Execução trabalhista

AutorCarlos Henrique Bezerra Leite
Páginas427-523
Manual de Processo do Trabalho ← 427
XVII
EXECUÇÃO TRABALHISTA
1. Natureza, autonomia e princípios da execução trabalhista
Há duas correntes doutrinárias tradicionais a respeito da natureza jurídica
da execução de sentença trabalhista.
Para a primeira, a execução de sentença trabalhista é um “processo” autô-
nomo, que se inicia com a instauração de uma ação de execução de título judicial.
Os defensores desta corrente sustentam, em síntese, que a existência do “mandado
de citação ao executado”, previsto no art. 880 da CLT, é condição suciente para
justicar a autonomia da execução, pois citação é o ato pelo qual se chama alguém
a juízo para se defender de uma ação. Além disso, a CLT foi inspirada no CPC de
1939, mas com o advento do CPC de 1973, que passou a dedicar um livro próprio
e especíco apenas para a execução, esta passou a ser um processo autônomo em
relação ao processo de conhecimento, inclusive com a previsão da ação executória
(forçada) de título judicial e da ação executiva de título extrajudicial. Dentre os
defensores dessa corrente, destacam-se José Augusto Rodrigues Pinto, Francisco
Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, Eduardo Gabriel
Saad e Lúcio Rodrigues de Almeida.
Já a segunda corrente doutrinária advoga que a execução trabalhista é
uma simples fase ou módulo do processo trabalhista de conhecimento, inexis-
tindo, portanto, um processo autônomo de execução trabalhista porque se a
CLT (art. 878) prevê a possibilidade de execução ex ocio (quando a parte esti-
ver exercendo o jus postulandi), então não há uma ação de execução, pois qual-
quer ação, em função dos princípios da demanda e da inércia da jurisdição, só
pode ser instaurada por um autor, e não pelo próprio juiz. Além disso, o art. 880
da CLT não exige a instauração de um novo processo de execução, sendo suciente
que ela seja “requerida” nos mesmos autos do processo de conhecimento, isto é, sem
necessidade de uma petição inicial de uma ação de execução forçada. Outro argu-
mento forte dessa corrente consistia na inexistência de título executivo extrajudicial
no processo do trabalho, porquanto a antiga redação do art. 876 da CLT somente
previa a execução de sentenças condenatórias ou homologatórias de acordos. São
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defensores dessa corrente doutrinária Manoel Antonio Teixeira Filho, Francisco
Antonio de Oliveira, Pedro Paulo Teixeira Manus e Mauro Schiavi.
Já chegamos a defender a existência de um “processo autônomo” de
execução trabalhista não apenas pelos argumentos apresentados pela
primeira corrente, como também pela entrada em vigor da Lei n. 9.958, de
12.1.2000, que deu nova redação ao caput do art. 876 da CLT, passando a
instituir, no processo do trabalho, a execução de títulos executivos extrajudi-
ciais, a saber: os termos de ajuste de conduta rmados perante o Ministério
Público do Trabalho e os termos de conciliação rmados perante as Comis-
sões de Conciliação Prévia.
Logo, por força do novel art. 876 da CLT, o legislador criou dois títulos
executivos no processo do trabalho: judicial e extrajudicial. O título executivo
judicial, ou seja, a execução da sentença trabalhista, continuou sendo uma fase
ou módulo do processo de conhecimento, que pode ser instaurada de ofício pelo
juiz. Já o título executivo extrajudicial, depende da propositura de uma ação de
execução de título extrajudicial.
Ademais, com o advento da Lei n. 11.232/2005, o problema da autonomia
da execução civil restou superado, porque surgiram dois subsistemas distintos,
mas que se comunicam entre si, quais sejam: o do cumprimento da sentença
como mera fase do processo de conhecimento e a ação de execução de título
extrajudicial.
