Estrita legalidade e a importância das provas na aplicação das normas jurídicas tributárias

AutorFabiana del Padre Tomé
CargoMestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Professora no Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da PUC/SP
Páginas71-81

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1. Introdução: considerações sobre os princípios constitucionais tributários

Os princípios, tomados como normas jurídicas de forte conotação axiológica, podem ser encontrados em quaisquer espécies de textos integrantes do sistema do direito positivo. Há princípios constitucionais, princípios legais e até mesmo princípios infralegais. Os mais importantes, porém, são os constitucionais, visto que hierarquicamente superiores aos demais, dirigindo a aplicação de todas as normas jurídicas, interferindo, inclusive, no exercício das competências constitucionalmente previstas.

No âmbito tributário, os princípios constitucionais assumem especial relevância, configurando preceitos a serem observados pelo legislador infraconstitucional, no momento da criação das normas jurídi-cas tributárias. A Carta Fundamental traçou minuciosamente o campo e os limites da tributação, erigindo um feixe de princípios constitucionais com o fim de proteger os cidadãos de abusos do Estado na instituição e exigência de tributos. Desse modo, o legislador, ao criar tributos, deve percorrer o caminho determinado pelo Texto Supremo, observando atentamente as diretri-zes por ele eleitas.

Vale salientar a inexistência de valores constitucionalmente fixados que permitam que as necessidades do Governo sobreponham-se aos direitos e garantias dos cidadãos. O fato de ser preciso auferir receitas, por exemplo, não tem o condão de legitimar uma lei instituidora de tributo que viole princípio constitucional. Nem mesmo o princípio da supremacia do interesse público ao do particular justificaria uma situação como essa, pois conforme

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elucida Susy Gomes Hoffmann,1 o referido princípio "indica que a Administração Pública, buscando realizar os fins da sociedade, poderá, sem afrontar os direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos cidadãos, usar de poderes e faculdades que lhe são próprias para impor aos cidadãos determinadas condutas, mesmo se a sua anuência". Os poderes do Estado não se mostram ilimitados, devendo respeitar os valores considerados relevantes pelo Texto Maior, ou seja, os princípios constitucionais.

Alguns dos princípios previstos pela Constituição regem todo o ordenamento jurídico, sendo, consequentemente, aplicados ao campo tributário: são os princípios constitucionais gerais. Outros, porém, regem especificamente o desempenho da função impositiva de tributos pelas pessoas políticas: são osprincípios constitucionais tributários. Entre esses dois subdomí-nios, dirigiremos nosso estudo para o segundo, e, mais especificamente, para o princípio da estrita legalidade tributária.

2. O princípio da estrita legalidade tributária

Dentre os princípios constitucionais gerais existe o da legalidade (art. 5o, II, da Constituição), segundo o qual "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Houve por bem o constituinte, contudo, repetir tal preceito para fins especificamente tributários, prescrevendo no art. 150, I, do Texto Supremo que "sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça".

Diante de tal situação, cuida tecer sucinta consideração acerca da lei lógica da idempotência do conjuntor. Esta assim se exprime, em linguagem formal: Op.Op = Op ("O" é a notação simbólica da "obrigação"; "p", uma conduta qualquer;".", o conectivo da conjunção lógica; e "=', a equivalência). Segundo a referida lei, a repetição de vários preceitos jurídicos equivale a apenas um. Por esse motivo, já anotamos que seria desnecessária a enunciação do princípio da estrita legalidade tributária, visto que, independentemente de sua existência, imprescindível a edição de lei para criar ou aumentar tributos.2

O constituinte, todavia, preferiu ser enfático e repetitivo, pretendendo, com isso, evitar possíveis tentativas de burlar o princípio da legalidade, sob a infundada alegação de não ter sido ele especificamente previsto para a esfera tributária.

Efetuados esses esclarecimentos iniciais, interessante trazermos à balha a observação efetuada por Alberto Xavier,3 no sentido de que o princípio da legalidade, em matéria tributária, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal. Esse autor distingue a reserva da lei em reserva de lei material e reserva de lei formal, afirmando: "No primeiro caso, basta que a conduta da Administração seja autorizada por uma qualquer norma geral e abstrata, seja ela a lei constitucional, a lei ordinária ou mesmo o regulamento. No segundo, torna-se necessário que o fundamento legal do comportamento do órgão executivo seja um ato normativo dotado de força de lei, isto é, de um ato provindo de órgão com competência legislativa normal e revestido de forma externa legalmente prescrita".

