A Evolução da Conscientização Ambiental

AutorCassiano Portella Ceresér
Páginas103-117

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1. 1 No âmbito mundial

Atualmente, a inserção da questão ambiental não se restringe a um discurso meramente local, de algumas pessoas profissionalmente ligadas a tal problemática. Ganha repercussão de proporção mundial, preenchendo espaços nos principais veículos de comunicação, nos discursos políticos, nas conversas informais. Enfim, está presente no atual contexto mundial como um dos principais fóruns de discussão.

Contudo, essa preocupação com a proteção e a preservação do meio ambiente, apesar dessa notoriedade, não surgiu com a sociedade moderna. Esse interesse remonta os primórdios da evolução humana, sendo notado nas normas de conduta dos diversos povos da antiguidade, mais por interesses econômicos do que propriamente ambientais.

Um dos primeiros códigos de normas que se tem conhecimento no mundo é o Código de Hammurabi1, datado do século XVII a.C. O aludido diploma legal contém um expressivo número de normas que vislumbram questões inerentes à utilização da

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terra, ou seja, de conteúdo agrário, mas que também possuem elementos de proteção ambiental2.

É de se ter, ainda, que o referido Código possui outras normas, não tão específicas quanto as supracitadas, mas de relevante valor à proteção do meio ambiente, especialmente em relação a proteção da terra. Isso se deu, pois Hammurabi possuía o temor de que a terra não fosse trabalhada, ficasse no ócio3.

A Legislação Mosaica, ou seja, o "Código" hebreu, datada aproximadamente do século XIV a.C., também comporta a ideia de proteção ambiental4. Composta pela parte central do Antigo Testamento, ela está divida em cinco livros: Gênesis, Êxodo, Número, Levítico e Deuteronômio. Ao discorrer acerca da Legisla-

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ção Hebraica, Ralph Lopes Pinheiro5sustenta que o tal código de normas não teve a sua aplicação restrita ao povo hebreu, tendo sido empregada nos costumes mais arcaicos dos Romanos, dos povos por estes escravizados, entre os eslavos, além da relevante influência exercida na Idade Média.

Como bem lembra Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva6, a Proclamação de 1306, do rei Eduardo I, da Inglaterra, refletia a questão ambiental, ainda que de forma limitada. Este diploma continha a preocupação com a degradação do ambiente, em especial quanto à pureza do ar e da água.

Em momento posterior a questão ambiental também pôde ser observada nas Ordenações do Reino de Portugal. A primeira aparece 1446, sob o reinado de Dom Afonso V intitulada Ordenações Afonsinas7. Já em 1514, sob o reinado de Dom Manuel II, surgem as Ordenações Manuelinas8. E, finalmente, em 1603, sob o reinado de Filipe II, da Espanha, as Ordenações Filipinas9. Tais Ordenações nada mais eram do que Códigos de conduta a serem seguidos em todo o território do reino. Dentre estas três Ordenações10ganham destaque as Filipinas11, uma vez que nelas são

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encontradas normas bem definidas quanto à defesa dos recursos naturais.

Não se poderia deixar de referir a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, no ano de 1872. A criação deste Parque é fruto dessa conscientização, atrelada a conservação de belezas naturais e áreas ainda não atingidas pela ação economicista do homem12.

A partir do século XX, em especial nas décadas de 1950 e 1960, com a avassaladora explosão tecnológica, o homem passou a produzir consideráveis alterações no meio ambiente. Isto se deu, principalmente, nos países desenvolvidos, que experimentavam os efeitos deletérios da Revolução Industrial13.

Consoante a ilustríssima lição de John Elkington14, a jornalista e bióloga americana Raquel Carson ganhou a atenção mundial ao abordar temas atinentes à questão ambiental em seu livro Primavera Silenciosa, publicado em 1962. Porém, o impacto maior de sua obra se deu nos países desenvolvidos, preocupados cada vez mais com o novo cenário que se delineava, resultado do crescimento acelerado e desnorteado da indústria, intimamente ligado com a explosão demográfica da população urbana.

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Em virtude do enorme impacto causado pelo livro de Raquel Carson, numerosos movimentos ambientalistas surgiram pelo mundo. Alimentados, por sua vez, pela crescente degradação ambiental ocasionada pela incessante e desenfreada busca pelo maior lucro15.

No ano de 1968, na cidade de Roma, constituiu-se um grupo de estudos, composto por profissionais das mais variadas áreas, com o intuito de avaliar a crise momentânea e projetar o futuro da humanidade. Esse grupo de estudos ficou conhecido como o Clube de Roma que, em 1972, publicou um livro que alertava a população acerca dos problemas decorrentes do consumismo desenfreado e a sua projeção num futuro próximo16.

