A doença nos filmes de Pedro Almodóvar. Um estudo de caso: Tudo sobre minha mãe

AutorIves Mauro
Páginas147-165
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Ives Mauro
Resumo
Os estudos sobre doenças possibilitam análises sobre articulações e mudanças
na sociedade levando em conta a articulação entre a patologia de uma época, a
configuração histórica e ideológica que a contextualiza e o estágio de desenvolvi-
mento da Medicina. Ao avaliarmos a dimensão social da doença, trilhamos um
dos caminhos para a compreensão de uma sociedade, uma vez que esta funciona
como suporte e expressão da mesma. Dessa maneira, podemos pensar a doença
como um objeto histórico. Ao perceber que doenças são representações o Cine-
ma as usou como tema construindo painéis de uma determinada época ou socie-
dade. Este trabalho pretende discutir a construção do doente na filmografia de
Pedro Almodóvar.
Palavras-chave: representação, doença, cinema, história
Abstract
Studies on illnesses may lead to analyses on social movements and changes should
take into consideration the link between the pathology of an era, the historical
and ideological configuration that contextualizes it and the degree of develop-
ment in Medicine. When we analyze the social dimension of an illness, we tread
one of the paths leading to the underst anding of a society, since it works as su-
pport and expression of the illness itself. We can th us think of an illness as his-
torical objects, since it is a social phenomenon and, at the same time, transforms
society. When cinema realized th at illnesses are representations full of guilt and
commiseration, it used them as theme, characters or background, building panels
of a specific era or society. The aim of this work is to discuss the construction of
the sick person in Pedro Almodóvar ’s filmography.
Key-words: representation; illness, cinema, history.
De O gabinete do Doutor Caligari, de 1919, a As Chaves de Casa, de
2004, a doença sempre esteve presente no cinema, seja como tema central ou
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apenas como pano de fundo. Por que tal tema se repete tanto na filmografia
mundial? Talvez porque a doença seja mais que um estado patológico. É uma
dimensão humana, um estado latente onde podemos perceber o ser humano em
sua mais completa solidão e abandono. Entregue a agentes desconhecidos da razão,
o doente, físico ou emocional, está sujeito a caminhos desconhecidos que o separam
da dita normalidade. Susan Sontag afirma que “a doença é o lado sombrio da vida,
uma espécie de cidadania onerosa”1 e que não se deve abordar a doença física em si,
mas o uso dela como símbolo ou metáfora. As fantasias que as doenças inspiraram,
e ainda inspiram, constituem reflexos de uma concepção segundo a qual “a doença é
intratável e caprichosa, um mal incompreendido, em uma era em que a premissa
básica da Medicina é a de que todas as doenças podem ser curadas”.2
Pretendo, com esse trabalho, ir além dos filmes e tentar costurar uma teia
– bastante peculiar – entre história das doenças e realidade fílmica. Um dos
objetivos seria perceber, principalmente quais são as estratégias dos doentes para
reconstruir sua identidade. Também busco perceber como a ética e a solidarieda-
de podem ser caminhos alternativos nãopara cura mas para a construção de
uma sociedade mais justa e equilibrada.
Ao avaliarmos a dimensão s ocial da doenç a, trilhamos u m dos caminhos
para a compreensão d e uma sociedade, uma vez que a doença funciona como
suporte e expressão da mesma. A doença é um a construção social e um indiví-
duo doente é sem pre doente aos olhos da sociedade, em função dela e segundo
os moldes já fi xados. Dessa maneira, podemos perceber como a doença p ode
se torna r objet o histó rico, s endo fenômeno social e humano ao mesmo tempo
em que é evento transformad or da sociedade. A s reaçõe s frente a qual quer
doença tamb ém são documentos, a sere m lidos e analisad os: políti cas de saúde,
deliberações científicas , prescriçõ es médicas, ex periências de doentes ou pa-
rentes, o imaginá rio produzido em torno da mesma, seja na L iteratura ou no
Cinema, por exemplo.
Ao perceber que as doenças são evento s so ciais, carregado s de sen ti-
mento de culpa, comiseração e rede nção, o Cinema as us ou como t ema, perso-
nagens ou pano de fundo, const ruindo painéis d e uma determi nada época ou
sociedade. O que pretendemos com esse trabalho é invest igar a cinematografia
de Pedro Almodóvar, tomando Tud o sobre min ha mãe, de 1999, como estudo
de caso, uma vez q ue um filme, como qualquer outra manifestação human a,
mantém relaçõe s de interdepe ndência com outras esferas, s ejam elas políticas,
econômicas e s ociais. O objetivo seria justamente perceber e discutir como
este diretor constrói e usa o conc eito Doença. Minha hipót ese é que a Doença
quase sempre é utilizada como m etáfora de transformação de i ndivíduos ou da
sociedade e m sua s tramas.
REVIS TA ESB OÇOS Nº 16 UFSC

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