É de se concluir, portanto, que apenas o órgão legislativo, por meio de lei ordinária (ou de lei complementar, quando expressamente exigida pela Constituição), tem competência para instituir ou aumentar tributos.

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Ressalte-se ainda que, para a instituição de qualquer tributo, é preciso que a lei (ordinária ou complementar, conforme o caso) traga em seu bojo todos os critérios identificadores do fato jurídico tributário e da relação jurídica tributária, não podendo qualquer dos aspectos da regra-matriz de incidência ser introduzido por veículo diverso.4 É o que se costuma denominar princípio da tipicidade tributária.

Como bem ensina Paulo de Barros Carvalho,5 o princípio da tipicidade tributária se define em duas dimensões, quais sejam, o plano legislativo e o da facticida-de. No primeiro está a necessidade de que a norma geral e abstrata traga todos os elementos descritores do fato jurídico tributário e os dados prescritores da relação obrigacional, ao passo que no segundo tem-se a exigência da estrita subsunção do fato à previsão genérica da norma geral e abstrata, vinculando-se à correspondente obrigação.

O princípio da tipicidade tributária exige a perfeita adequação do fato à norma para que surja a obrigação tributária. Por isso mesmo, o surgimento do vínculo obrigacional está condicionado ao fenômeno da subsunção, que é a plena correspondência entre o fato jurídico tributário e a previsão normativa veiculada na hipótese de incidência, fazendo surgir a obrigação correspondente, nos exatos termos previstos em lei.

3. Fenomenologia da incidência tributária e os requisitos para a subsunção do fato à norma

Quando pensamos no fenômeno da percussão jurídico-tributária, vem-nos à mente a figura de um fato que, subsumin-do-se à hipótese normativa tributária, implica o surgimento de vínculo obrigacional. É a fenomenologia da incidência.

Nota-se, portanto, que sem lei anterior que descreva o fato tributável, não há como surgir obrigação tributária (princípio da legalidade). Da mesma forma, sem o perfeito quadramento do fato à norma (subsunção), o vínculo obrigacional não se instaura (princípio da tipicidade). Só pode ocorrer a incidência tributária se houver previsão legal e a correspondente subsunção do fato à norma.

Referida operação, todavia, não se realiza sozinha: é preciso que um ser humano promova a subsunção e a implicação que o preceito da norma geral e abstrata determina. Na qualidade de operações lógicas, subsunção e implicação exigem a presença humana. Daí a visão antropocên-trica, requerendo o homem como elemento intercalar, construindo, a partir de normas gerais e abstratas, outras normas, gerais ou individuais, abstratas ou concretas.

É pelo ato de aplicação do direito que se tem o processo de positivação, pois, como pontua Paulo de Barros Carvalho,6 "a aplicação do direito é justamente seu aspecto dinâmico, onde as normas sucedem, gradativamente, tendo sempre no homem, como expressão da comunidade social, seu elemento intercalar, sua fonte de energia, o responsável pela movimentação das estruturas".

Convém esclarecer que a aplicação do direito não dista da própria produção normativa. A aplicação do Direito é, simultaneamente, produção do Direito. Trata-se de ato mediante o qual se extrai de regras superiores o fundamento de validade para a edição de outras regras, cada vez mais individualizadas. E é somente por meio dessa ação humana que se opera o fenômeno da incidência normativa em geral, assim como da incidência tributária, em particular. Sem que um sujeito realize a sub-

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sunção e promova a implicação, expedindo novos comandos normativos, não há que falar em incidência jurídica.

Essa movimentação das estruturas do direito em direção à maior proximidade das condutas intersubjetivas exige a certificação da ocorrência do fato conotativa-mente previsto na hipótese da norma que se pretende aplicar. Mas, para que o relato ingresse no universo do direito, constituindo fato jurídico, é preciso que seja enunciado em linguagem competente, quer dizer, que seja descrito consoante as provas em direito admitidas. Observa-se, aí, importante função da linguagem das provas no sistema do direito tributário. É por meio delas que se compõe o fato jurídico, em todos os seus aspectos (conduta nuclear, tempo e espaço), bem como o sujeito que o praticou e sua medida. Como leciona Paulo de Barros Carvalho,7 "o discurso pres-critivo do direito posto indica, fato por fato, os instrumentos credenciados para constituí-los, de tal sorte que os acontecimentos do mundo social que não puderem ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por mais evidentes que...

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