Etimologia e Mitologia do Daimon

AutorFlavio Cuniberto
CargoUniversità degli Studi di Perugia - Italia
Páginas108-119
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2012v12n17p108
108
ETIMOLOGIA E MITOLOGIA DO
DAIMON
1
Flavio Cuniberto
Università degli Studi di Perugia Italia
[Tradução: Diego Cervelin. Universidade Federal de Santa Catarina]
1. Luigi Magnani começava seu ensaio sobre Goethe, Beethoven e o demônico através de uma
observação com a qual é difícil não concordar. A idéia de “demônico” que encontramos na
época de Goethe é tão estranha ao “demoníaco” cristão escrevia Magnani quanto
próxima do conceito clássico de daimon: “uma entidade misteriosa e obscura, que ora se
impõe ao homem a partir do exterior, como misterioso desígnio divino (moira) [...] ora
assume um significado mais espiritual por revestir a mais íntima natureza do homem” e
colocar-se como a mais pura essência da alma, o seu caráter2. Porém, é evidente que esse
elemento demônico tem a ver, em primeiro lugar, com o mistério da criação artística: é
aquela urgência formal prodigiosa, aquela multiformidade criativa que a era romântica
resumiu na figura do gênio assumindo-a quase como seu mais específico objeto de culto.
Mesmo assim, é improvável que o daimon clássico tivesse exatamente esse significado. Para
avaliar o espaço intermediário seria necessária uma longa e paciente recapitulação: aqui,
porém, gostaria de limitar-me a um olhar panorâmico sobre a semântica do daimon a partir
de seu núcleo mais fugidio e precioso, ou seja, sua etimologia.
2. No uso homérico, o daimon é aquilo que os latinos chamariam de numen: o divino em sua
acepção impessoal, uma pura potência à qual a estirpe dos homens está sujeita. Essa
potência que consigna os destinos individuais se encontra simbolizada, na pintura dos
vasos de cerâmica, como um jovem alado no ato de consignar ao mortal a sua ker em
forma de guirlanda (assim, não exatamente como um deus, senão como alguma coisa de
intermediário, um mensageiro, um agente do divino)3. E pode resultar ainda que o daimon
seja o próprio destino, a sorte que nos toca, aquela que nos pertence e que nos distingue
em virtude de um decreto divino. Quando Plotino dedicava um tratado das Enéadas ao
demônio “que nos teve por sorte” (ou que tivemos por sorte), ele se referia precisamente a
essa acepção individual, à “sorte” que saiu para nós na “loteria” do Destino (mas que não
tem nada de acidental, porque, segundo a narrativa platônica a que Plotino se referia, essa
1 Cuniberto, Flavio. "Etimologia e mitologia del 'daimon'", em: Angelucci, Daniela (org.). Arte e daimon.
Macerata: Quodlibet, 2002, pp. 15-28.
2 Cf. L. Magnani. Goethe, Beethoven e il demonico. Turim: Einaudi, 1976, p. IX.
3 Cf., por exemplo, R. B. Onians. Le origini del pensiero europeo. Milão: Adelphi, 1998, p . 483.

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