Parece-nos que existe uma nítida identidade entre a execução civil e a
execução trabalhista, o que impõe um diálogo das fontes normativas do CPC e
da CLT, no que for cabível para a efetivação dos princípios constitucionais da
efetividade do acesso à justiça, da duração razoável do processo e da vedação
ao retrocesso e dos princípios infraconstitucionais da instrumentalidade e cele-
ridade. O Novo CPC (art. 15) reforça esse diálogo.
Nesse sentido, aliás, propõe o Enunciado n. 66 aprovado na Jornada de
Direito Material e Processual realizada em Brasília-DF (2007), patrocinada pelo
TST, ANAMATRA e diversas outras entidades integrantes da comunidade
justrabalhista, in verbis:
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO COMUM AO PROCESSO TRA-
BALHISTA. OMISSÕES ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE. Diante do
atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir apli-
cabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889
da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação
de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da
instrumentalidade, efetividade e não retrocesso social.
Ora, se o processo de execução autônomo de título judicial foi, no processo
civil, substituído pelo “cumprimento da sentença”, que é uma simples fase proce-
dimental posterior à sentença, sem a necessidade de instauração de um novo
“processo” (de execução), com muito mais razão no processo do trabalho, em
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que já existe, inclusive, forte corrente doutrinária sustentando que a execução de
título judicial constitui mera fase do processo de cognição.
Vale dizer, o chamado “sincretismo processual” ocorrido no processo
civil, que consiste na simultaneidade de atos cognitivos e executivos no mesmo
processo e tem por objetivo tornar a prestação jurisdicional mais ágil, célere e,
consequentemente, mais efetiva, sempre existiu no processo do trabalho.
Com efeito, se a prestação jurisdicional (civil ou trabalhista) é também um
serviço público, então a prestação desse serviço estatal constitui ato essencial à
administração (pública) da justiça, o que reforça a necessidade de o Poder Judi-
ciário como um todo, inclusive a Justiça do Trabalho, buscar incessantemente a
operacionalização dos princípios da eciência (CF, art. 37, caput) e da duração
razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).
Para tanto, é imprescindível o diálogo das fontes normativas do CPC e
da CLT, na medida em que se reconhece a incompletude do sistema proces-
sual trabalhista no que concerne ao cumprimento da sentença, o que impõe a
adoção, no que couber, da heterointegração dos microssistemas processuais
civil e trabalhista, não apenas diante da lacuna normativa, como também diante
das “frequentes hipóteses em que a norma processual trabalhista sofre de mani-
festo e indiscutível envelhecimento e inecácia em face de institutos processuais
semelhantes adotados em outras esferas da ciência processual, inequivocamente
mais modernos e ecazes” (CHAVES, 2006, p. 28-29).
Sustentamos, portanto, que, quando o intérprete se deparar com lacunas
normativas, ontológicas ou axiológicas na execução trabalhista, deverá promo-
ver a heterointegração, mediante o diálogo das fontes (CLT e CPC), de modo
a promover a máxima efetividade do direito/princípio fundamental do acesso
à justiça, que, por seu caráter instrumental, também é destinado a realizar os
demais direitos dos cidadãos e cidadãs no campo das relações trabalhistas.
De tal arte, é factível armar que, com fundamento na heterointegração
dos subsistemas processuais civil e trabalhista, podemos dizer que existe,
atualmente, em ambos, um “processo autônomo” de execução de título extra-
judicial e uma “fase” de cumprimento de sentença (título judicial) pertencente
ao processo de cognição.
Tendo em conta que a execução trabalhista constitui um conjunto de atos
que visam à realização prática do conteúdo do título executivo judicial ou
extrajudicial, permitindo, inclusive, a constrição e a expropriação dos bens do
devedor, parece-nos pertinente apontar, ainda que sinteticamente, os princí-
pios que norteiam a sistemática da execução trabalhista.
a) Princípio da igualdade de tratamento das partes
A base do princípio da igualdade de tratamento das partes encontra-se no
art. 5º, caput, da CF, que estabelece a igualdade (formal) de todos perante a lei.
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