita do costume mercantil internacional, ao contrario, dispensa um comportamento concreto por parte dos sujeitos contratuais. A eficacia do costume internacional é a regra, indepen-dentemente da atuagao volitiva das partes.

O art. 6-,21 que preceitua o principio da liberdade contratual, e o dispositivo II,22 que estabelece a liberdade da forma, constituem-se, igualmente em notáveis or-denamentos jurídicos a serem observados na questáo da formagao do contrato de compra e venda internacional de mercado-rias. O prof. Peter Winship, da Southern Methodist University of Law, esclarece a ratio legis do preceituado no art. &1:

"In other words, although the buyer may not unilaterally exelude the convention

Page 150

after the sales contract is concluded he may agree with the seller at any time to exelude the convention or to accept terms varying the effect of the convention. If the contract has not yet been concluded the buyer may also exercise control by conditioning ac-ceptance of his offer upon exclusión of all or part of the convention. In effect, article 6 embodies a vigorous affirmation of the principie of party autonomy. As the Swiss government noted in its pre-conference comments on the 1978 UNCITRAL draft, 'traders, who are generally wary of being subjected to unfamiliar rules, should instead feel reassured' by non-mandatory or 'ena-bling statute' nature of the convention".23

III - Formaçáo do contrato

A Convencjto das Nagoes Unidas sobre Contrato de Compra e Venda Internacional de Mercadorias disciplina o contrato de compra e venda através da análise dos dois momentos fundamentáis constitutivos da relaçáo contratual: a oferta e a aceitagáo da proposta contratual.24 Urna eventual discordancia entre os termos de um e outro ato jurídico contratual será verificada tendo em vista os criterios estabe-lecidos no art. 19.25 O momento em que a oferta contratual torna-se efetiva, a sua excepcional irrevocabilidade, assim como a aceitado tardia sao, entre outros, os temas disciplinados pela Parte II da Convenció de Viena de 1980.26 Temas objetos de fre-qüentes aplicares práticas ñas relagÓes de troca internacionais, a relevancia da determinado do momento em que foi o contrato de compra e venda internacional concluí-do verifica-se, sobretudo por ser esta especie de contrato celebrado entre sujeitos localizados em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT