A execução nas ações coletivas: um debate sobre sua efetividade sob a ótica do novo ordenamento processual civil

AutorRafael Oliveira Monaco, Rogerio Borba da Silva
Páginas207-224
208
Recebido: 10/10/2018
Aprovado: 06/11/2018
A EXECUÇÃO NAS AÇÕES COLETIVAS: UM DEBATE SOBRE
SUA EFETIVIDADE SOB A ÓTICA DO NOVO ORDENAMENTO
PROCESSUAL CIVIL
EXECUTION IN COLLECTIVE ACTIONS: A DEBATE ABOUT ITS
EFFECTIVENESS FROM THE POINT OF VIEW OF THE NEW
CIVIL PROCEDURAL LAW
Rafael de Oliveira Monaco*
Rogério Borba da Silva**
RESUMO: O presente artigo tem por objeto tratar da execução de sentença nas ações coletivas
a partir das recentes mudanças no ordenamento jurídico processual e como estas repercutiram
em um dos momentos processuais menos estudados pelos operadores do direito. Para o alcance
do objetivo a pesquisa iniciou pelos aspectos gerais relativos à relevância da execução no
cenário atual, no que tange à concretização dos direitos, dentro de um panorama crescente de
demandas judiciais. Em seguida tratou-se da classicação da execução e temas especícos como
a liquidação da sentença, legitimidade, competência e meios executivos. A pesquisa converge
para a demonstração da baixa efetividade das sentenças em ações coletivas o que requer avanços
para que a mesma seja percebida pela sociedade e realizada com efetividade pelos operadores do
direito.
Palavras-Chave: Ações coletivas. Execução. Efetividade.
ABSTRACT: The purpose of this article is to deal with the execution of a judgment in collective
actions based on the recent changes in the legal system of procedure and how these have
repercussions in one of the procedural moments less studied by the legal operators. To reach the
objective, the research began with the general aspects related to the relevance of the execution
in the current scenario, with regard to the realization of rights, within a growing panorama of
judicial demands. Next, it dealt with the classication of the execution and specic topics as the
liquidation of the sentence, legitimacy, competence and executive means. The research converges
to the demonstration of the low eectiveness of the sentences in collective actions which requires
advances so that the same is perceived by the society and realized with eectiveness by the
operators of the right.
Keyswords: Collective actions. Verdict. Execution. Eectiveness.
1 INTRODUÇÃO
É conhecida a máxima de Chiovenda (1969, p. 46) pela qual, na “medida do que for
praticamente possível o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo que ele
* Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Possui graduação pela Universidade Cândido Mendes (2001).
E-mail: rafaelomonaco@gmail.com
** Doutor em Sociologia pela Universidade Candido Mendes (2017). Atualmente é professor de Direito do Instituto Brasileiro de
Mercado de Capitais, da Universidade Estácio de Sá e do Centro Universitário Carioca. E-mail: rogerioborba@gmail.com
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Rafael de Oliveira Monaco • Rogério Borba da Silva
Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 207-224, ago./dez. 2018.
enha um direito de obter. Em outras palavras, processo sem resultados é instrumento sem
função.
Nesse sentido, o exercício da jurisdição deixou ser encarado sob uma ótica romântica2
ou bucólica. O jurisdicionado não quer uma sentença poética, uma obra doutrinária meramente
declamatória de direitos. Ele anseia pelo bem da vida pretendido, ou seja, a satisfação de seu
direito, em tempo célere e razoável. Com efeito, a jurisdição se tornou uma unidade de produção,
diante da avassaladora quantidade de feitos em curso no país, a desaar constantemente
os operadores do direito nessa tarefa hercúlea de prestação jurisdicional. Os números não
mentem3. Basta constatar a existência de cerca de 80 milhões de processos em andamento no
país, a caracteri zar um demandismo desen freado4. A questão, portanto, não é mais de “Acesso
à Justiça”, mas de saída5 dela, sob pena de colapso6 do próprio sistema.
Particularmente, a execução, em sentido amplo, contribui para esse panorama caótico.
Pode se dizer que a efetivação dos julgados e dos títulos executivos extrajudiciais constitui
o gargalo do sistema7. Isto porque representa o maior acervo, em taxa de congestionamento
processual, chegando, no Rio de Janeiro (TJRJ EM NÚMEROS, 2018), a corresponder a 94,13%,
nos processos em 1º grau de jurisdição e 55,22%, em relação aos Juizados Especiais, constituindo
uma das Metas Nacionais8 e permane nte do CN J para o ape rfe içoa men to dos Siste ma da Justiça .
