Eucalipto, o (deserto) verde maldito: atos de uma disputa... com muitos perdedores!

AutorDaniel Piccoli
CargoDaniel Piccoli é assessor da Equipe Rural e membro do Conselho Editorial dos Cadernos do CEAS. Do mesmo Autor, ver 'Para não esquecer... leiam' (resenha).Cadernos do CEAS, 217: 83-88. Salvador, Centro de Estudos e Ação Social, mai.-jun., 2005). [danielpiccoli@uol.com.br]
Páginas70-79
RELATO DE EXPERIÊNCIA
EUCALIPTO, O (DESERTO) VERDE MALDITO:
ATOS DE UMA DISPUTA... COM MUITOS PERDEDORES!
DANIEL PICCOLI, COMPANHEIROS E ENCURRALADOS *
1º ATO: UM GRITO DE ALERTA NO SUDOESTE DA BAHIA
“Estamos sendo cercados pelo eucalipto!”. O alerta foi dado em 2002, por
Manoel do Mocó, pequeno agricultor ligado ao Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), da comunidade de Mocó, município de Encruzilhada.
Manoel mora na margem direita da Rio-Bahia (BR-116), a vinte quilômetros de
Cândido Sales, já perto da divisa com Minas Gerais. Trabalha num pedaço de
terra de vinte hectares, herdado do pai: planta feijão de corda e milho na
baixada e mandioca e abacaxi no alto, bem perto da casa. Estivemos lá em
outubro passado com Adenilson, Dena e Ilza, num dia de sol quente e seca
braba. Encontramos Manoel descansando na varanda de cimento à vassoura,
o lugar mais fresco da casa. Foi aquela alegria receber a gente no seu
“ranchinho”.
Manoel é animado, conversador que só, olhar profundo, observador. Sentado
na calçada da casa, na sombra da tarde, nos mostra o estrago ao redor. “A
firma já comprou tudo!”, diz, pontando com o dedo na direção de uma vasta
área desmatada onde um trator de esteira e uma niveladora estão
encoivarando o que restou do mato, depois do “correntão”. No fundo, mais
longe, o fogo já completou o serviço. “São mais de cem alqueires só nesta
roçona”, conta Manoel: “Vão comprar tudo por aqui. Até meu irmão, que mora
em São Paulo, já mandou vender a parte dele. Ofereceram 20 mil o alqueire.
Fui procurado também; respondi que não vendo, de jeito nenhum! Os vizinhos
meus, a maioria foi tudo embora para Cândido Sales; estamos cercados neste
corredor aqui!”.
Fomos ver mais de perto. Manoel apresenta sua roça de mandioca, a terra
preparada para o plantio de feijão e milho, na baixada, assim que chegar a
trovoada. O costume da região é plantar no pó mesmo e botar fé: “Outro dia,
passava aqui com o meu menino quando topamos com um tatu; mais adiante,
outro. Nunca vi tanto bicho aqui dentro como agora! Estão fugindo pra cá,
neste resto de mato que sobrou, tangidos pelo fogo e pelas máquinas!”.
Chegamos a uma porteira trancada com cadeado; a chave está no pé do
mourão. Manoel abre, entramos. É uma roça enorme, plana, do jeito que o
eucalipto gosta: toco, raiz e mato rasteiro, não sobrou nada. O sol quente da
tarde e a poeira dão um ar mesmo de deserto! Observo o terreno de perto:
nem uma formiga, nada: “É assim mesmo; a terra fica nua, limpinha, limpinha!”,
lamenta Manoel.
Vamos mais adiante. Subimos num monte de terra que serve de rampa para
descarregar o trator de esteira do caminhão. De lá, para ver bem outras
roças já plantadas. “Aquele verde lá já é ele!”, diz Manoel. É um plantio novo

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