No mesmo ano, mais precisamente entre os dias 05 a 16 de junho, em Estocolmo, na Suécia, realizou-se a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Esta conferência teve como principal virtude o fato de somente ter-se ocupado dos principais problemas ambientais visualizados naquele momento17.

Dela resultaram diversos documentos, tendo como principais a "Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente", composta de 26 princípios, e o "Programa das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano", também conhecido como PNUMA18.

Infelizmente, segundo Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva19, tal conferência não obteve uma repercussão condizente com a sua relevância nos países em desenvolvimento, uma vez que estes encontravam como principais desafios a eliminação da pobreza, o desenvolvimento de sua indústria, entre outros problemas

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oriundos dessa posição. Com isso, as Nações Unidas chegavam ao fim de sua primeira década de desenvolvimento com resultados pífios, e tal conferência foi tida como uma manobra diversionista tendendo a relegar os programas de desenvolvimento.

Outro fato marcante para conscientização ambiental também ocorreu na década de 1970. Foi a tão divulgada e conhecida "crise do petróleo"20. Essa crise desencadeou uma recessão internacional. Nesse período o meio ambiente deixou de ser prioridade, cedendo espaço à questão política. No entanto, não foi deixado de lado, visto que em diversos países surgem centenas de agências, ministérios e departamentos de proteção ambiental.

Assim, até a década de 1970 os movimentos ambientais buscavam única e exclusivamente a conscientização acerca da questão ambiental. A partir da década 197021, em decorrência de uma maior conscientização e interesse sobre o tema, desenvolveu-se o conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja, a busca do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente.

No início da década de 1980, foi criada pela ONU uma Comissão Mundial com o intuito de analisar os principais problemas ambientais num âmbito mundial22. Tal estudo desdobrar-se-ia na visualização precisa dos problemas ambientais e na formulação de diversas propostas concretas, objetivando o desenvolvimento sustentável da população global, sem acarretar a escassez dos recursos naturais para as gerações futuras.

Esse estudo foi concretizado sob a forma de um relatório23, publicado no ano de 1987, no qual apontava os principais desafios acerca da degradação ambiental, traçava metas e trazia propostas

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concretas, sempre almejando o desenvolvimento sustentável e o papel dos países no cenário econômico internacional.

O ano de 1984 foi marcado por um acidente de proporções catastróficas. Na Índia, mais precisamente em Bhopal, a fábrica de agrotóxicos Union Carbide Corporation deixou vazar, acidentalmente, um gás extremamente venenoso, que matou mais de duas mil pessoas, e contaminou outras duzentas mil. Este acidente obteve grande repercussão no cenário mundial24.

Já no ano de 1985, na Antártica, cientistas relataram ao mundo a descoberta de um imenso buraco na camada de ozônio25.

Essas descobertas ganharam a atenção de muitas das diversas nações do planeta, uma vez que os problemas ambientais fugiam do âmbito regional.

Essa preocupação ocasionou a elaboração de um acordo internacional, ratificado por 35 países, em 1987, para o controle da emissão de CFC, ou seja, do gás Cloro-Flúor-Carbono26. Além desses acidentes ambientais, muitos outros se configuraram no planeta na década de 1980, como, por exemplo, o famoso caso do petroleiro Exxon Valdez, que colidiu com rochas e deixou vazar 42 mil toneladas de óleo cru, no Alasca, provocando uma grave degradação do ambiente nessa região27.

Em decorrência do elevado número de acidentes ambientais surgiram, na década de 198028, as primeiras políticas de controle ambiental, além da criação de agências e organismos preocupados com a prevenção e o planejamento ambiental.

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Em meados da década de 1990 foi realizada, em Roterdam, a Segunda Conferência Internacional da Indústria sobre o controle do Meio Ambiente29. Essa conferência foi promovida pela Câmara de Comércio Internacional e resultou na promulgação de um documento intitulado "Carta de Roterdam", composta de 16 princípios que consagravam o desenvolvimento sustentável, estabelecendo a gestão ambiental como uma solução a fim de se prevenir acidentes ambientais.

No ano de 1992 ocorreu, no Rio de Janeiro, a conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como ECO 92. Este evento deu-se com o intuito de analisar quais mudanças haviam ocorrido no cenário ambiental mundial desde a conferência de Estocolmo. A ECO 92 consagrou a busca por um desenvolvimento sustentável. E definiu que se deveriam elaborar normas bastante amplas acerca da questão ambiental, como forma de se alcançar tanto os países desenvolvidos como os em desenvolvimento30.

Um dos documentos produzidos pela ECO 92 e de maior importância foi a chamada "Agenda 21"31, que estabeleceu um

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sistema de políticas ambientais, constatadas e definidas na conferência, a ser implantado pelas nações no decorrer do século XXI.

Sobre esta conferência pode-se ainda afirmar que contou com a participação de mais de dez mil pessoas...

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