Aliás, se atualmente o processo de execução é visto com “bons olhos”, nem sempre assim
o foi na história do processo civil. Por retratar uma atividade prática, material, sancionatória
e satisfativa, sem cunho, exclusivamente, cognitivo, a execução sempre foi considerada o
“patinho feio” ou o “primo pobre” do processo civil. Sofria, assim, de um preconceito cientíco,
como se fosse uma ciência de menor importância, subalterna, tanto que apelidado como a
“Cinderela9” do processo. Essa visão, contudo, cou no passado. Se o século XX foi marcado
2 É importante a advertência do professor Dierle Nunes (2013, p. 33-34): “O estudo da Ciência Processual há muito deixou de se limitar
a uma discussão tão somente teórica, na qual se buscavam delimitar os institutos processuais e as teorias que tratavam de sua
trilogia estrutural (processo, jurisdição e ação). Do mesmo modo, não se pode também analisá-la somente em perspectiva técnica
instrumental, nos moldes tradicionais, em que o processo serviria à aplicação do Direito material, buscando uma utópica paz social.
Essas perspectivas, apesar de sua importância em seu tempo, cedem espaço para uma análise da ciência processual que busca uma
efetividade normativa (Rechtsschutzeektivität), ou seja, uma aplicação dos institutos processuais de acordo com os princípios e
regras constitucionais, de modo a ofertar, concomitantemente, legitimidade e eciência na aplicação do direito”.
3 Durante o ano de 2016, ingressaram 29,4 milhões de processos e foram baixados 29,4 milhões. Mesmo tendo baixado praticamente
o mesmo quantitativo ingressado, com Índice de Atendimento a Demanda na ordem de 100,3%, o estoque de processos cresceu em
2,7 milhões, ou seja, em 3,6%, e chegou ao nal do ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação aguardando alguma
solução denitiva. CNJ. Justiça em números 2017, p. 67.
4 Para se ter uma ideia, os Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio de Janeiro receberam, somente em maio de 2018, mais 28,6 mil
ações contra empresas, o que representa um aumento de quase 10% em relação a abril, quando foram distribuídos 26.130 processos.
5 “Cobrado por sua ineciência, o juiz brasileiro está se transformando no juiz-Bartleby, o juiz que ‘prefere não pensar”, optando pela
replicação, pela automatização, pela decisão-cópia e pela jurisprudência defensiva. Afogado em quase 100 milhões de processos,
a produção em série parece ser a única resposta possível, ao passo que estatísticas dos serviços médicos dos Tribunais revelam um
aumento preocupante do número de magistrados adoecidos pelo stresse. Os órgãos responsáveis pelo governo do Poder Judiciário
têm mais do que simplesmente incentivado, tem exigido dos juízes esse comportamento replicante, quantitativo, que acaba por
reduzir a sentença a um produto serial e os direitos a mercadoria. Transita-se na pura indistinção entre cidadania e mercado.
Caminhamos para a pura catatonia judiciária, para o imobilismo processual imposto pelo titânico volume de ações judiciais, sem
precedentes no mundo, pelo bacharelismo gongórico, pela teorética abstrata e pelo gerencialismo modernoso. No Brasil, a questão
não é mais de “acesso” ao judiciário, senão de “saída” desse labirinto forense (RESENDE JÚNIOR, 2014).
6 “Analisando o Poder Judiciário como um todo, tais diferenças signicam que, mesmo que o Poder Judiciário fosse paralisado sem
o ingresso de novas demandas e mantida a produtividade dos magistrados e dos servidores, seriam necessários aproximadamente 2
anos e 8 meses de trabalho para zerar o estoque”. CNJ. Justiça em números 2017, p. 67.
7 A cada ano, a publicação do Relatório Justiça em Números destaca o impacto negativo gerado pela fase de execução nos dados
de litigiosidade do Poder Judiciário brasileiro, que acumula alto volume processual e alta taxa de congestionamento. Esse volume
diculta a efetivação da tutela jurisdicional. Para ilustrar, o Poder Judiciário contava com um acervo de 80 milhões de processos
pendentes de baixa no nal do ano de 2016, sendo que mais da metade desses processos (51,1%) se referia à fase de execução. CNJ.
Justiça em números 2017, p. 109.
8 META 5 – Impulsionar processos à execução (Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho). Na Justiça Estadual: estabelecer
política de desjudicialização e de enfrentamento do estoque de processos de execução scal, até 31/12/2017. Na Justiça Federal: baixar
quantidade maior de processos de execução não scal do que o total de casos novos de execução não scal no ano corrente. Na Justiça
do Trabalho: baixar 90% do total de casos novos de execução do ano corrente, com redução proporcional, em cada tribunal, à redução
do número de juízes e de servidores cujos cargos não foram repostos (ENCONTRO NACIONAL DO PODER JUDICIÁRIO, 2016, p. 2).
9 “É do passado o vício metodológico consistente em tratar os temas do processo civil e encará-los pelo prisma exclusivo do processo
de conhecimento, negligenciando sua projeção à execução e tratando os fenômenos inerentes a esta como se zessem parte de outro

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